João Carlos Calzavara | Maio 2022
O filme The Batman (2022) tem recebido avaliações positivas tanto por parte dos críticos quanto pelos fãs do universo de heróis. Estrelado por Robert Pattinson (Bruce Wayne/Batman) e por Zoë Kravitz (Selina Kyle/Mulher-Gato) nos papéis principais, o longa de 2h57m conta com um enredo que flerta com ação policial e suspense. A direção de Matt Reeves não deixou furos e, sem dúvida alguma, o sucesso do filme, que até este mês (abril) alcançou mais de US$ 700 milhões ao redor do mundo, nos permite tecer elogios ao diretor que fez com que a DC conseguisse responder com um filme de heróis à altura do excelente trabalho que a rival Marvel conseguiu com Homem Aranha: Sem Volta pra Casa (2021).

A escolha de Paul Dano como Charada, o principal inimigo a ser combatido pelo morcego no filme, mostra que um bom diretor não é aquele que somente adapta um bom roteiro, mas aquele que sabe escolher bem os profissionais que melhor se encaixam nos personagens. A atuação de Dano foi fantástica, fazendo com que mais uma vez os vilões do Batman tivessem um grande apreço pela plateia, como foram, anteriormente, os casos de Coringa (Heath Ledger e Joaquin Phoenix) e Bane (Tom Hardy). Um ponto em comum entre esses vilões são seus conflitos emocionais e seus questionamentos a uma sociedade que é corrupta e desigual na cidade de Gotham.
No novo Batman, o Charada inicia sua busca por uma “verdade” e começa, através de um regime de terror, a expor segredos de sujeitos influentes na cidade, como policiais e políticos. A natureza peculiar do vilão, que sempre opta por realizar charadas em seus crimes, combina de modo perfeito com o Batman, pois, de certo modo, ambos buscam desvendar os maiores podres da cidade de Gotham e, conforme as pistas são deixadas, a trama avança ao próximo passo, configurando um excelente suspense policial. Além disso, o filme possui um aspecto mais sério e inquietador, justamente pelo personagem de Dano, que provoca o público a tentar descobrir as suas charadas, interagindo mais com a obra.
Pensando mais a fundo sobre as razões que motivam Charada a agir, notamos uma forte presença das questões sociais e econômicas que norteiam as nossas sociedades. O vilão é um órfão que deveria receber auxílio da iniciativa filantrópica do legado Wayne, mas isso não ocorre, fazendo com que o personagem tenha uma vida difícil desde a infância, buscando compreender por que injustiças como aquela ocorriam. Por isso, com o passar dos anos, se inicia o propósito de Charada se torna revelar aos cidadãos de Gotham, que, na realidade, todo o sistema vive uma corrupção de cima para baixo.
Isto é, o problema de Gotham não começa nos pequenos delitos feitos por criminosos comuns, mas sim pelos inúmeros criminosos e corruptos que andam juntos e que influenciam diretamente no crescimento do crime nas esferas menores. A reflexão da obra é pertinente no contexto atual em que inúmeros países vivenciam um desgaste de seus modelos democráticos e representativos, tendo como razões principais a corrupção e outros escândalos. Além disso, a desigualdade social e o discurso meritocrático, marcas do neoliberalismo, acabam por reduzir indivíduos entre o sucesso e o fracasso, fazendo com que muitas pessoas, como o Charada, sintam-se à margem da sociedade, gerando problemas emocionais e psicológicos em muitas delas.
Na obra, também é importante pensar sobre o contexto que a mesma introduz acerca dos perigos da dita “sociedade do espetáculo”. Isso aparece quando o vilão diversas vezes aparece cometendo seus crimes e divulgando em canais e mídias sociais para compartilhar com um público maior. Devemos pensar sobre a questão da democracia e liberdade de expressão, pois até que ponto fazer uso de canais na internet para destilar comentários de ódio pode ser considerado como liberdade de expressão? Quais são as punições para evitar que mensagens desse teor possam continuar circulando na internet por parte desses usuários?
O Batman de Robert Pattinson também traz alguns pontos interessantes para análise. Logo no início do filme, há uma parte em que o Batman parece dialogar com o público, situando-nos no seu cotidiano de combate ao crime. Em uma parte dessas partes, o personagem alega que faz uso do medo como uma ferramenta de controle, o que é muito similar com as teses de Michel Foucault sobre o panóptico, um sistema de controle social pautado no ideal vigiar-punir, onde os indivíduos vigiados por algo/alguém, deixariam de transpor uma ordem pré-estabelecida por medo de serem punidos.
Nesse momento, podemos questionar se a atuação do morcego é realmente a de um herói, tendo em vista que sua estratégia busca evitar crimes fazendo uso de um terror psicológico e autoritário na vida das pessoas. Torna-se contraditório um herói que busca libertar a cidade de um sistema de terror, instaurando outro que assombra os moradores da cidade, como o uso de símbolos (a luz no alto do prédio, por exemplo). Nesse filme, Matt Reeves nos apresenta um Batman em início de carreira e com dificuldades em compreender melhor seus limites éticos na atividade que exerce, como a vontade de vigiar, punir, matar.
A trilha sonora é um espetáculo à parte, que cria uma ambientação fantástica ao se assistir ao filme. Com a canção “Something in the way” da banda Nirvana, o longa agrega um sentido ao universo sombrio, nublado e obscuro de Gotham. Na minha opinião, esse foi um dos grandes acertos do filme, porque cria, através de uma música chave, uma atmosfera mais séria, o que, para muitos fãs, é parte essencial do universo de Batman.
Outro aspecto importante, assim como a trilha sonora, é o trabalho de qualidade dos recursos visuais, como as fotografias, paisagem, recorte de cenas. Uma cena específica onde o Batman enfrenta diversos criminosos no escuro e somente pode ser visto pela luz dos disparos das armas de fogo, na minha concepção, merece todos os elogios que podemos dar, pois causa um efeito frenético em quem está assistindo. Em outro momento, em um local alto da cidade, o Batman e a Mulher-Gato se beijam pela primeira vez na trama sob a paisagem de um céu alaranjado de fim de tarde.
Por fim, o filme trouxe o protagonismo que Kravitz tanto buscava quando assumiu o papel de Mulher-Gato. A atriz assumiu a personalidade independente, sedutora e manipuladora de Selina Kyle, nome verdadeiro da anti-heroína, uma das mais famosas do universo da DC, sendo interpretada anteriormente por Anne Hathaway na trilogia do Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan. No longa, o papel feminino ocupa um espaço central no desenvolvimento da trama e mostra o tempo todo que a Mulher-Gato “vive” paralelamente ao Batman, tendo seus próprios objetivos, e que não se aproxima do Morcego porque esse assim o quis, mas também para se aproximar de seus interesses.
Isso desconstrói a visão da figura feminina pensada erroneamente pela sociedade, de que as mulheres são subservientes aos homens. Em um universo de super-heróis, onde o personagem principal é, sem dúvida alguma, o Batman, um homem branco, hétero e rico, mostrar como a Mulher-Gato, mulher, negra e pobre, consegue, apesar de todas as adversidades, viver mesmo sozinha em uma cidade cheia de criminosos e corrupção. Acredito que o romance entre os dois personagens é bem desenvolvido justamente por fugir de um amor previsível e meloso, trazendo uma ideia de um homem e uma mulher que possuem vidas autônomas e que se sentem atraídos um pelo outro, desenvolvendo uma relação, quando não amorosa, de parceria, colocando-os em uma linha horizontal, em um mesmo patamar nessa dinâmica.
Por fim, essas foram algumas das análises que posso fazer sem dar muitos spoilers do filme, mas que, ainda assim, creio que contribuam para credibilizar ainda mais a obra. Para mim, assistir ao filme do Batman foi uma atividade prazerosa, instigante e nostálgica, fazendo-me recordar os bons filmes de ação policial e suspense. Além disso, o filme traz uma concepção de filme de herói rodeado de questões sociais, políticas e econômicas. Justamente por todo esse contexto, acaba por qualificar o filme como uma obra madura, bem desenvolvida e que certamente atrai um público adulto que pode, por vezes, ter se afastado desse gênero, já que muitas vezes acaba sendo mais juvenil. Nesse sentido, a minha avaliação é muito positiva e aguardo novidades sobre a possível continuação do trabalho de Matt Reeves.
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João Carlos Calzavara é graduando do curso de História da UERJ. Acredita na escrita como ferramenta de diálogo entre pessoas e para troca de conhecimento. Tem interesse em escrever sobre esporte e cultura.
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