Carlos Alberto Diniz | Abril 2020

 

Soneto da Buquinagem [1]

Buquinemos, amiga, neste sebo.

A vela, ao se apagar, é sebo apenas,

e quero a meia-luz. Amo as serenas

angras do mar dos livros, onde bebo

 

– álcool mais absoluto – alheias penas

consoladas na estrofe, e calmo, e gebo,

tiro da baixa estante sete avenas

em sete obras que pago e que recebo.

Amiga, buquinemos, pois é morta

Inês de antigos sonhos, e conforta

no tempo de papel tramar de novo.

nosso papel, velino, e nosso povo

é Lucrécio e Villon, velhos autores,

aos novos poetas muito superiores.

Carlos Drummond de Andrade

 

Já há alguns anos, o mercado do livro impresso tem sofrido crises que resultaram no fechamento de várias livrarias pelo país, em especial no Rio de Janeiro, que perdeu 971 estabelecimentos entre 2007 e 2017 [2]. A Cultura, por exemplo, fechou sua última loja na cidade em 2018. No ano seguinte, a Saraiva encerrou as atividades da sua unidade em Copacabana, não existindo assim mais livrarias de grande porte no bairro. Mas, apesar disso, os sebos continuam fazendo parte da paisagem urbana da cidade.

Segundo dados levantados por Márcia dos Santos (2005), os sebos, no Brasil, começaram sua história no Rio de Janeiro, berço também das livrarias no país. Encontrados principalmente nos centros das cidades, são lugares que remetem ao passado, em seus livros e nas memórias afetivas que carregam. São estabelecimentos que “guardam uma história da circulação do livro e de práticas de leitura indispensável à compreensão da nossa história individual e coletiva de leitores” (PAIVA apud DELGADO, 1999, p. 14).

Essa história da circulação do livro é o que diferencia os sebos das livrarias tradicionais. Nos sebos, a chance de se encontrar livros raros transforma a visita a esses lugares em uma aventura. Sempre há a possibilidade de se encontrar publicações esgotadas e exemplares autografados, o que impulsiona o desejo de se visitar esses lugares, nos quais o livro reina como produto envolto em um imaginário compartilhado.

“[visitar um sebo é] para alguns, a chance de aquisição mais em conta, deste produto cultural imprescindível; para outros a possibilidade de investigar leituras, a aventura de uma primeira edição, o encontro com o livro raro, o reencontro com uma leitura perdida no tempo, a possibilidade de investigar leituras alheias, gostos, preferências, bibliotecas pessoais descartadas […] (PAIVA, 1999, p. 14).

Os sebos resistem no Rio de Janeiro, convivendo com a concorrência do comércio pela internet, como o portal Estante Virtual³, que, segundo o próprio portal, vende livros novos e usados de milhares de sebos e livrarias. Mas apelos como o de Ana Cristina Pinho, publicado na página do Facebook da Elizart Livros [4] no dia 12 de março de 2020, são cada vez mais comuns:

“Bom Dia Gente!

Hoje, quero dividir uma história com vocês!

Como a maioria sabe, tenho um sebo (livraria de livros usados) com a minha família há 47 anos . Fundada pelo meu Avô, Pai e Tios, a Elizart fica na Av. Marechal Floriano, 63, e sempre foi uma referência em livros usados no Rio e no Brasil.

De uns tempos pra cá, estamos enfrentando muitas dificuldades: financeira, diminuição da clientela física, modificação na rua por causa do VLT e a falência do Estado contribuíram para agravar a situação.

Gostaria que esse post fizesse um movimento de Mudança!

Venham nos visitar, nos conhecer (temos página no face e Instagram), nos prestigiar, assim como, conheçam outros estabelecimentos antigos que são importantes para a cultura da gente e que estão resistindo ao tempo e a crise!

Como dizia meu Pai: “Estamos Guerreando”!

Gratidão a vocês!”

Fundado em agosto de 1972, o Elizart Livros faz parte dos sebos do Centro do Rio de Janeiro, que conta ainda com o Academia do Saber, o Acadêmico do Rio, o Antiqualhas Brasileiras e o Berinjela, entre outros. Alguns sebos tradicionais do bairro, como O Aimeé Gilbert, fecharam as portas quando o  governo estadual fez a reintegração de posse de alguns imóveis da Rua da Carioca [5]. Na cidade, a Praça Tiradentes é o lugar que mais concentra esses lugares, segundo Santos (2005).

“Espaços cotidianos de sociabilidade, os sebos comportam uma pluralidade de apropriações, tradições e valores históricos sedimentados nas diferentes experiências de leitura de cada um. Cada sebo guarda sua própria história que, mesmo silenciosa, é passível de ser narrada e, numa rede de tessituras, pode-se contar a história desses espaços dentro do território urbano que os circunscreve. Os lugares de memória em um sebo são muitos e de diferentes ordens: topográfica, simbólica, temporal, nostálgica, arqueológica e, principalmente, humana. Debruçar-se sobre esse mundo visível e invisível que seus personagens quotidianamente constroem é caminhar por um território marcado por cultura e história, feito de pluralidade e de uma variedade de vivências” (SANTOS, 2005).

Apesar da constante ameaça de extinção, os sebos mantêm seu charme atrativo. Entrar em um sebo, percorrer seus corredores, folhear os livros e descobrir algo escondido em suas páginas, que muitas vezes vai além do que foi escrito originalmente pelo autor, fazem parte do ritual desses lugares. Uma anotação em um canto de uma página, uma dedicatória, uma data destacada, uma página marcada, um bilhete escondido, um marcador de texto, uma palavra grifada são algumas das possibilidades que um livro usado apresenta.

A memória afetiva que esses livros carregam faz com que a leitura tome novas formas. Quem será que ganhou aquele livro de presente? De quem é essa foto? Será que essas pessoas ainda estão vivas? Será que ainda se relacionam? Uma narrativa além-livro nele contida que atiça nossas imaginações e pode ser continuada quando nós passamos aquele mesmo livro para frente. Uma narrativa que continua. Um livro que permanece. Um lugar que reúne essas obras e nos apresenta essa continuidade. Assim são os sebos, que nos convidam para entrar e nos convocam a deixá-los continuar existindo.

 

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Carlos Alberto Diniz é mestrando em Comunicação pelo PPGCom da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

[1] Segundo Cardoso (2007), buquinagem vem do verbo francês bouquiner e significa a arte de procurar livros em sebos.

[2] Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/12/09/numero-de-livrarias-e-papelarias-no-brasil-encolhe-29-em-10-anos.ghtml>. Acesso em: 17 mar. 2020.

[3] Disponível em: <https://www.estantevirtual.com.br/>. Acesso em: 17 mar. 2020.

[4] Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/Elizart-Livros>. Acesso em: 17 mar. 2020.

[5] Disponível em: <https://www.livreirovirtual.com.br/quem-sou/ >. Acesso em: 17 mar. 2020.

 

Referências:

CARDOSO, Elis de Almeida. A expressividade dos estrangeirismos na poesia de Carlos Drummond de Andrade. Domínios da Linguagem: Revista Eletrônica de Linguística. Ano 1, N. 1, primeiro semestre, 2007.

DELGADO, Márcia Cristina. Cartografia sentimental de sebos e livros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

SANTOS, Marcia Vidal dos. Sebos: espaços de informações e conquista aos leitores. Orientadora: ARARIPE, Fátima Maria Alencar. 2005. Monografia (Especialização em Leitura e Formação do Leitor) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. Versão impressa.

 

A resistência dos sebos no Rio de Janeiro