2141Ana Beatriz Dias e Nicole Mendes | Retrospectiva

 

Primeiro dia do pré-congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp), ocorrido na segunda-feira 8/5, foi marcado pela defesa do ativismo, luta e diversidade nas universidades durante a mesa um “Literatura e diversidade: lutas nos espaços organizacionais’’. O primeiro debate contou com a presença de Dani Balbi, primeira deputada trans do Rio de Janeiro, Maria Isabel Iorio, poeta, e Maria Aparecida Salgueiro, pesquisadora e professora de Letras da Uerj, e mediação da professora  Denise da Costa Oliveira Siqueira (Faculdade de Comunicação Social/Uerj).

A mesa de abertura, que antecedeu a mesa 1, foi composta por Bruno Deusdará, então diretor do CEH/Uerj, Patrícia Miranda, diretora da FCS/Uerj e Ricardo Ferreira Freitas, presidente da Abrapcorp e vice-diretor da Uerj. O professor Ricardo Freitas ressaltou a importância da Uerj em ser pioneira em “ativismo’’, um dos lemas do XVII Congresso Abrapcorp. A universidade foi a primeira a adotar o sistema de cotas, para alunos negros/indígenas, oriundos do ensino público e deficientes. Em 2000/2001, houve a tentativa de trazer o sistema cotista para a universidade e, no vestibular de 2003, finalmente, a Uerj conseguiu consolidar o sistema, como forma de compensar a exclusão social histórica.

Dani Balbi, deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PCdoB e doutora em Ciência da Literatura pela UFRJ, declarou a felicidade que estava sentindo ao ter sido recebida em mais uma universidade pública, a Uerj. A deputada falou sobre a contemplação artística na dispersão do mundo contemporâneo, mencionou o conceito de Indústria Cultural, desenvolvida pelos pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer, e a imposição das marcas, além da perda do sentido de comunidade e a supervalorização das experiências individuais. Abordou também a disseminação das fake news e a tentativa de fazer com que seja considerada uma prática criminosa, pois isso afeta a periferia, que já é um lugar que possui lacunas, então, está sujeito a sofrer com a difusão das fake news. No final da palestra, sobre seu campo de estudo, a literatura, nossa equipe perguntou sobre o que ela acha da aproximação (ou não) da favela e do mundo literário. Dani respondeu que políticas públicas podem ser feitas para incentivar a literatura nas favelas, não só do estado do Rio de Janeiro, mas de todo o país. A deputada disse ainda que deveriam ser criados clubes de leituras e a construção de programas de incentivo à leitura.

Em seguida, Maria Aparecida Salgueiro, doutora em Letras e professora na Uerj, relatou que começou a trabalhar com literatura afro-diaspórica, porque percebeu que apenas as autoras europeias eram estudadas. Eram livros que focavam a história da Europa, com uma perspectiva “eurocêntrica “. Ela decidiu estudar a história africana, que são as pessoas que fazem parte da identidade do Brasil, desde o século XVI, por meio do tráfico negreiro, são elas que devem ter a devida importância e que merecem ser estudadas. A doutora frisou sobre autoras negras que vêm se destacando e reforçou a reforma curricular para abranger autores negros.

Maria Isabel Iorio foi a última a falar. A poeta abordou como empresas criam representatividades falsas para se blindar de críticas enquanto tratam seus funcionários que fazem parte de alguma minoria com descaso. Ela destaca que, para ter uma sociedade mais inclusiva, é necessário que as marcas se tornem verdadeiramente diversas. Bel também falou como sua poesia atinge as pessoas convidando todos a refletirem. Em suas palavras, se o público pudesse sair da palestra pensativo seu objetivo teria sido alcançado.

Por fim, a primeira mesa encerrou com o debate entre os ouvintes e as palestrantes. O momento foi elogiado pelos alunos, que disseram que o fato de poderem fazer perguntas tornou o momento bem leve e com liberdade de expressão.

Entrevistas das palestrantes às voluntárias de imprensa: 

Você mencionou a produção de fake news e a tentativa de criminalização da prática. Como acredita que essa prática pode afastar as camadas mais pobres de lutar contra o sistema? 

Dani Balbi: A disputa sobre a realidade é uma das características do nosso tempo, principalmente por conta da produção de versões nos espaços e na era da virtualidade. Então, se nós pensarmos que a gente perde qualquer capacidade de mediação daquilo que é real fora desse universo, que permite a produção incessante de diversas versões sobre a realidade, a gente assume que perdeu a capacidade de resgatar e de dialogar com a expressão significativa em termos qualitativos, mas também quantitativos da maior parcela da população. Aí sim, portanto, a prática de produção de realidades e sub-realidades conflitantes, acaba afastando e inviabilizando a participação de grandes grupos que, ou não estão dentro da virtualidade ou não têm acesso a mecanismos de checagem de verificação da esfera pública como um todo e, obviamente, ataca a democracia e inviabiliza a autonomia crítica desses cidadãos e cidadãs que compõem a maior parte da população, que não estão na virtualidade disputando e produzindo versões do real. 

Você acredita que a favela e a periferia têm se aproximado mais do mundo literário nos últimos anos? Que políticas públicas podem ser feitas para aproximar esse público?

Dani Balbi: Sim, a produção de pessoas de origem favelada têm aumentado significativamente, ainda que de forma incipiente. É importante que nós invistamos na produção de clubes de leituras, construamos programas de incentivo a leitura e a formação inclusive de jovens escritores e escritoras. Descentralizando dois orçamentos muito importantes, o da cultura e o da educação, para que essas áreas articuladas possam incidir nas periferias, não só do estado do RJ, mas do Brasil inteiro, para que esses jovens negros, pobres, periféricos, LGBTQIA+, que não estão naquilo que foi considerado o centro do poder, sejam munidos e sintam listados a participarem da produção de imaginário. Então, é possível combinar política pública de incentivo e investimento a educação e a cultura descentralizado, chegando na ponta diretamente para essas pessoas, não só os jovens, que estão ali na realidade, no lote da periferia e que tem o direito, e o Estado, o dever de promover a participação delas na produção de imaginário. 

Como as empresas e a mídia podem agregar minorias sem abusar de sua representatividade para afastar as críticas? 

Bel: Acho que é difícil a gente saber dizer exatamente, mas acho que o primeiro caminho é saber qual interesse está por trás disso, se o interesse for realmente abrir as portas para que outras pessoas convivam e aprendam juntas pela diferença, acho que é o primeiro caminho. Tem que existir um interesse nessa diferença, saber que certamente ela será melhor e mais rica para essa produção, seja lá qual for a empresa, do que tapar um buraco e achar que esse é um favor que se faz, quando na verdade, se ganha muito com isso.

Vi que sua escrita é voltada para o público LGBT. Você acha que a falta de autores desse nicho dificulta a aceitação de pessoas da comunidade? 

Bel: Acho esse tema longo e complexo, porque em algum lugar os meus textos partem desse ponto, mas eles não são só para essas pessoas. Então assim, a gente pensa isso porque existe um desinteresse muito profundo nesse sujeito universal, que é o homem branco, em qualquer coisa que não seja sobre ele. Na verdade, ele procura pouco essa literatura e ele é quem dita a regra de mercado e quem que consegue fazer com que seja publicado. Isso faz com que tenham menos pessoas LGBT produzindo, embora, ultimamente, tenha cada vez mais e isso é um trabalho de muita gente. A grande questão é que, quanto mais, melhor, porque vamos poder ver a diferença. De uma autora para a outra, a diferença é brutal, não é porque são duas autoras lésbicas, por exemplo, que vão escrever o mesmo tipo de poesia. 

O que a incentivou a escrever sobre literatura afro-diaspórica? 

Maria Aparecida Salgueiro: Minha própria vida, minha vida familiar, questões que eu via e estranhava, ligadas a toda questão racial no Brasil. Comecei a pesquisar, ler sobre isso e, como meu campo já era Literatura, acabei indo parar na questão do afro-brasil, da afro-américa e da afro-diáspora.

Como é participar de um evento tão importante ligado a sua pesquisa? 

Maria Aparecida Salgueiro: É mais um momento de divulgação de pesquisa na universidade pública e na própria Uerj. Tenho a sensação de poder contribuir para várias mudanças no país e na vida de tantas pessoas. 

Qual a importância da Uerj ter sido escolhida para receber um evento como a Abrapcorp? 

Ricardo Ferreira Freitas: A Abrapcorp é o congresso mais importante da área de Relações Públicas e Comunicação Organizacional, portanto, é muito importante para nós que a Uerj, pela primeira vez, receba essa edição e seda o congresso. Afinal de contas, é a 17ª edição, que tem como tema “ativismos”, que é uma pauta de tamanha importância para a Uerj, por todas as lutas de inclusão que ela sempre fez. Desde a inclusão do aluno trabalhador, a depois a inclusão dos alunos mais pobres, pretos, com deficiência e os demais cidadãos e cidadãs da nossa sociedade, que viviam à margem da universidade. Como a área de Relações Públicas trabalha essencialmente com empresas, organizações e marcas, é muito importante que a gente traga essa discussão para um mundo que é comandado e que comanda o capital, ou seja, o dinheiro.

Mesa 1: Literatura e diversidade; lutas nos espaços organizacionais