Amanda Danelli Costa | Maio 2020
O bairro de Santa Tereza, na região do centro da cidade, tem características que o diferenciam de toda a região. Trata-se de um bairro alto, cujo acesso se fez (e ainda se faz) por bondes, e que no século XIX e princípio do século XX contribuiu para o reestabelecimento da saúde de várias pessoas contaminadas por tuberculose e outras doenças que afetam o sistema respiratório. Justamente por estar numa colina e ter, por isso, o acesso à pé dificultado, o bairro precisou se desenvolver da maneira mais autônoma possível, de modo que seus moradores pudessem encontrar pelas suas ruas o essencial para a vida cotidiana ali. Nesse contexto, alguns armazéns de secos e molhados de origem ibérica se instalaram pelo bairro.
No local onde está instalado o Armazém São Thiago já existia um armazém de secos e molhados de origem portuguesa onde o Sr. Jesus Pose Garcia chegou em 1907, aos vinte anos de idade, vindo de La Coruña para trabalhar como caixeiro, passando mais tarde a gerente. Dez anos depois o Sr. Jesus Pose Garcia arrendou o local, tornando-se proprietário em 1919, quando então deu à antiga mercearia o nome de Armazém São Thiago, em homenagem à São Thiago de Compostela, nome de uma conhecida cidade da região em que ele havia nascido. O armazém, portanto, sob a propriedade do antigo dono português ou sob os cuidados da família espanhola que vinha para o Rio de Janeiro, somando outros familiares à sociedade pouco a pouco, foi ao longo de todo o século XX uma referência importante de abastecimento para o bairro, aonde se podia encontrar vinhos, bacalhau, embutidos, conservas, grãos, entre outros itens fundamentais para a subsistência das famílias em Santa Tereza.
Entre os parentes que compuseram a sociedade do armazém estava José Gomez Contorna, sobrinho-neto de Jesus Pose Garcia, que chegou ao Rio de Janeiro em 1955. Isso explica a razão por que o Armazém São Thiago também é conhecido pelo nome “Bar do Gomez”, referência clara ao Sr. José Gomez, que detrás do balcão acompanhava o movimento das famílias que faziam suas compras no armazém e que, não raro, deixavam suas contas anotadas numa caderneta para que o pagamento total fosse feito no fim do mês.
Tal como os demais armazéns da cidade, o São Thiago sofreu as consequências da chegada das grandes redes de supermercado à cidade durante os anos 1960 e 1970. No entanto, como o bairro ainda mantinha esse caráter de isolamento do restante da cidade, havia ainda muitas utilidades em manter um armazém na vizinhança. Ainda assim, desde aqueles anos, o armazém foi se transformando em um bar, recebendo então outra clientela, de fora do bairro. Já em 2003, o neto do fundador do armazém decidiu fazer uma reforma para que o bar-armazém restituísse a antiga imagem de armazém do início do século XX através do restauro de muitos móveis, especialmente aqueles em que se guardavam os grãos e outros alimentos, da reforma do piso e da organização de antigos utensílios pertencentes ao escritório do armazém nas altas prateleiras, o que contribui em muito para conferir o aspecto de bar-armazém-antiquário.
Quando era um bar-armazém, as comidas ali servidas usavam os produtos vendidos na própria casa. Os sanduíches, por exemplo, eram feitos com os embutidos espanhóis. Não havia cozinha, o que limitava o cardápio àquilo que podia ser preparado no balcão. Na reforma de 2003, a mesma que buscou restituir a imagem de antigo armazém, criou-se uma pequena cozinha que passou a permitir o preparo de petiscos de botequim. Atualmente o bar apresenta ritmos bastante distintos ao longo do dia: durante a tarde é um lugar silencioso, onde se pode conversar tranquilamente e trabalhar em uma das mesas; já no fim da tarde e início da noite chegam grupos de pessoas que vão até ali para uma pausa de descontração antes de voltarem pra casa; e à noite o bar enche, transbordando para as calçadas da esquina da rua Áurea.
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Amanda Danelli Costa é professora adjunta do Departamento de Turismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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Esse texto faz parte de uma série de posts sobre bares cariocas publicada pela autora no blog do Lacon. Confira os outros textos publicados: