Rafael Nacif de Toledo Piza | Outubro 2022

 

Para a política, foi sempre fator determinante a comunicação, mesmo antes de qualquer teorização sobre o tema. Quando discutiam os assuntos na Ágora, os gregos faziam política comunicando-se. A noção de política está intimamente ligada, a meu ver, à noção de consenso. Mesmo num regime ditatorial ou tirânico, onde não existe a liberdade de expressão, mesmo sendo segmentado, o consenso existe, pelo menos, entre os dirigentes e as forças armadas, ou qualquer que seja o suporte desse regime. E, por sua vez, a ideia de consenso está conectada a uma realidade da diferença, ou seja, o consenso existe a partir do momento em que se faz necessária uma concatenação de valores distintos em prol de um objetivo único.

 

Em Maquiavel, podemos constatar uma preocupação com os binômios política/comunicação e poder/informação. Antes de mais nada, é importante esclarecer os campos semânticos de cada binômio: a política e a comunicação são os meios; o poder e a informação são os objetos, respectivamente. Ambos mantêm uma relação simbiótica tanto entre si, quanto uns com os outros. Maquiavel deixa claro ao longo de “O Príncipe” a importância das inter-relações esquematizadas acima. Ao justificar no prefácio do livro, dedicado a Lourenço de Médicis, por que o havia escrito, faz uma metáfora sobre o seu conhecimento de estratégias políticas, e expressa como este seria de grande ajuda ao governante. A própria motivação dos escritos já constituem convincente prova da observação dessas inter-relações por Maquiavel. A vontade de influenciar o dirigente, e de, através da exposição de sua sabedoria, persuadi-lo a lhe dar um cargo no governo, novamente, é um exemplo da concreta atuação dos pares conjugados já citados. Como também toda a orientação dada por ele durante o documento, pretende estabelecer regras consensuais para a conquista e manutenção do poder.

 

Todo o desenvolvimento tecnológico conquistado em nossa época parece ter se voltado somente para os mesmos objetivos descritos por Maquiavel, só que em proporções bem maiores, planetárias. Um exemplo claro dessa situação foi a Guerra Fria que repartiu o mundo em duas facções: o bloco capitalista, e o bloco socialista, tentando, um contra o outro, a qualquer preço, cooptar áreas de influência que lhes conferissem maior poder. A melhor bomba atômica, o melhor foguete ou satélite espacial, toda essa sofisticação depende do desenvolvimento científico, promovido essencialmente pela busca e detenção de informação. Por outro lado, o crescimento dos meios de comunicação de massa denunciam o prevalecimento do simulacro, da imagem sobre a realidade. A ascensão e queda de Fernando Collor são os mais gritantes agentes aduladores desse estado de indissociação política/comunicação – poder/informação. Através da manipulação da opinião pública, como mostra o documentário “Além do cidadão Kane “, o grupo Globo de comunicação conseguiu “ajudar” a eleger o presidente, num primeiro movimento com uma edição capciosa de um debate entre ele e Lula, o outro candidato; e, num segundo movimento, “depô-lo”, estimulando a mobilização juvenil por meio da exibição de uma minissérie chamada “Anos Rebeldes “, que narrava a história da luta estudantil frente a ditadura dos anos sessenta.

 

Essas noções de manipulação da opinião pública e construção de imagem estão, espantosamente, presentes na obra de Maquiavel, ao dizer, por exemplo, que o Príncipe prudente deve evitar ao máximo ser odiado ou desprezado. Segundo Marcílio Marques Moreira: “Maquiavel, portanto, foge de uma taxonomia maniqueísta e empresta prioridade ao conhecimento da verdade efetiva dos fenômenos políticos, sejam bons ou sejam maus. Para ele, é o conhecimento do mundo que distingue os homens excelentes e lhes confere a capacidade de apoderar-se da oportunidade, permanecendo imunes às surpresas do acaso. Isto corresponde ao alto apreço em que tem […] a informação e a sabedoria.”.

 

Desta forma, podemos concluir que a relação entre os preceitos maquiavelianos e a dinâmica das sociedades contemporâneas, no que diz respeito a interação política/comunicação – poder/informação, é deveras análoga, ratificando, inclusive, o status conferido por diversos intelectuais a obra de Maquiavel como sendo a precursora de uma teoria política do Estado Moderno.

 

  

Bibliografia:

BERLIN, Isaiah. “ O problema de Maquiavel ”. Brasília, Universidade de Brasília, s. d. .

MAQUIAVEL, Nicolau. “ O Príncipe ”. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.

“CURSO DE INTRODUÇÃO Á CIÊNCIA POLÍTICA – Maquiavel”. Brasília, Universidade de Brasília, 1979.

MOREIRA, Marcílio Marques. “ O pensamento político de Maquiavel ”. Brasília, Universidade de Brasília, s. d. .

Maquiavel e a compreensão da política, comunicação, informação e poder