Paula Freitas | Novembro 2022

 

Em “O estúdio e seus bastidores”, Pierre Bourdieu analisa criticamente a mídia televisiva e tem como foco as suas rotinas de produção. De acordo com o teórico francês, a televisão ideal teria como objetivo a exibição de conteúdos educativos de qualidade e a participação de especialistas qualificados e reconhecidos para o debate das pautas em voga. No entanto, para Bourdieu, a televisão real estaria longe das suas aspirações.

O trabalho do teórico dialoga com o filme “Rede de intrigas”, lançado em 1976, mas extremamente atual. Segundo o sociólogo, a televisão seria responsável pela reprodução de preconceitos e de falas antidemocráticas, utilizando-se do sensacionalismo e de sentimentos intensificados – como o amor e a raiva – para manipular e despolitizar o telespectador. Essas reações exacerbadas são vividas pelo jornalista Howard Beale ao longo da película e são exploradas comercialmente pelos produtores e acionistas do programa.

Além disso, a produção televisiva giraria ao redor do chamado índice de audiência, que representa a “medida da taxa de audiência de que se beneficiam as diferentes emissoras” (BOURDIEU, 1997, p.37). Consequentemente, criar-se-ia uma dimensão do que é ou não favorável economicamente para os donos dos grandes veículos de comunicação. Para Bourdieu, se alguma produção conta com um grande número de telespectadores, é mantida no ar mesmo que descumpra com a ética do jornalismo. Assim, é possível observar uma lógica comercial que comanda a imprensa. 

O índice de audiência é um dos pilares do longa-metragem, já que Beale é demitido por seu programa apresentar um público reduzido e, após um desequilíbrio psíquico enquanto estava no ar que garante uma maior audiência, é recontratado para um novo programa de destaque que explora os seus surtos, expressados na frase “eu estou muito louco mesmo, é sério e não vou mais aturar isso”. A exclamação foi repetida por grande parte da população que assistia ao programa, sem qualquer tipo de reflexão, comprovando a tese de Bourdieu sobre o consumo passivo das informações.

Bourdieu indica também a existência de um jogo de espelhos (BOURDIEU, 1997, p.33) no jornalismo televisivo, que promove a homogeneização da programação. Dessa maneira, empresas concorrentes veiculariam as mesmas informações, utilizando-se apenas de linguagens diferentes, indicando a circulação circular da informação (BOURDIEU, 1997, p.31). O autor caracteriza tal proposição pela lógica do “deixamos escapar isso e, portanto, devemos noticiar esse assunto porque outro veículo o fez”. Assim, jornalistas seriam vítimas da censura e apenas comentariam o que é desejado pela empresa, seguindo os índices de audiência. 

Por vezes, a repressão é concretizada pela própria autocensura do comentarista. Um exemplo concreto é a diferença do trabalho da jornalista Flávia Oliveira na Globonews e no podcast Angu de Grilo, que comanda com sua filha e também jornalista Isabela Reis. Flávia conta com uma maior liberdade no segundo ofício por não precisar seguir a linha editorial de um veículo, apesar de apresentar críticas contundentes no primeiro. Foge, assim, do formato quadrado da imprensa tradicional que prefere os “fast thinkers”, ou seja, a utilização de profissionais narcisistas que se atenham ao senso comum, exprimindo ideias feitas, de fácil reprodução e que agradem o público (BOURDIEU, 1997, p.40). Por fim, “Rede de intrigas” une Howard Beale a Pierre Bourdieu na crítica à produção televisiva: “Nós te dizemos qualquer merda que você queira ouvir. Nós vendemos ilusões, mas não é a verdade.” 

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Paula Freitas é estudante de Jornalismo na UERJ. Entusiasta do jornalismo político e internacional. Acredita na política como forma de assegurar um futuro melhor.

Contato: paulabarroslfreitas@gmail.com

Pierre Bourdieu e a “Rede de Intrigas” da produção televisiva