Pedro Rubim e Miguel Anjo | Novembro 2023

Referência dos estudos sobre consumo, cidade e comunicação, a tese “Centres Commerciaux: Iles Urbaines de La Post-Modernite” (título original em francês) tinha como objetivo estudar o nascimento e a disseminação da estrutura comercial dos shoppings centers. Para marcar esses 30 anos, Ricardo Ferreira Freitas, professor da FCS/UERJ e coordenador do LACON, contou, em entrevista, como foi analisar esse fenômeno naquela época, as transformações ao longo dessas décadas e quais são suas perspectivas com o crescimento do e-commerce.

LACON: Como surgiu seu interesse nesse objeto de pesquisa?

Prof. Ricardo: O interesse começou no mestrado. Na verdade, é curioso porque eu entrei para o mestrado em Comunicação e Cultura na ECO/UFRJ com a ideia de estudar o cinema argentino, porque na época eu namorava um argentino e passei a ver muitos filmes argentinos e isso me interessava muito. O que aconteceu é que, quando eu terminei as disciplinas do mestrado, o professor que iria me orientar se aposentou. Eu fiquei sem tema e sem orientador. Desesperado, eu fui passear no Shopping Rio Sul, que é próximo a ECO, na esperança de que as vitrines pudessem alimentar alguma alegria na minha alma. E ai, como eu acho grotesco o sistema arquitetônico dos shoppings, especialmente esses que são verticais, aquilo me chamou tanta atenção e pensei “como é esquisito não ver a cidade, a luz é sempre a mesma e parece sempre o mesmo horário e me perguntei será que isso seria um objeto de comunicação?”. Voltando para a ECO, eu encontrei a professora Nizia Villaça, com quem eu fazia disciplina no momento e tinha vindo do pós-doutorado na França. Perguntei a ela se estudar shopping center poderia ser um assunto legal e ela achou genial e inovador, pois era uma época da cidade do Rio de Janeiro em que tinha poucos shoppings nesse formato, e assim fiz o mestrado com a dissertação sobre os shoppings centers. A professora Nizia e o professor Muniz Sodré acreditavam que minha pesquisa tinha o perfil para convênio de doutorado na França com o professor Michel Maffesoli. Eu recebi o convite e aceitei e aí parti para o doutorado em Sociologia.

LACON: Como foi a experiência de fazer o doutorado na França, sob a orientação de Michel Maffesoli?

Prof. Ricardo: Fazer o doutorado na França, orientado pelo Maffesoli, tem dois lados: o lado poético e romântico, porque, afinal de contas, eu estava numa cidade adorável, que eu só conhecia como turista, e estudar na Sorbonne era uma coisa fantástica. No prédio antigo, a cada corredor tentava descobrir a história e em que século aquilo tinha sido construído. Todo dia eu achava que isso não estava acontecendo, porque eu estava em Paris, na Sorbonne, sendo orientado pelo Maffesoli. E tinha o outro lado da vida real: um país com frio severo, em que as pessoas deprimem muito no inverno e também o orientador francês que é diferente do orientador brasileiro, que acolhe, pega no colo e faz carinho. Maffesoli foi uma pessoa maravilhosa comigo, porém a orientação tinha hora marcada para começar e terminar sempre e algumas coisas eram inegociáveis, como, por exemplo, ele leria a versão final da tese com 400 páginas, mas uma vez eu cheguei com 250 páginas e ele não pegou para ler. E, na época, a tese era em papel. Porém, sem dúvidas, foi um divisor de águas na minha vida, pois voltei como outro profissional de comunicação, com outra perspectiva teórica, com outra pegada intelectual, com outro sentimento de família, por ter estado sozinho nos três anos. Então, voltei uma outra pessoa.

LACON: Como pesquisador, qual sua avaliação dos shoppings ao longo do tempo? E como o crescimento do e-commerce impacta esses espaços de consumo?

Prof. Ricardo: Os shoppings que eu estudei no mestrado e doutorado estão muitos distantes, não só no imaginário interno dos shoppings, mas como também na ideia que se tem dos shoppings nas cidades. Na época, não era tão corriqueiro, eram poucos shoppings nas cidades, geralmente nas metrópoles. Em 30 anos, os shoppings passaram a ser um elemento das cidades em que as de pequeno e médio porte só se tornam importantes quando há um shopping nelas. Então, isso é muito perigoso, porque, na verdade, o projeto inicial lá de 30 anos atrás que eu percebi com a minha tese foi de que o shopping era um simulacro da cidade que tentava levar para um espaço entre muros e grades a ideia de cidade ideal que passou a ser incorporada no branding urbano. E, no rastro dos shoppings, vêm os condomínios fechados, e ambos os projetos são de negação da cidade, da cidade pública que pode ser vivida por qualquer um. Então, são construídos espaços que continuam a favorecer os mesmos grupos privilegiados e de uma elite que se fecha cada vez mais, e essa foi a grande crítica que eu fiz no doutorado e isso, lamentavelmente, continua e se multiplicou de forma exponencial. Em relação às dinâmicas de compra online, é necessário avaliar o quadro brasileiro dos shoppings em que, como falei anteriormente, traz a ideia de segurança de uma cidade, que é perigosa, e, portanto, as pessoas precisam se fechar nos lugares, e isso garante a existência desses empreendimentos, criando o diferencial dos shoppings. As compras online afetam diretamente o plano de comércio dos shoppings, mas eles se adaptam bem, trazendo outros elementos para dentro das suas lojas, porque eles reproduzem o que eu falei, que é o simulacro da cidade ideal.

Você pode assistir a entrevista com o profº Ricardo aqui.

A tese completa está disponível aqui

Tese “Centros Comerciais: Ilhas Urbanas da Pós-Modernidade” completa 30 anos