Christian Silva Domingues | maio 2022
No documentário “Uma pirueta pela história do circo”, quando perguntado sobre o que não poderia faltar no circo, o ator e trapezista Marcos Frota responde de maneira inusitada: “O circo. O que não pode faltar no circo é o próprio circo.” Já os outros entrevistados responderam listando elementos habitualmente contidos no espetáculo circense: o palhaço, o acrobata, o equilibrista. Essas falas, se generalizadas, podem ilustrar visões interessantes sobre o que define a arte. Será, como aponta Frota, o contexto espacial-temporal em que a obra está inserida? Ou serão os acessórios que se convencionaram usar?
Na verdade, a essência da arte é um mistério. Por isso, caberia à crítica cultural sensibilidade na compreensão da linguagem trabalhada pelo artista. Esse pensamento, porém, passa longe da crítica conservadora, que se manifesta através de um modus operandi mais ou menos estável ao longo do tempo. Segundo Coelho (2006), um aspecto importante da concepção que recusa vanguardas culturas é a manutenção de valores antigos para o julgamento de obras novas. Nesse sentido, o academicismo e o figurativismo realista, por exemplo, orientam a avaliação de obras que não se pretendem acadêmicas ou realistas, o que torna a crítica inadequada.
Outro aspecto que Coelho (2006) aponta é a consideração de que o mundo vive um período de involução cultural. Assim, a obra de arte é colocada como consequência de uma realidade caótica — por exemplo, os “desvios psiquiátricos” dos artistas. Tal perspectiva tenta considerar o artista um sujeito passivo, refém da degeneração, e não um sujeito ativo, consciente, delator de que há um problema no mundo. Isso pode reforçar a narrativa sectarista do “nós contra eles”, através da qual o sujeito conservador se atribui um papel “civilizatório” em relação à “barbárie” do outro.
Por fim, está o pressuposto de que o crítico é representante do público, numa tentativa de consenso quanto à incompreensão da arte vanguardista. Para Coelho (2006), o crítico conservador se vale disso para criar uma retórica populista, sedutora. Vilipendia-se, portanto, a tendência da arte moderna ao “incompreensível”, atribuindo aos artistas de vanguarda a pecha de antipúblico. Trata-se, no entanto, de um pensamento extremamente perigoso, já que a demagogia e o fomento do ódio à cultura é um dos pilares da ascensão do fascismo.
Referências
COELHO, Marcelo. Crítica cultural: teoria e prática. São Paulo: Publifolha, 2006.
Uma pirueta pela história do circo. https://www.youtube.com/watch?v=k_pn250GBRA&t=303s.
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Christian Silva Domingues é aluno na Faculdade de Comunicação Social da UERJ. E-mail: cdomingues000@gmail.com | Instagram: @chrisss_domi