Miguel Anjo | Outubro 2023
Para a entrevista da edição de Outubro da nossa newsletter ImaginaRio os escolhidos foram a banda Varandão Gang. A banda de rap, cria do bairro de Campo Grande na Zona Oeste da cidade do Rio, nos conta um pouco sobre o cenário musical carioca e as diferenças sociais entre as regiões da cidade.
ImaginaRio: Como vocês enxergam a potência de Campo Grande na produção musical e artística independente?
Coutinho (vocalista): A gente pode falar pelos artistas que já saíram de Campo Grande, tá ligado? O major RD agora é um dos maiores nomes do rap. Tem o Xamã, Ferrugem, Felipe Alves baterista do Djavan, entende? Mas a galera não vai pra Campo Grande, esse é o problema. Tem inúmeros rolês por lá. A Casa Bosque tem shows de várias galeras, fazendo várias paradas legais e diferentes, mas as pessoas não vão lá ver. A galera tem que fazer mais esse movimento de sair dos centros, aqui é muito rico. Talvez por essa dificuldade e pela falta de incentivo a galera faz pouco, mas, quando faz é muito forte, uma parada que te pega no feeling, te conecta, porque é muito real.
O incentivo cultural lá (Campo Grande) é bem pouco, tá ligado? Tem teatros, mas faltam convites pra gente que é da área. Até rolam coisas, às vezes, mas, quando acontecem, a divulgação é meio precária. Campo Grande é um dos maiores bairros da América Latina, tem muita gente lá, e geral sai pra trampar cedo e volta tarde, daí não tem esse desvio pra apreciar as paradas, sabe?
Alek (baterista): Não tem essa mudança de rotina, de ir a um teatro, assistir um show que não seja de um artista muito estourado. Essa desigualdade socioespacial que tem no Rio reflete muito no nosso meio. Na Barra da Tijuca, apesar de ser Zona Oeste, não tem tanto disso, porque tem uma galera que tem grana, tem pessoas com status, com certa influência política e aí se ele pensar “pô meu bairro tá descuidado, tem um entretenimento, não tem nada”, o cara vai fechar uma via pra ele no domingo. No meu bairro, em Cosmos, a gente até tem um dia pra isso, só que isso nunca acontece, não tem evento pra isso, não tem incentivo, então, se você quiser fazer alguma coisa, vai ter que conhecer o lugar, as pessoas, vai ter que suar mesmo. As pessoas não levam fé nesses nossos trabalhos, acham que é brincadeira, por lazer.
ImaginaRio: Vocês acham que seriam beneficiados se fossem um grupo da Zona Sul?
Alek: A região é muito favorável, tem muita gente com influência que mora nessa área. Com os amigos certos, você chega muito mais longe que alguém da Zona Oeste.
Coutinho: Fazendo amigos na Zona Oeste, você arruma mais dívida ou, até mesmo, uns problemas, tá ligado? – ironiza. Não que a galera da Zona Sul tenha culpa, mas é importante ter essa consciência. Tinha uma parada que eu pensava muito quando eu era criança, tipo quando eu estava na escola e ouvia falar de Vinícius de Moraes, Garota de Ipanema, legal, mas e aí? Eu acordo de manhã, tem um valão na minha rua, como eu tiro inspiração disso pra fazer poesia, sabe? É nítido, se você abrir o instagram pra procurar algo pra fazer no final de semana, todos os eventos são pelo Centro ou Zona Sul e, algumas vezes, na Zona Norte, geralmente por Madureira, que é o máximo onde a galera vai. Você não vai ver um grande evento em Campo Grande, pela Baixada com essa frequência, não tem esse incentivo ao trampo independente, autoral.
Alek: Aqui é a zona da galera que é peão, que sai pra movimentar a massa. E a galera deixa a gente isolado de uma forma que canse, fisicamente e mentalmente pra que o cara não consiga viver, que ele não tenha um refresco, pra poder respirar e se inspirar. O cara da Zona Sul sempre está com os músicos que eles estudaram, nos melhores lugares. Um cara que vem da Zona Oeste que não estudou nada de papel, mas que tem um baita feeling, que consegue transmitir a parada e consegue se expressar tem que fazer o dobro.
Para ter acesso ao conteúdo do ImaginaRio, assine a newsletter nesse link