Os bate-bolas, ou clóvis, são personagens tradicionais do carnaval fluminense e se manifestam, sobretudo, nos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro. Com seus trajes e performances característicos geram fascínio e receio por onde passam. Eles possuem diferentes estilos de fantasias, alguns apostam mais no brilho, plumas e macacões volumosos. As vestimentas também são compostas por luvas, meias coloridas e seus indispensáveis acessórios: leques, sombrinhas e as famosas bolas penduradas numa corda para bater no chão. As máscaras também são essenciais: geralmente uma espécie de palhaço assustador.

Turma dos Estrelas da favela do Muquiço. Crédito da foto: Ratão Diniz.
Turma dos Estrelas da favela do Muquiço. Crédito da foto: Ratão Diniz.

 

A origem da tradição dos bate-bolas é frequentemente creditada à influência da colonização portuguesa e outras festas de origem europeia, como Folia de Reis, os bailes de máscaras franceses e tradições medievais. Para a pesquisadora Aline Gualda Pereira, do Instituto de Artes da Uerj, as fantasias também podem ser uma espécie de variação das fantasias europeias com origem em mitos celtas:
“Até hoje essas fantasias existem em localidades mais ermas, por exemplo em Bragança, Portugal e nas Astúrias (Espanha). Elas são derivadas dessas máscaras mais antigas, que teriam origem na mitologia celta”.

Também existem versões que remetem o legado dos bate-bolas do Rio de Janeiro ao simbolismo que tem raízes na luta pela liberdade de festejar para os escravizados recém libertos, que por vezes eram perseguidos injustamente pela polícia e somente fantasiados conseguiam brincar livremente.

Crédito da foto: Bruno Falcão.

Atualmente as bolas barulhentas são feitas de borracha e plástico, mas no início elas eram produzidas por bexigas de bois e porcos que eram fornecidas por matadouros. O ato de bater a bola no chão potencializa a performance assustadora e a sensação de agressividade, contudo, seguindo a ligação de origem aos escravizados libertos, a atitude também carrega uma simbologia de protestar contra a opressão e se revoltar.

As turmas de bate-bola são distintas e visualmente dinâmicas. Ainda que sigam um acordo simbólico constantemente revisto e (re)produzido, cada turma atribui seu próprio sentido à brincadeira, logo, as compreensões e produções de sentidos variam pela forma às quais os grupos empreendem à manifestação. Assim sendo, não existe uma forma padronizada, tampouco correta de ser bate-bola, mas modos de interpretação de um elemento cultural. Através das articulações dos materiais físicos e simbólicos, cada turma marca sua posição ideológica e sua identidade, distanciando-se, dessa maneira, de outros grupos.

Os grupos, caracterizados por forte sentimento de pertencimento coletivo, se dividem em “turmas” que podem possuir de 2 membros a centenas, compostos majoritariamente por homens de 20 a 60 anos. Também existem grupos infantis e grupos exclusivamente femininos. Cada turma possui um líder, conhecido como o “cabeça”, que é o responsável por escolher os temas, o estilo da fantasia e organizar a folia. A cada carnaval um novo tema é escolhido, geralmente influenciado por elementos da cultura de massa. É ele que define a estética a ser utilizada nas fantasias. Já o estilo define a performance, ou seja, as formas de comportamento frente ao público.

Como acontece nas escolas de samba, o trabalho de idealização e confecção das fantasias ocorre logo após o término do carnaval e tem seu ápice na “saída da turma”, evento de aparição oficial realizado normalmente na quarta-feira de cinzas do ano subsequente. Tal evento é marcado por foguetórios, músicas e interação com a comunidade. Os grupos desfilam com suas diferentes caracterizações buscando quem será o bando a impressionar mais entre os foliões, seja pela beleza das fantasias, criatividade e ostentação em seus adereços ou pelo barulho e performance mais enérgica. Há competições oficiais e extra oficiais de bate-bolas e o verdadeiro júri está nas ruas.

Por estar ligada às zonas periféricas, muito de nosso conhecimento acerca da cultura bateboleira provém do senso comum e das disputas entre os discursos conflitantes dos atores e da mídia tradicional. Se por um lado a mídia, através de seus agendamentos e enquadramentos, fomenta uma visão negativa associada ao medo e à violência, no subúrbio, os clóvis são vistos como ícones alegres e cômicos, entendidos como parte integrante da comunidade e cultura locais.

Por essa razão surgem movimentos de valorização e preservação da cultura dos bate-bolas, extensão de suas redes de afetos e coletividade, reformulação do imaginário através de uma construção narrativa positiva e, mais recentemente, o Projeto de Lei que os declarou como Patrimônio Cultural Carioca. Desde de seu surgimento aos dias atuais, as práticas e significados atribuídos à cultura bateboleira estão em constante movimento. Mesmo que estigmatizados, esses grupos refletem, de forma animada e irreverente, a tradição carnavalesca do subúrbio carioca.

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Lívia Martins de Oliveira e Thayaná Gonçalves da Cunha são graduandas na Faculdade de Comunicação Social da UERJ.

 

Bate-bola: performando resistência, reinventando a tradição