Beatriz Luz | Setembro 2022

 

O TikTok é uma febre em todo o mundo, tendo ganhado maior visibilidade durante o período de isolamento da pandemia. Como toda rede social nos dias de hoje, apresenta seus recursos algorítmicos que filtram e direcionam a circulação de conteúdos mediante o comportamento virtual de seus usuários. Porém, o caso das “trends” se destaca. Isso ocorre devido ao conceito do fenômeno, que consiste em uma repetição de cenas, danças, piadas dubladas e padrões de narrativa em vídeo.

Talvez soe um pouco confusa a ideia de que repetir mais do mesmo pode ser algo tão popular. Pessoalmente, acredito que um dos fatores que impulsionam essa massificação das trends é o desejo individual de pessoas comuns alcançarem seus “5 minutos de fama” e também viralizarem nas redes. Ou até mesmo se tornar um criador de conteúdo digital, quem sabe. Afinal, essa é uma função bastante almejada atualmente. Deslumbrados pela vida perfeita divulgada na internet, cheia de mimos advindos de parcerias e dinheiro na conta sem sair de casa, muitos jovens almejam esse padrão de vida.

No entanto, essa padronização e massificação de produtos culturais foi muito bem abordada pela famigerada Escola de Frankfurt e suas percepções acerca da indústria cultural. Claramente, a tendência da sociedade capitalista é produzir esse tipo de comportamento também no mundo da cultura. Porém, hoje sentimos como se esse fato tivesse extrapolado as expectativas, e não de uma forma positiva.

Além disso, a falsa esperança de ascender social e financeiramente por meio de uma ferramenta que cabe na palma da mão também é um efeito advindo da desigualdade citada por Galeano. O que antes era projetado sobre artistas de televisão e músicos de sucesso, hoje é invejado em famosos que nem sequer sabemos por que são famosos. Às vezes simplesmente são socialites, pessoas abastadas de famílias da elite. Como ícones precursores dessa onda contemporânea, pode-se salientar a família Kardashian-Jenner.

Inclusive, tal família se popularizou e construiu seu império através do Instagram. As integrantes do grupo familiar geraram um grande impacto no que se considera padrão de beleza nos últimos anos. Porém, o TikTok surge como uma rede que rivaliza com o Instagram, e tem um potencial tão forte que, de fato, os conteúdos da segunda passam a seguir os modelos da primeira.

Sobre isso, a expoente Kylie Jenner se pronunciou em seu perfil pessoal no Instagram: “Faça o Instagram ser o Instagram de novo. Pare de tentar ser o TikTok, eu só quero ver fotos fofas dos meus amigos”. De fato, esse tem sido um pensamento compartilhado. Mas o que será que impulsionou tal posicionamento de pessoas influentes que ganham dinheiro vendendo suas marcas pelo próprio site, sendo elas grandes influenciadoras da transformação do Instagram em uma vitrine?

Post de Kylie Jenner em seu Instagram: "Make Instagram Instagram Again".
Post de Kylie Jenner em seu Instagram.

Mas agora o grupo Facebook não é mais o único que faz da venda da atenção, de dados e de imagem, seu negócio. Chega, então, o impacto do TikTok ao mundo do trabalho. Fato reconhecido até mesmo por um veículo de comunicação tradicional como a Folha. Mais que isso, a mídia contribui para esse padrão normatizador do empreendedorismo individual predatório do estágio do neoliberalismo na atualidade, conforme também aponta Galeano.

Por outro lado, há de se reconhecer como informações construtivas podem circular com mais facilidade. O problema é isso depender de um algoritmo que pouco “se esforça” para tirar seu consumidor de uma bolha informacional. Já que é sabido como isso pode afastá-lo do aplicativo e assim gerar uma queda prejudicial.

Uma fala na notícia “TikTok vai além da dancinha e vira vitrine profissional; veja dicas” se destaca quando afirma que o algoritmo prioriza qualidade. De que qualidade falamos? Qual o padrão normatizador? As experiências que deram certo e auxiliaram alguns profissionais? O risco é condicionar o trabalho também a esse formato para que se seja bem-sucedido. Ou pior, que se crie essa ideia de que utilizando tal ferramenta será bem-sucedido.

Dessa forma também o mundo da indústria cultural vai se entrelaçando com o contexto social, político e econômico, dos quais, na verdade, nunca se separou. E assim, o acúmulo de capital cresce, em detrimento do combate à desigualdade. Isso tudo em meio a uma falsa democratização das tecnologias, da cultura e da comunicação. Seguindo esse raciocínio, de fato encontramos um cenário em que discursos são replicados sem uma verdadeira troca e compreensão mútua, mas que a ilusão da meritocracia reina também no âmbito da cultura de massa, essa que é tão hegemônica em nossa sociedade. Eduardo Galeano estava certo quando nos situa num panorama em que reina a dita “incomunicação”.

 

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Beatriz Luz é estudante de Relações Públicas da UERJ. Gosta de estudar sobre consumo, análise do discurso e cultura. Além disso, Luz tem interesse pelo mundo da literatura e da escrita. Contatobeatrzluz@outlook.com

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Referências bibliográficas:

 

AZEVEDO, Marcelo. TikTok vai além da dancinha e vira vitrine profissional; veja dicas. Folha de S. Paulo, 31 jul. 2022, online. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/tiktok-vai-alem-da-dancinha-e-vira-vitrine-profissional.shtml>.

GALEANO, Eduardo. A caminho de uma sociedade da incomunicação? In: MORAES, Dênis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p.149-154.

TikTok e o padrão normatizador na era da incomunicação