Roberto Vilela Elias | Maio 2020

As razões para Copacabana ter superado o Centro como principal palco dos festejos de Ano Novo no Rio de Janeiro a partir da década de 1970 são muitas. Podemos dizer que o bairro praiano já despontava como um centro comercial mais sofisticado do que a região central desde os anos 1950, além disso há uma mudança de foco nos lançamentos imobiliários. Se nos anos 1930 e 1940 os edifícios que subiam em Copacabana eram destinados a um público de alto poder aquisitivo, dos anos 1960 em diante começam a surgir lançamentos voltados à classe média, o que atrai novos fluxos populacionais ao bairro e o torna mais heterogêneo. Se o Rio muitas vezes é apontado como a metonímia do Brasil, Copacabana seria a sua síntese.

Na metade do século XX, os banhos de mar, enquanto lazer, já estavam plenamente incorporados ao modus vivendi carioca há algumas décadas. O estilo de vida praiano, a pele bronzeada e a prática de esportes à beira mar foram outro fator de atração populacional ao bairro. Assim, todos os fatos de maior notoriedade que ocorriam na cidade tinham como cenário Copacabana. Com os cultos à Iemanjá no réveillon não será diferente. Se nos anos 1920, ainda que timidamente, apareciam alguns registros de comemorações de Ano Novo nas praias de Santa Luzia e do Flamengo nos jornais locais, dos anos 1950 em diante, os cultos à Iemanjá aparecerão mais vezes.

Para que o leitor(a) não perca o fio, conforme dissemos na primeira parte deste artigo (publicada em novembro de 2019), no começo dos anos 1950, fazendo jus ao chamado de Tata Tancredo, registram-se as primeiras notícias sobre comemorações de Ano Novo na orla da Avenida Atlântica. Tais rituais começaram a congregar, além dos adeptos dessas religiões, uma legião de curiosos, turistas e/ou habitantes do bairro, que iam à praia dia 31 de dezembro para observar as giras e o batuque dos pontos cantados à Iemanjá. Muitos permaneciam no local para se consultarem com as entidades que os médiuns manifestavam e, como os umbandistas trajavam roupas brancas (cor alusiva ao orixá Oxalá), com o tempo essa tradição começou a modificar os hábitos daqueles que iam festejar a virada de ano na praia. Assim, mesmo aqueles que não eram umbandistas, passam a se vestir com roupas brancas na noite de réveillon. Além disso, muitas práticas que as pessoas realizam na noite de 31 de dezembro, como lançar flores ao mar, acender velas na areia, pular sete ondinhas, dentre outras, são todas atividades que têm como origem as religiões afro-brasileiras.

O fato desses rituais terem se projetado a partir da praia símbolo da modernização, do bem-estar e do luxo na capital da república, tem um significado importante, tendo em vista a hierarquia socioespacial presente no cotidiano do Rio (VELHO, 1989). Isso colaborou com a construção de um olhar mais parcimonioso desses ritos, que se tornaram parte do réveillon de Copacabana. Assim, a partir dos anos 1970, jornais como O Globo, passam a se referir à festa de Ano Novo em Copacabana como “A Noite de Iemanjá”, e a repercutirem com mais detalhes tais ritos. Segundo o periódico supracitado, em 1971, o réveillon transcorreu sob forte chuva. Na praia, o Centro Espírita Umbandista Tupyara teve destaque, pois, mesmo sobre a areia molhada, montou uma enorme tenda em frente ao hotel Leme Palace. O mesmo jornal que por décadas condenou tais manifestações, noticiando-as sob forte carga preconceituosa, agora enaltecia os cultos a Iemanjá.

No réveillon de 1972, a Secretaria Municipal de Turismo passou a administrar a fiscalização e a segurança da festa, “Rio receberá mais de 40 mil turistas para o réveillon” destacou O Globo em 30/12/1971. Em 2/1/1974, O Globo repercutiu o réveillon dizendo que, apesar da chuva, a presença dos terreiros de umbanda em Copacabana foi grande. A manchete “A chuva prejudicou a festa e as oferendas à Iemanjá” encabeçava a principal reportagem do periódico sobre o réveillon de 1974, segundo a qual, não fosse a chuva o público presente à “princesinha do mar”, que foi grande, poderia ter sido ainda maior. “Multidões nas praias em homenagem à Iemanjá” era a manchete do Globo em 2/1/1979, ressaltando que os terreiros chegaram cedo à praia para iniciarem seus trabalhos.

Na festa para receber 1981, um fato inédito marcou para sempre o réveillon da cidade. O empresário Ricardo Amaral, à época dono da badalada boate Hipopotamus, assumiu o comando do baile de réveillon do Copacabana Palace e transferiu a queima de fogos do terraço do hotel para a areia. O resultado foi um sucesso absoluto. A proximidade entre público e fogos de artifício encantou os presentes e desde então tornaram-se uma marca da festa de Ano Novo em Copacabana. Nos anos seguintes, a festa seguiu crescendo, comerciantes locais passaram a se cotizar para comprar fogos de artifício, os bares, restaurantes, hotéis e boates da Avenida Atlântica incrementam suas festas. A cada ano o réveillon de Copacabana ganhava mais vulto.

Em 1993, César Maia assumiu a prefeitura da cidade. Sua primeira gestão inaugurou um modelo neoliberal de administração, segundo o qual a cidade passou a ser pensada e gerida sob a lógica do “planejamento estratégico” ou, como analisa David Harvey (2005), do “empreendedorismo urbano”. Essa dinâmica tem atravessado todas as gestões municipais desde então. Nesse sentido, a prefeitura assumiu completamente a organização da festa. A chegada de 1994 foi o primeiro réveillon sob o comando do novo prefeito. César Maia aumentou de 6 para 10 os pontos de fogos na areia de Copacabana, além da promoção de shows com artistas consagrados. Ao mesmo tempo, a prefeitura passou a fomentar a midiatização do Ano Novo para, através dele, projetar a imagem da cidade internacionalmente.

No réveillon de 1995, o primeiro com um patrocinador máster, a marca de refrigerantes Pepsi, a prefeitura trouxe o cantor norte-americano Rod Stewart para fazer o grande show da noite de réveillon em Copacabana, que registrou a presença de 4 milhões de pessoas do Posto 6 ao Leme. Tudo isso transmitido ao vivo por emissoras de televisão para o mundo inteiro. Um processo de espetacularização da festa, inédito até então.

Esse processo de midiatização massiva transformou o réveillon de Copacabana num megaevento mundialmente conhecido. Ao mesmo tempo, trouxe uma forte carga normativa no que tange ao policiamento e às posturas no dia 31 de dezembro, com uma série de regras proibindo a presença de vendedores ambulantes nas ruas do bairro, o tráfego de veículos particulares a partir do meio-dia, e o estacionamento nos quarteirões da praia. Os cultos a Iemanjá também não passaram ilesos, de agora em diante eles só podem acontecer até o dia 29 de dezembro. Todos esses esforços são justificados pela prefeitura, tendo em vista a preservação da qualidade do espetáculo e a segurança na movimentação dos turistas, transformando o Ano Novo da “princesinha do mar” num produto tão divulgado e promovido quanto os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Uma mercadoria formidável à lógica midiática e espetaculosa do planejamento estratégico, mas que deixa de lado expressões culturais caras à história da cidade e do próprio réveillon.

____________________________________

Roberto Vilela Elias é sociólogo (UFRJ), doutor em Comunicação pelo PPGCom/UERJ e pesquisador do Lacon.

 

Referências bibliográficas:

HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Ed. Annablume, 2005.

MAIA, João; BIANCHI, Eduardo. Réveillon de Copacabana: territorialidades temporárias. In: FERNANDES, Cíntia. S; MAIA, João; HERSCHMANN, Micael. (Orgs.) Comunicações e Territorialidades: Rio de Janeiro em cena. São Paulo: Ed. Anadarco, 2012.

O’DONNELL, Julia. A Invenção de Copacabana: culturas urbanas e estilos de vida no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

VELHO, Gilberto. A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1989.

Réveillon, praia e macumba II