Raquel Paiva | Outubro 2022

No ano de 2022 celebramos o centenário de um dos mineiros mais cariocas que o país já teve: Darcy Ribeiro.

Antropólogo, escritor, político e, acima de tudo, idealizador de inúmeras ideias, realizações e importantes lutas a que o Brasil viria a desenvolver em sua época e nos anos seguintes à sua existência. As atividades celebrativas possuem para além de um caráter memorialístico, a função de coesão social tão necessária à atualidade e cara ao Brasil dos tempos atuais.

Darcy Ribeiro foi certamente um homem à frente do seu tempo, e a incompreensão por muitas de suas lutas o levou a proferir o pensamento que é tão conhecido ainda hoje e que circula por toda parte:

“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

Mas o país pelo qual o antropólogo nascido em Montes Claros, Minas Gerais, ainda está em fase de construção por vias às vezes tortas, como no titulo de um de seus livros Aos trancos e barrancos. E como esta construção segue em processo, cabe a nós brasileiros trabalharmos com sua produção e tentar reinterpretá-la no sentido de averiguar se ainda encontraremos em suas pegadas possibilidades de reflexão, e, quem sabe, propostas concretas sobre  o “O Povo Brasileiro” e as “Gentidades”, títulos de dois de seus livros.

Darcy foi o mais comunicacional dos antropólogos brasileiros, no sentido de que, mais do que dirigir seus trabalhos à Academia, ele buscava uma ponte entre o pensamento da cultura e a ação social. Assim, a sua “ideia de Brasil” era mais culturalista do que socioeconômica, além de portadora de diretrizes otimistas para o desenvolvimento de um povo nacional. César Benjamin (1988, p. 457) intelectual e ativista como ele, sintetizava assim a visão de Darcy:

“Éramos um país miscigenado, sentimental e alegre, moderno, culturalmente antropofágico, aberto ao outro e ao novo, desejoso de desenvolver-se, cheio de oportunidades diante de si. O passado nos condenava, mas o futuro nos redimiria. A figura mítica de Macunaíma e a figura real de Garrincha – figuras fora dos padrões, que faziam tudo errado, para no fim dar tudo certo –nos divertiam e nos encorajavam”.

Ou seja, mais do que buscar qualquer rigor antropológico, o que Darcy tem em vista é uma “ponte” comunicacional operada por figuras míticas (Macunaíma) e reais (Garrincha) da cultura brasileira. Ele pode ser cotejado com Roberto DaMatta, por mais que os dois tenham se estranhado algumas vezes. O fato, porém, é que a tônica comunicacional de Darcy dá à antropologia um viés que, estudos indígenas à parte, distanciam essa disciplina do enquadramento institucional.

Vale lembrar que, metodologicamente, a comunicação é uma “mise en perspective” (uma iluminação que se pode lançar sobre qualquer objeto), aplicável a outros setores das ciências sociais. Cabe agora “localizar” o comunicacional na obra de Darcy, e é o que o seminário “Darcy, o Brasil deu no que deu!” se propõe ao convocar a comunidade acadêmica a refletir sobre sua obra e suas ações.

 

O evento “Darcy, o Brasil deu no que deu!”

A organização do seminário “Darcy, o Brasil deu no que deu!” ocorre no momento da celebração dos 100 anos do antropólogo e sociólogo. A motivação maior faz-se em torno da defesa das pautas sempre trazidas pelo ministro de governo, senador, fundador da UNB, da UENF e idealizador dos CIEPS. Neste momento em que o país vê se acentuarem as desigualdades sociais, cabe o questionamento do que ainda restou do “Povo Brasileiro”, da Amazônia, da defesa dos índios e negros, da educação, da América Latina, questões que marcaram a obra de Darcy Ribeiro. O evento pretende prestar mais uma homenagem à sua obra, reinterpretando algumas de suas análises e propostas para o Brasil e a cidade do Rio de Janeiro.

O seminário acontecerá no dia 26 de outubro, a partir das 14h, e será transmitido no canal do Lacon no YouTube.

 

 

Programação:

Link da transmissão (YouTube):

https://youtu.be/M0YrLipiLF4 

 

Mesa 1 – Darcy Ribeiro e Amazônia: Qual o papel da comunicação hoje?

Horário: 14h – 15h50

A mesa pretende discutir o papel do jornalismo, mas também da comunicação, de uma maneira abrangente, considerando que o sistema financeiro é predatório ao lidar com a preservação da natureza e dos seres humanos. O pensamento de Darcy Ribeiro pode nos ajudar a enfrentar o modelo extrativista, que é imposto não apenas à Amazônia, mas à toda a América Latina.

Palestrantes:

Ailton Krenak – Escritor e filósofo descendente dos povos originários. Autor dos livros Ideias para adiar o fim do mundo (2019) e A vida não é útil (2020).

Eliane Brum – Jornalista e escritora. Autora das obras A Vida que Ninguém Vê (2006) e Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (2021). Vive em Altamira (PA) há cinco anos, onde fundou a plataforma jornalística Samaúma.

Muniz Sodré – Livre docente pela UFRJ. Tem o Brasil e sua gente como foco principal. É defensor do respeito total aos povos originários e atualmente responsável por uma coluna dominical no jornal Folha de São Paulo.

Mediação: Raquel Paiva (Professora do PPGCom da UERJ).

 

Mesa 2 – Darcy Ribeiro: o intelectual brasileiro.

Horário: 16h – 18h

A mesa irá debater a obra e a influência de Darcy Ribeiro no Brasil e na América Latina, com enfoque em aspectos da sua vasta obra teórica, sua intensa atuação política e seu papel como intelectual crítico às estruturas de dominação ideológica e cultural nos países em desenvolvimento.

Palestrantes:

Dênis de Moraes – Professor e jornalista, com extensa obra dedicada a entender o papel de intelectuais em um país desigual e perverso como o Brasil.

Alexandre Barbalho – Professor adjunto do curso de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e dos programas de Pós-graduação em Sociologia (UECE), Pós-graduação em Políticas Públicas (UECE) e Pós-graduação em Comunicação (UFC).

Hugo Suppo – Professor de Relações Internacionais da UERJ, que tem atualizado o pensamento de Darcy Ribeiro, principalmente na América Latina, desenhando perfis sobre a atuação de Darcy e sobre a importância do seu pensamento para os dias atuais.

Mediação: Ricardo Freitas (Vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e professor do PPGCom da UERJ).

O público poderá interagir com os coordenadores e palestrantes das mesas durante o evento enviando perguntas.

O evento é realizado pelo Laboratório de Comunicação, Cidade e Consumo (Lacon) do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ.

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Referências bibliográficas:

BENJAMIN, César. Uma certa ideia de Brasil. In: Enciclopédia de Brasilidade. Casa da Palavra, BNDES, 1988, p. 457.

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Raquel Paiva é professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ e a idealizadora do evento “Darcy, o Brasil deu no que deu!”. Contato: raquelpaiv@gmail.com

Darcy Ribeiro e a Comunicação