Alexandre Marques |Abril de 2022
Segundo o que defende o geógrafo Milton Santos em seu livro “Pobreza Urbana”, é até mesmo cômico que seja defendido o consumismo como ideal a ser perseguido pela sociedade. Para o autor, o ato de consumir –maioritariamente, um ato fútil — passa a ser interpretado como fator de promoção social, como se o simples fato de deter algo fosse determinante para separar a sociedade, entre aqueles que nada têm e estão em miséria, aqueles que têm apenas o que precisam e estão em pobreza, e, por último, aqueles que detêm o que precisam e querem — incluindo, até mesmo os bens desnecessários adquiridos por influência consumista.
É o que também é proclamado pelo brilhantíssimo autor latino-americano Eduardo Galeano, em “As Veias Abertas da América Latina”:
“Fetichismo da mercadoria como símbolo de poder, existência humana reduzida a relações de competição e consumo: no meio do oceano do subdesenvolvimento a minoria privilegiada imita o modo de vida e as modas dos membros mais ricos das mais opulentas sociedades do mundo: no estrépito de Caracas, como em Nova York, os bens “naturais” por excelência — o ar, a luz, o silêncio — tornam-se cada vez mais caros e escassos. “Cuidado”, adverte Juan Pablo Pérez Alfonso, patriarca do nacionalismo venezuelano e profeta da recuperação do petróleo: ‘Pode-se morrer de indigestão tanto quanto de fome’”.
É, também, questionamento do autor Milton Santos o fato de grandes agentes do meio de produção serem protagonistas midiáticos para nortear os bens desejáveis no meio consumista. Dessa forma, incentivar o consumismo da sociedade pode ser apenas uma ferramenta para que os verdadeiros “poderosos” no topo da pirâmide da sociedade continuem se tornando ainda mais poderosos lucrando com esse fetiche da sociedade, provocando um ciclo vicioso que Jean Baudrillard explica.
Segundo o autor Jean Baudrillard, fatores consumistas são norteadores na sociedade capitalista contemporânea, de modo que esse consumo seja
desejado não para adquirir uma razão ao deter tal “produto”, mas, simplesmente, pelo poder de consumir algo mais e mais. Esse fator é essencial
para que a sociedade seja incapaz de atingir seu poder de autorrealização ou de satisfação, visto que, essa sociedade sempre estará ocupada com bens fúteis (em sua maioria) e sem utilizá-los para exercer seus objetivos.
Em correlação com o poder midiático sobre as tendências de consumo, o filósofo Zygmunt Bauman prega a discussão que tange a falsa sensação de
que o homem tem o poder de livre escolha, quando na verdade ele é a todo o momento influenciado pelo sistema capitalista a consumir quaisquer produtos que sejam. É importante que passemos a debater sobre esse consumismo e derrubar a falácia de “gosto não se discute” para que possamos entender como o capitalismo é capaz de moldar nosso gosto. E esse debate não pode surgir de outra forma, senão pela consciência de classe.
Contudo, se torna extremamente necessário uma mudança dentro do setor de produção para que o consumo deixe de ser um ideal buscado. O “direito natural à abundância” citado por Baudrillard deve dar espaço ao direito de todos em alcançar o que é necessário. Para que não haja essa distinção abissal entre o ser em miséria com o ser que tem o que quer.
Apropriação Cultural para fins lucrativos (dos apropriadores)
O uso de causas e valores a serem difundidos e reivindicados em nossa sociedade também é tema a ser discutido por Jean Baudrillard, já que, segundo o autor, os meios de produção se utilizam dessas marcas sociais para ganhar espaço dentro de diferentes nichos sem que socialmente nada se altere. Esses mesmos meios de produção, no topo da escala social, irão continuar estabelecidos, faturando com o consumo desse produto, mas fazendo nada valer do que os mesmos produtos empregam.
Aliás, esse efeito de progressiva falência da função simbólica irá prejudicar ainda mais as classes que reivindicam mudanças na sociedade, como aqueles que propagam a luta contra o racismo, a homofobia etc. Enquanto houver o ato do ideal consumista em meio a essas causas, ainda teremos o que o autor Fredric Jameson prega como alienação das partes como integrantes de um todo na sociedade. Sendo necessária uma reintrodução do debate de classes, onde o princípio seja lutar contra os moldes atuais estabelecidos pelo mercado que só cresce nas custas tanto das causas negligenciadas verdadeiramente quanto no hábito consumista empregado em geral.
Essa apropriação de causas e culturas é também descrita por Galeano em “As Veias Abertas da América Latina”, onde o autor descreve como capitalistas e magnatas se apropriaram de costumes e de produtos que já eram comercializados na América Latina por artesãos locais e faziam sucesso em determinadas regiões por se enquadrar culturalmente àquilo que as condições locais exigiam, para poder reproduzir e comercializar esses produtos em grande escala, derrubando assim a produção cultural do povo. É nesta mesma época de forte movimentação nos portos do novo continente, sobretudo de ingleses, que os europeus e norte-americanos intensificam a extração de matéria-prima para produção de seus produtos, comercializados depois por um preço bem mais elevado do que aquele pago para extrair o material dos países latino-americanos.
Alexandre Marques é estudante de jornalismo na Unicarioca.
Contato: alexandre.lima_7@hotmail.com| @alexandre_marqu3s