Ana Clara Camardella | Maio 2020

Antes de começar a escrever, me peguei pensando… “Como não falar de algo relacionado ao momento que estamos passando?”, “Será que escrevo algo relacionado a minha pesquisa (que admito ser uma das tantas coisas pausadas nesse momento de incertezas)?”, “Ou será que coloco no papel alguns devaneios que tenho tido nesse período de isolamento?”.

Decidi pela segunda opção.

Não tem como ignorarmos todos os medos, incertezas, angústias e ansiedades que nos assolam nesse momento de pandemia. Penso que este espaço é mais que necessário para documentarmos nossos pensamentos num momento que ficará para a história da humanidade.

Bom, mas qual assunto abordar? Me peguei nesse novo questionamento. E aí me veio a necessidade de falar sobre saúde mental…

Não sou nenhuma especialista no assunto, mas acho que é cada vez mais importante que experiências pessoais sejam compartilhadas de modo que possamos sentirmos acolhidos em uma rede de apoio. Quando estou sentada, em frente ao computador, tentando produzir e não consigo, me vem o questionamento: “Será que sou a única?”, “Será que esse cansaço e falta de motivação é só comigo?”.  Ao compartilhar tais sentimentos com colegas, percebo que muitos se encontram nesse mesmo momento de improdutividade/ansiedade/dificuldade de concentração. E o que me conforta é saber que está tudo bem passar por isso. Esse é o momento de nos concentrarmos em ficar bem para cuidarmos uns dos outros.

Assim como eu, imagino que muitas pessoas estejam se questionando sobre as mesmas coisas. Mas será que todos possuem uma rede de apoio nesse sentido? Será que todos conseguem enxergar que é totalmente normal se sentir assim?

Por isso, me veio a necessidade de falar sobre saúde mental.

A contemporaneidade é marcada por uma cobrança de que as pessoas sejam produtivas e estejam conectadas (por conta da era digital) a todo instante. Segundo o filósofo Byung-Chul Han, vivemos em uma “Sociedade do desempenho” que culmina em uma “Sociedade do cansaço”, título de sua obra. Para o autor, enquanto o século 20 foi marcado por epidemias bacteriológicas e virais, no século 21, vivemos em um contexto no qual as principais patologias são de cunho neural, as quais surgem a partir de um excesso de positividade. Vale ressaltar que o Coronavírus acabou remodelando esse pensamento, visto que, além das patologias neurais, os vírus ainda se mostram como ameaças no século 21. No entanto, isso não anula o argumento de Han em relação à questão mental, porque o que estamos observando é justamente um nível de estresse e ansiedade que agora, além de tudo, também está atrelado à preocupação com o vírus.

De todo modo, nesse momento, o que interessa é observar como chegamos nesse nível de estresse marcado pelo excesso de cobrança por produtividade. Segundo o autor, vivemos em meio a discursos de ação produtiva e alcance de metas, como por exemplo “Yes, we can!” (slogan da campanha presidencial de Barack Obama em 2008) ou “Just do it” (slogan da Nike). E é justamente esse excesso de positividade, presente na contemporaneidade, que culmina nessa “sociedade do desempenho” que nos leva a exaustão.

Somos bombardeados com um excesso de estímulos diariamente para que realizemos múltiplas tarefas. São esses inúmeros estímulos que geram essa fadiga geral, esse cansaço, ao qual Han se refere.

Quem dissertava sobre uma ideia semelhante, há mais de 100 anos, foi Simmel quando propôs o ensaio “A metrópole e a vida mental”. Se com a passagem para a modernidade, as condições psicológicas dos indivíduos passaram por mudanças resultando, por exemplo, no conceito da “atitude blasé” proposto pelo autor, imaginemos como estão as nossas faculdades mentais diante de uma multiplicação desses estímulos, promovida pela ascensão da era digital.

Agora, imaginemos, ainda, como está nossa condição mental em meio a uma pandemia que nos trouxe tanta incerteza e insegurança? Se Simmel, lá atrás, e Han, mais recentemente, nos apontam a necessidade de lançarmos o nosso olhar para essa condição de fadiga/saturação do indivíduo em meio a um bombardeio de estímulos, nós temos o compromisso de olharmos para a nossa saúde mental nesse momento.

Portanto, não se sinta obrigado a ser produtivo o tempo todo (ainda mais no contexto atual). O capitalismo faz com que a gente se sinta culpado, pois “time is money, right?”. Porém, vamos na contramão dessa máxima. Desacelerar é um favor que fazemos ao nosso bem-estar.

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Ana Clara Camardella é mestranda em Comunicação pelo PPGCom da UERJ.

 

Referências:

SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, G.O. (Org.). O fenômeno urbano. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 11-25.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

 

Vamos falar sobre saúde mental?