Rafael Nacif de Toledo Piza | Setembro 2022

 

Orientador: Leonardo Caravana Guelman**

 

Relatório-síntese de pesquisa de iniciação científica financiada pelo CNPq durante Curso de Graduação em Produção Cultural da UFF.

 

I-Introdução

 

1.1 – Cultura como improviso

Indicar diretrizes de administração pública para a formatação de uma política cultural efetiva, livre das influências do dirigismo, por um lado, e da lógica do mercado, por outro, não é tarefa das mais simples. Propomo-nos, neste trabalho, a averiguar algumas possibilidades de estruturação lógica de um programa político para a pasta da cultura em nível municipal, tendo em vista o caso de Niterói. 

Arrefecidos pela crise econômica que se abateu sobre o canteiro de obras global, os ânimos de produtores e consumidores de cultura, assim denominados segundo o vocabulário mercadológico, encontram dificuldades na recuperação de seu deslumbramento com as facilidades que o marketing cultural vinha proporcionando na satisfação de seus anseios. As redações dos jornais ficam logo entupidas de artigos e ensaios denunciando a omissão do estado na regulação adequada das atividades em torno da cultura. O governo revida apurando estatísticas que comprovam o sucesso de suas medidas. O principal argumento das críticas feitas à gestão cultural baseada em incentivos fiscais é de que iniciativas neste setor estão subjugadas ao plano publicitário das empresas. As ações do governo que estimulam a produção das peças marginais a este sistema têm sido insuficientes. O mercado, prejudicial, por um lado, pode ser considerado, por outro lado, o motor de todo esse debate.    

Os artistas passando o pires, os produtores enlouquecidos com o estouro no orçamento do espetáculo, o governo especulando a que partido será destinada a pasta da cultura. Segundo a tradição brasileira, cultura sempre foi objeto de barganha eleitoral, de cooptação de aliados, de cabide de empregos. E a inadequação e despreparo de determinados dirigentes resultam, algumas vezes, numa política de catequização do populacho através da mobilização de recursos em torno de projetos de amigos, expressão de sua arrogância e descompromisso com a formatação de uma estratégia que atenda aos anseios da comunidade, enquanto lhe oferece estímulo à subjetivação. Tem-se a noção de que o setor da administração pública dedicado à cultura lida com conteúdos de caráter supostamente intuitivo, portanto, seria desnecessária a alocação de pessoal qualificado para lidar com matéria de domínio público. Esta postura pode ser explicada pelo desconhecimento da movimentação econômica do setor cultural, pela falta de um banco de dados do setor que pudesse orientar as ações públicas e privadas, aspecto que vem sendo alterado pela crescente percepção de que este pode ser um nicho de mercado lucrativo, capaz de movimentar cifras muitas vezes mais elevadas que a de muitos setores tradicionais da produção econômica. É claro que este problema vem sendo combatido, mesmo que por algumas iniciativas isoladas como as da prefeitura de Belo Horizonte, e do próprio governo federal através da Fundação João Pinheiro. Outras posturas que revelam o desprezo por essa área de atuação são aquelas que determinam a criação de unidades de governo que mesclam nominalmente cultura, esporte e lazer, revelando a distorcida atuação do poder público no sentido de ratificar noções do senso comum, que consideram todas essas atividades como acessórias. Portanto, não é de se espantar que essa área de gestão pública seja exatamente vítima do corte de recursos assim que se vislumbra o recrudescimento de uma interminável recessão.

Esta visão geral nos dá uma idéia dos agentes envolvidos na constituição de um plano de política cultural. Para avançarmos nesta discussão, precisamos nos prevenir contra as noções intuitivas através da conceituação desta categoria fundamental.

 

1.2 – Política Cultural

 

Pretendemos fazer uma revisão crítica dos conceitos de política cultural, com o objetivo de determinar a definição mais adequada à análise que empreenderemos.

 

Teixeira Coelho conceitua:

 

[…] “política cultural é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas.” […] “conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável.”

 

Segundo o autor, as medidas podem assumir duas formas: normas jurídicas, no campo da burocracia, ou ações culturais, no campo das realizações.

 

Feijó considera:

 

“Portanto, uma política para a cultura (que tenha esta como princípio, meio e fim) envolve uma luta que una os intelectuais em torno de um “programa” de valorização de nossas conquistas culturais, dando conta, ainda que parcialmente, de nossa identidade cultural, e que crie condições para o avanço cultural.”

 

Há uma distinção entre os pontos-de-vista destas duas conceituações, e podemos dizer que se refere a uma noção equivocada de cultura como algo passível de progressão. Quando Feijó conclui “e que crie condições para o avanço cultural”, podemos averiguar que supõe cultura como objeto escalonável, como na definição de Tylor citada anteriormente. Acaba resvalando na estratificação de domínios culturais feita por Dwight McDonald compreendendo cultura erudita, popular e massificada, e endossa a percepção de Guattari, segundo a qual os governos democráticos conservam a antiga noção de cultura-valor, “que se inscreve nas tradições aristocráticas de almas bem nascidas, de gente que sabe lidar com as palavras, as atitudes e as etiquetas.” Para ele, “não existe […] cultura popular e cultura erudita. Há uma cultura capitalística que permeia todos os campos de expressão semiótica.”

Com os elementos que reunimos até este momento, podemos supor que política cultural deve ser o conjunto de medidas adotadas por uma unidade social com a finalidade de estimular a coletividade no cultivo de seu estoque simbólico (estoque dinâmico). Em nossa pesquisa, a unidade social responsável pela implementação de tais medidas é, particularmente, a administração pública municipal.

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IV – O Caso de Niterói

 

4.1 – Introdução

 

Diz-se que a auto-estima da população niteroiense, nos dez anos de gestão de um mesmo partido na administração municipal, desde 1989, com a eleição de Jorge Roberto Silveira, e o subseqüente mandato de João Sampaio (1993 a 1996), seguido novamente por Jorge Roberto (1997 a 2000), elevou-se a níveis mais próximos da dignidade de um município que já foi capital da Província do Rio de Janeiro, em 1835, e capital do Estado, até 1975, motivo pelo qual se espalham pela urbi construções suntuosas, palácios que abrigaram instâncias de poder político com expressão nacional como o Museu do Ingá e o Palácio Araribóia por exemplo. E que justificam até mesmo a existência de uma universidade federal instalada na região. Esta percepção é corroborada pela visibilidade que o município adquiriu a partir de uma pesquisa que revelou sua excelência em termos de qualidade de vida. Agregando-se a estes fatos, a construção do Museu de Arte Contemporânea com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e a restauração do Teatro Municipal João Caetano, bem como a projeção nacional de alguns artistas nascidos por estas paragens e a inclusão da cidade como cenário de novela, despertaram na população um vigor na afirmação de sua naturalidade, por algum tempo objeto de constrangimento em se tratando de uma região oprimida por uma metrópole global como o Rio de Janeiro. A análise a que nos propomos neste trabalho de pesquisa esteve sempre fundamentada no intuito de colaborar com este processo, sem no entanto deixar de ter sobre ele uma visão crítica.

Um dos antecedentes da criação deste ambiente de prosperidade, certamente, foi a campanha desenvolvida pelo Secretário de Cultura Aníbal Bragança, logo no início do primeiro mandato de Jorge Roberto Silveira. Esta campanha espalhou adesivos e outdoors pela cidade que exclamavam o orgulho de seus habitantes, uma ação de relações públicas que contou com a criação de um logotipo para a gestão que acabara de assumir. Criou uma identificação muito forte entre os moradores e a administração pública municipal, até porque esta contava, e ainda conta, com grande prestígio e base política. Mais tarde, a identidade gráfica da prefeitura foi substituída pela imagem do MAC, que inspira modernidade e sofisticação.

Os indicadores que surpreenderam a população e reforçaram este processo revelam que a cidade ocupava quarto lugar no ranking de índice municipal (obtido com base no conceito de desenvolvimento humano, a partir de informações do IBGE que se referem a renda, alfabetização, habitação e meio ambiente), logo acima de Campinas, enquanto São Paulo estava em 11º, Rio de Janeiro em 18º e Belo Horizonte em 25º. Alguns dados revelaram o perfil sócio-econômico da população: segundo pesquisa do Instituto Pólis, Niterói constou como a oitava melhor cidade do país quanto a índice de alfabetização: 94,59% de sua população é alfabetizada. O Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (CIDE) classificou municípios fluminenses quanto a perspectivas de crescimento e desenvolvimento e Niterói figurou como segunda colocada, depois da capital do Estado. Este Índice de Qualidade Municipal baseou-se em informações como qualificação de mão-de-obra e riqueza, sendo Niterói líder nestes itens, e infra-estrutura sócio-cultural, contando com a não menos meritória vice-liderança local. Entre os chefes de domicílio da cidade, 26,37% têm 15 anos ou mais tempo de estudo e 24,98% têm de 11 a 14 anos de estudo.

Niterói também tem o seu quinhão de cosmopolitismo, embora em escala drasticamente reduzida comparando-se ao Rio, já que abriga seis universidades, uma federal e as outras cinco privadas, o que atrai um contigente de estudantes e profissionais, senão de várias partes do país, principalmente de áreas periféricas à capital e do interior do Estado que se afeiçoam mais ao clima da cidade, com boa infra-estrutura urbana, mas população reduzida. Por outro ponto-de-vista, cabe destacar a realização de eventos como os encontros com Cuba, Portugal e Japão entre outras ações culturais da prefeitura, importantes iniciativas para a criação de uma órbita própria para Niterói, anteriormente, sempre à sombra dos cariocas. Rivalizar com o tambor de ressonância da cultura nacional não é nada fácil. É claro que não há termos de comparação pura e simples entre Niterói e as cidades examinadas no item anterior. As diferenças entre um município com mais de 450 mil habitantes e o Rio, cuja população chega a mais de 5,4 milhões de pessoas, ou São Paulo que soma quase 10 milhões de habitantes (dados do Censo de 1991) são enormes, fora questões como atividade econômica etc. Entendemos os casos descritos anteriormente como fontes de inspiração.

4.2 – A Cultura na Administração Municipal

 

A Secretaria Municipal de Cultura

A Secretaria Municipal de Cultura de Niterói, de 1989 a 1999, desenvolveu sobretudo ações de preservação do patrimônio da cidade. No primeiro mandato, Jorge Roberto Silveira nomeou Aníbal Bragança como Secretário de Cultura e presidente interino da FUNIARTE (atual FAN), até que Luiz Antônio Mello fosse nomeado para este cargo.

Entre os projetos previstos pelo secretário estavam a realização de um Seminário de Políticas Culturais, através do qual se pretendia discutir com os segmentos da área e demais interessados, um projeto cultural para a cidade, o que não aconteceu, embora tenha sido promovido um seminário sobre preservação e memória no Teatro da UFF. Havia também a intenção de que se criasse uma lei de incentivos fiscais à cultura, posto que a prefeitura passava por grandes dificuldades financeiras. Efetivamente, foi criado um dispositivo de incentivo em relação à preservação do patrimônio. Em entrevista concedida ao jornal O Fluminense, publicada na edição do dia 22/01/1989, Bragança afirmava: […] “nossa grande preocupação é conseguirmos sensibilizar, levar nossa mensagem para a sociedade, para que ela nos ajude, via leis de incentivos fiscais à cultura, a conseguir recursos para a FUNIARTE, na medida em que a prefeitura está numa situação em que não pode disponibilizar verbas para a cultura porque tem que pagar o funcionalismo que está com seus vencimentos atrasados e tem que tapar os buracos e limpar a cidade.” Desde então, já havia a necessidade de restauração do Teatro Municipal, que ficou fechado durante toda a gestão por ameaça de incêndio, e de colaboração da secretaria com a universidade e os produtores independentes da cidade. Na gestão de Bragança, desenvolveu-se a criação do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural (CMPPC), de certa maneira, precedido, no fim do governo Waldenyr Bragança, pelo Serviço de Preservação do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Ambiental que não chegou a ser implantado. O conselho, cujo projeto de lei foi encaminhado à Câmara pelo então vereador Marcos Gomes, foi lançado com uma campanha de amor à cidade, contando com logomarca e slogans como “Niterói, eu adoro”, “Niterói, é hora de preservar” e “Niterói, ficando mais jovem”. Esta iniciativa contribuiu significativamente para a recuperação da auto-estima da população. A criação de áreas de preservação ambiental urbana, espécie de corredor cultural, também foi um projeto iniciado nesta gestão. 

Com a saída do secretário por divergências internas, Ítalo Campofiorito, membro do CMPPC, assumiu o cargo que manteve até a entrada de Marcos Gomes no segundo mandato de Jorge Roberto Silveira. As principais ações da gestão de Ítalo refletem uma continuidade do que foi iniciado na gestão de Aníbal, avançando nas questões da preservação do patrimônio. Em 1991, iniciou-se a restauração do Teatro Municipal, e em 1992 foi realizado o Encontro com Cuba, marco inicial da produção de uma série de eventos que contam com a participação de toda a prefeitura e de alguns setores da comunidade. O Encontro com Cuba teve a finalidade de arrecadar fundos para a restauração da Calle Brasil, localizada em Havana velha, centro histórico inscrito na UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Em 1993, assumiu João Sampaio, dando continuidade aos projetos desenvolvidos anteriormente, o que pode ser comprovado pela manutenção do secretário e presidente da fundação nos seus cargos. A construção do Museu de Arte Contemporânea data desta época.

Marcos Gomes assumiu a Secretaria de Cultura no segundo mandato de Jorge Roberto Silveira em 1997, dando continuidade à política desenvolvida pelas gestões anteriores. Uma das ações que destacam o desempenho da atual gestão refere-se à reabilitação urbana de Portugal Pequeno, localizado no bairro Ponta D’areia. Não se tratou de uma intervenção num prédio específico, mas num ambiente urbano. O secretário destaca três diretrizes que orientam as ações da secretaria: o respeito à cultura brasileira, dando como exemplo o projeto Clássicos do Samba, produzido pela secretaria e realizado no Teatro Municipal; resgate de identidade cultural, demonstrado na produção do Encontro com Portugal, integrante de uma série de eventos que remontam ao formato do encontro com Cuba, que incluem ainda Itália, Espanha, África e América Latina; e o trabalho com a população menos favorecida, especialmente com as crianças que estudam em escolas da rede pública, com o projeto Escola no Caminho da Cultura por exemplo. Quanto à integração com outros setores do governo, há parcerias com a Secretaria de Educação e com a Secretaria de Saúde, além, é claro, da colaboração com o projeto da Secretaria de Ciência e Tecnologia sobre o Japão. 

A Fundação de Arte de Niterói — FAN

 

A Fundação de Arte de Niterói — FAN, antiga FUNIARTE, já esteve sob o comando de Aníbal Bragança, que acumulou esta função a de Secretário de Cultura, até que Luiz Antonio Mello assumisse o cargo, ainda na primeira gestão do prefeito Jorge Roberto. Luiz Antonio permaneceu no cargo até agosto de 1997. As principais ações desenvolvidas durante sua gestão foram a criação do selo Niterói Discos, da editora Niterói Livros, e do jornal Verbo e Imagem. A Sala Raul Seixas também constituiu um projeto importante. Presidida, posteriormente, por Cláudio Valério Teixeira, o grande responsável pelas restaurações de prédios na cidade, a FAN deu continuidade aos projetos editoriais e criou a Niterói Artes. A FAN dispõe de diversas unidades gerenciadas a partir do prédio localizado na Rua Presidente Pedreira, 98, no bairro do Ingá. A sede dispõe de estrutura administrativa, organizada por departamentos, tais como o Departamento de Apoio Administrativo, Departamento de Pessoal, Departamento Administrativo de Serviços de Manutenção e Zeladoria e Departamento Jurídico. Entre as Coordenadorias lotadas na sede temos a de Documentação e Pesquisas, a de Divulgação, a de Atividades Artísticas, a da Niterói Discos, a da Niterói Livros, a de Projetos Especiais e a da Niterói@rtes.

São unidades da FAN o Teatro Municipal João Caetano (Rua XV de Novembro – Centro), o Museu de Arte Contemporânea (Mirante da Boa Viagem), o Centro Cultural Paschoal Carlos Magno (Campo de São Bento – Icaraí), a Sala de Leitura do Parque Monteiro Lobato (Barreto), a Sala de Leitura do Centro Social Urbano da Ilha da Conceição, a Sala José Cândido de Carvalho (na sede da Fundação), e a Companhia de Balé de Niterói.

Os projetos executados pela FAN não se restringem às atividades realizadas na sede ou nas unidades. Projetos especiais como a Música na Igrejinha, a Praia do Delírio, foram realizados em espaços públicos.

Além da produção de projetos artísticos, a FAN atua também na divulgação de eventos, sejam eles produzidos pela própria instituição ou não; no apoio logístico de eventos produzidos por diversos setores da comunidade, seja emprestando material de som, ou ajudando financeiramente na produção; bem como na pesquisa sobre a história de Niterói. 

 

4.3 – Quadro Genérico Qualitativo de Políticas Culturais

4.4 – Análise comparativa: propostas para sistematização de políticas culturais em Niterói

 

Entre 89 e 99, efetivamente, o governo municipal de Niterói tem feito importantes investimentos na área da cultura. Entretanto, não há uma intenção objetiva e documentada de uma política cultural, o que acaba permitindo um desvirtuamento e um desperdício de verbas em projetos pouco vistos, ou que, por outro lado, resultam apenas em visibilidade na mídia.

O passo inicial para se estabelecer uma política cultural deve ser convocar a comunidade a participar da elaboração das propostas. O conhecimento da realidade local aponta para a realização de uma pesquisa, um diagnóstico, como o elaborado em Belo Horizonte, que possa orientar as ações a serem desenvolvidas pelas instâncias responsáveis. Algumas ações desenvolvidas pela prefeitura exigiram muita pesquisa, as restaurações, os tombamentos, os eventos, entretanto, não existe ainda um estudo objetivo sobre a vida cultural da cidade, seus agentes, seus equipamentos, algo que determine que uso vem sendo feito da cultura e como essa população vem sendo afetada pelas iniciativas do governo. Não se trata de uma percepção individual, não há espaço para a fundamentação das ações em relatos casuais, elogios individuais, ou discursos eleitorais. Cabe à prefeitura executar este estudo, não para usá-lo como salvo-conduto, e sim para adequar as suas intenções iniciais ao que foi averiguado de maneira confiável.

O segundo ponto deve ser determinar, a partir destes estudos, as estruturas da administração municipal referentes à cultura. Uma estrutura organizacional bem montada inclui a definição objetiva das funções de cada unidade, tendo em vista o que já existe e o que pode ser melhorado, e, inclusive, o orçamento disponível. De nada adianta abrir uma série de frentes de ação se haverá carência recursos. O Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, por exemplo, funciona muito mais como uma galeria de arte contemporânea, rivalizando, conceitualmente, com a Sala José Cândido de Carvalho e com o MAC, mesmo que aqueles estejam mais voltados para artistas novos da cidade e este último tenha uma programação com artistas consagrados, pelo menos pela crítica especializada. Há que se determinar também as atribuições da Secretaria e da Fundação de Arte em função dos nichos de atuação na cidade. Deve-se equipar as unidades de acordo com seus determinados projetos de ação, e promover constante treinamento e conscientização das funções executadas pelos funcionários.

O Programa de Incremento às Manifestações Culturais deve ser executado em duas frentes básicas: o campo das representações sociais e campo das representações artísticas.  No campo das representações sociais, o fortalecimento das expressões culturais próprias; o fortalecimento de sociabilidades que compõem e caracterizam os bairros e a cidade; programa de ação cultural comunitária. No campo da arte, um plano de fomento à criação artística, no sentido de estimular a autoria através de bolsas. Os investimentos da FAN no setor editorial (Niterói Discos e Niterói Livros) incentivam a criatividade, bem como o uso dos espaços para divulgação dos artistas da cidade e a instituição de uma companhia de balé. Entretanto, este estímulo pode ser mais objetivo. Na área musical, o projeto Niterói Discos apresenta alguns problemas, já discutidos anteriormente, em função da inexistência de um esquema de distribuição dos lançamentos. Projetos com o Clássicos do Samba, iniciativa da Secretaria de Cultura, e a atenção especial dada à música na programação do Teatro Municipal são ações desenvolvidas nesta área, bem como o Prêmio Frederic Chopin, em nível nacional, mas que assumem um caráter fragmentário. Na área das artes cênicas, há a Companhia de Balé, uma iniciativa fundamental. Entretanto, outras expressões, tais como o teatro não são contempladas. Se há uma falta de mobilização no setor, que os órgãos tratem de estimular esta organização. Se a comunidade teatral não se apresenta aos dirigentes, que o governo busque este contato no intuito de demonstrar o seu entendimento de que esta é uma forma de expressão que merece tanta atenção quanto as outras. No plano de apoio às artes plásticas e visuais, há que se considerar a quantidade de meios que são abarcados por esta expressão, incluindo pintura, escultura, gravura, fotografia, desenho, entre outras. Nesta área, há duas linhas básicas: os espaços de exposição subordinados à FAN, e a catalogação e divulgação promovidas pelo projeto Niterói Artes. Neste caso, o suporte à criação oferecido por bolsas poderia estimular a criatividade e a continuidade da produção dos artistas. Uma área pouquíssimo apoiada é a do cinema, embora o município hospede um dos poucos e melhores cursos de graduação no setor. Um projeto de exibição dos filmes produzidos pela universidade, movimento já articulado pelos alunos, ou a abertura de uma linha de crédito para produção ou finalização das obras poderiam ser criados. Na literatura, o projeto Niterói Livros cumpre um importante papel, embora não ofereça um esquema de distribuição como acontece com a Niterói Discos.

O Programa de Preservação e Valorização do Patrimônio Cultural produziu bons resultados em Niterói. A cidade conta com um Conselho de Proteção ao Patrimônio Cultural, e criou-se uma legislação que estimula a preservação dos bairros da cidade integrantes das áreas de preservação do ambiente urbano (APAU’s). 

A democratização da cultura deve ser um princípio básico que permeie todas as iniciativas em duas linhas básicas: quanto ao acesso a equipamentos e bens culturais, refletindo a questão da localização dos espaços, o que, em Niterói, ainda representa um problema, pois as principais unidades, apesar de desenvolverem suas atividades sem a cobrança de ingressos ou a preços populares, estão situadas na Zona Sul. As salas de leitura não suprem todas as possibilidades que poderiam ser oferecidas por um centro cultural por exemplo. E se for considerada a possibilidade de que não haja demanda na região, e que o equipamento existente nos outros bairros da cidade já oferecem o suficiente, que se trabalhe no sentido de estimular a formação de público e a conseqüente criação de uma demanda, e então estar-se-á trabalhando com um segundo sentido de acesso aos bens culturais, representado pela capacidade de fruição e compreensão do público. A abertura de um fórum permanente de debate sobre a política cultural aplicada pode enriquecer os projetos bem como franquear à comunidade a responsabilidade pelo desenvolvimento das atividades. A divulgação das ações e políticas setoriais é uma outra forma de oferecer à comunidade a possibilidade de interação.

Um programa de financiamento das atividades culturais, antes de lançar o artista ao sabor do mercado, pode preservá-lo deste equívoco ao permitir que ele possa desenvolver suas atividades continuamente. Há também uma descentralização da criação de ações culturais, cuja possibilidade estende-se efetivamente à comunidade. Este tipo de incentivo já existe na cidade, mas contempla apenas a área patrimonial. A criação de um fundo municipal de cultura, paralelamente, pode oferecer maiores subsídios para a produção de obras não rentáveis comercialmente.

O Programa de Integração das Ações Municipais está voltado para o estabelecimento de parcerias entre as instituições culturais e as instituições educacionais e turísticas. O que já vem acontecendo no caso do projeto Niterói Artes, nas atividades das salas de leitura, com o projeto Escola no Caminho da Cultura, com o setor pedagógico do MAC, no caso da educação. No caso do turismo, há as restaurações e a revitalização dos pontos turísticos, como o Forte São Luís, e até mesmo a realização dos encontros com Cuba e Portugal que geraram uma circulação pela cidade.

 

Conclusão

 

Pelas questões levantadas ao longo deste trabalho, podemos concluir que, objetiva e intencionalmente, por parte do poder público não há em Niterói uma política cultural. Primeiramente, as próprias instâncias responsáveis pela área reconhecem a inexistência de uma política cultural por entenderem que essa expressão remete a uma visão totalitária da ação do Estado em relação à cultura.

Salvo este aspecto, cabe-nos colocar que uma política cultural se manifesta independente do desejo dos governantes, ou ainda, que as ações no campo da cultura, mesmo não pensadas a priori ou em suas inter-relações, acabam por expressar uma política, ou seja, uma forma de administrar.

Assim, podemos chegar a todos os matizes possíveis ao falar de políticas culturais. Desde a atitude totalitária e dirigista do Estado até uma postura relativista, onde a cultura fica entregue ao jogo do mercado cultural.

Mas, se por um lado, entendermos que o somatório das ações no campo da cultura na cidade de Niterói resulta numa política, cabe-nos destacar que esta não se dá na acepção que priorizamos neste estudo, definida por Teixeira Coelho como “uma ciência da organização das estruturas culturais”. Em nosso entendimento, é esta perspectiva que deve orientar as balizas da constituição de uma política cultural e que nos guiou na elaboração do quadro genérico qualitativo das políticas culturais.

A partir destas considerações, parece-nos necessário que a gestão da cultura em Niterói se proponha a um re-exame de suas ações, no sentido de incorporar outras práticas organizativas e administrativas. Há uma polarização de discursos: por um lado, o discurso do financiamento e da relevância industrial da cultura proferido por dirigentes, economistas e burocratas; por outro lado, a referência a cultura como âmbito subjetivo, de criação, espaço de forjar sentidos, levantado por artistas. A política cultural deve tentar conjugá-los, tendo em mente a natureza de seu compromisso social.

 

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Rafael Nacif de Toledo Piza é Relações Públicas graduado pela UERJ (2000), atua como RP do LACON da FCS/UERJ. Co-organizador de “Destinos da cidade: comunicação, arte e cultura”, Eduerj, 2005. Co-autor de “Sobre condomínios fechados: as fronteiras do lazer nos espaços contemporâneos.” In: VILLAÇA, N. E GÓES, F. (org).“Nas fronteiras do contemporâneo”. Doutor e mestre em Comunicação.

 

Leonardo Caravana Guelman é Arquiteto graduado pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Filosofia pela UERJ, Professor do Departamento de Artes do Centro de Estudos Gerais da UFF. Diretor do Departamento de Difusão Cultural da UFF/Centro de Artes UFF. Liderou a iniciativa de restaurar os painéis pintados pelo Profeta Gentileza, figura mítica da cidade de Niterói, nos muros da Rodoviária Novo Rio.

 

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BIBLIOGRAFIA 

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COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo, Iluminuras, 1997.

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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Economia da cultura: reflexões sobre as indústrias culturais no Brasil . Brasília, Instituto de Promoção Cultural / Secretaria de Apoio à Produção Cultural — Ministério da Cultura, 1988;

– pesquisa levantada no site do MINC (http://www.minc.gov.br), 1998.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1978.

GUATTARI, Félix e ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 3ª ed. Petrópolis, Vozes, 1993.

MAAR, Wolfgang Leo. O que é política. São Paulo, Brasiliense, 1992.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX : o espírito do tempo 2: necrose. 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1986.

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. 11ª ed./12ª reimpressão. São Paulo, Brasiliense, 1996.

SEVERO, Helena. A indústria da criatividade. O Globo. Rio de Janeiro, 1 fev. 1999, p. 7.

 

NOTAS

[1] Entendido como intervenção verticalizada de um determinado agente no sentido transmitir a cultura tendo como parâmetro de qualidade superior os valores da erudição.

[1] Há duas pesquisas publicadas: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. “ Economia da cultura: reflexões sobre as indústrias culturais no Brasil ”. Brasília, Instituto de Promoção Cultural / Secretaria de Apoio à Produção Cultural — Ministério da Cultura, 1988; a segunda pesquisa pode ser encontrada no site do ministério (http://www.minc.gov.br) e data de 1998.

[1] COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo, Iluminuras, 1997, p. 293.

[1] Op. cit. FEIJÓ, p. 60.

[1] COELHO, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 20.

[1] Op. cit. GUATTARI, p. 20.

[1] Op. cit. GUATTARI, p. 23.

[1] Após a independência, instituiu-se um governo autônomo na Província do Rio de Janeiro, dando à Vila Real da Praia Grande o status de capital da Província com a cidade do Rio de Janeiro, formando o Município Neutro, sede do Governo Geral.

Para uma Avaliação das Políticas Culturais Municipais: o caso de Niterói