Alexandre Marques | Janeiro 2022
Segundo o já falecido jornalista Geneton Moraes Neto, “existem duas realidades: a realidade oficial e a realidade dos fatos”. A frase do jornalista pode parecer confusa em primeira impressão, porém, com compreensão ela se torna brilhante para que possamos entender a verdadeira função do jornalismo crítico para com a manutenção social que os fatos reproduzidos pelo ofício causa. Afinal, é dever jornalístico dar espaço para ambas as partes envolvidas em um caso factual e se possível buscar relatos também de especialistas sem envolvimento com as partes. Porém, em qualquer caso, o jornalismo exige também que o relato seja analisado sobre a luz da verdade apurada do fato.

É essa apuração detalhada que dá o respaldo e causa a essência do jornalismo crítico. Seria muito simplista achar que o ofício pudesse se limitar em apenas descrever acontecimentos. Mas, buscar responsáveis pelos acontecimentos e suas motivações são vertentes totalmente já conectadas ao ato de descrever os fatos. Por isso, mesmo que o Presidente da República declare para todo o país que o Coronavírus não passa de uma “gripezinha”, é dever de qualquer jornal desmentir sua fala com o respaldo científico do caso para esclarecimento público. Não basta reproduzir notas. Trata-se de apuração simples.
Em casos ainda mais profundos, deve partir do jornalismo a evidenciação dos casos extremos. Renomado por seus trabalhos investigativos, Caco Barcellos conta, em entrevista para Pedro Bial, como sempre buscou descobrir a realidade visada:
“Acredito em todo mundo. Sou muito ingênuo, talvez por isso eu tenha me tornado repórter investigativo”.
Ainda que pareça uma ideia tola, o conceito que Caco usa para guiar seu trabalho investigativo é honrável para com o dever de se dispor — e saber — ouvir todos os lados de um mesmo fato. Caco Barcellos permite que traficantes deem seu lado da história, assim como permite que policiais expliquem ocorridos que os envolvem, como o jornalista fez em seu premiado livro Abusado (2003).

Esse dever crítico não tange a questão editorial do jornal sobre tomar partido político, por exemplo. A criticidade e a criteriosidade para julgar fatos é dever do jornalismo com a democracia. Por isso, deve-se também entender a necessidade crítica no ofício, algo que o jornalista Ernesto Paglia chama de bê-a-bá da profissão, em seu livro O Diário de Bordo do JN no Ar (2010), “matérias nem contra, nem a favor, mas sobre”. Ainda em seu livro, o jornalista tenta explicar como o profissional deve saber ouvir e, com uma “decupagem natural” para não seguir a “realidade oficial” enganosa, captar o assunto que realmente interessa para apurá-lo até se aproximar o máximo possível da verdade. Trata-se do princípio cético que deve acompanhar cada jornalista que exerce a função.
É também por esse compromisso com a democracia que qualquer produtor de material jornalístico deve se atentar à reação do público mediante a informação. Aliás, é a própria reação do público que muitas vezes irá gerar uma nova notícia já que essa reação é um fato do próprio interesse público. É o que ocorre quando ações governamentais são descobertas num “furo jornalístico” e essa descoberta causa reações revoltosas contra o governo, por exemplo. Para o bom cumprimento da profissão, cabe ao jornalista entender que seu trabalho deve ser guiado para auxiliar o progresso da sociedade, acima de qualquer vínculo contratual com o veículo ao qual ele pertence.
É esse tratamento questionador de quem busca a verdade e a melhora para além do que já há que determina o jornalismo como “quarto poder”. O termo se enquadra no dever enraizado na profissão, afinal, para que os três poderes — legislativo, executivo e judiciário — possam ser medidos democraticamente pelo povo, há de existir uma cobertura jornalística plena sobre cada linha, fala ou gesto dos poderes. E com cobertura plena, emerge a objetificação da verdade em matéria jornalística, através de um escândalo desmascarado, uma decisão em contrapartida da determinada pela comunidade especializada ou a simples reação do povo — seja ela positiva ou negativa.

Portanto, indo ao encontro dos ideais iluministas, cabe ao jornalismo enfrentar o obscuro. Sempre buscando incomodar com a verdade, seja um entrevistado, uma empresa, um grupo político ou a sociedade em geral. O impacto da revelação deve sempre ser buscado para que esse impacto tenha o poder de transformar progressivamente algo.
Voltando para um dizer esclarecedor do mestre Geneton Moraes Neto,
“Fazer jornalismo é ter certeza de que não existe assunto esgotado”.
É por isso que o jornalismo se mostra como o rascunho da história. Se o grande estalo da função é descobrir algo novo (notícia), o grande desenrolar surge da reação social. Não importa se causa revolta, o jornalismo crítico existe para progredir.
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Alexandre Marques é estudante de Jornalismo na Unicarioca.
Instagram: @al3xandremarques