Adair Rocha | Maio 2020

Favela é Cidade?
Pergunta o Coronavírus.

O lançamento do Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid-19 nas Favelas, feito pela PUC/ UERJ/ UFRJ/ FIOCRUZ/ SBPC/FLACSO/ SINDICATO dos MÉDICOS e LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS/POLITICAS e CULTURAIS do Santa Marta, da Maré, do Alemão, da Rocinha e da Cidade de Deus, para as autoridades da área da SAÚDE e da INFRAESTRUTURA do Estado do Rio, tem SIGNIFICAÇÃO histórica.

Um simples (ao tempo em que ultrapoderoso) vírus vem exigir a explicitação de papéis, funções e pressupostos, na maioria das vezes INVISÍVEIS no cotidiano, no exercício das áreas acadêmicas, voltadas para si mesmas, na disputa da microfísica do poder que se fragiliza no ar.

Hoje, pesquisadores voltados para suas possibilidades de extensão, cultura e sua dimensão societária se expõem para o confronto com saberes que salvam vidas e conflitam com os poderes podres.

Sobressaem também as Instituições científicas, como a FIOCRUZ na vanguarda, que trazem para o centro do combate a poderosa pandemia em curso, O SISTEMA ÚNICO de SAÚDE – SUS, que, infelizmente, marca a disputa governamental da União, afeita à prioridade privatista, embora salte aos olhos do Brasil e do mundo a sua importância como projeto eficiente e eficaz da SAÚDE PÚBLICA.

Do ponto de vista da estrutura urbana vigente, as contradições ficam evidentes. Como tratar o ISOLAMENTO ou distanciamento social, único remédio eficaz em todo lugar do mundo, em espaços de moradia de territorialidade aglomerada, seja pela escassez espacial, seja pelo acúmulo das unidades habitacionais. A higienização demanda ação constante, e seus moradores ainda correm o risco de serem culpabilizados e/ou duplamente penalizados pela contaminação do poderoso vírus em viagem imprevisível.

Surge aqui o ponto central, ao meu ver, do processo de resistência e de projeção desse tempo de guerra: a força orgânica, solidária e politicamente articulada com a sociedade civil e política, que são os moradores das favelas e periferias.

Os setores acadêmicos e institucionais da ciência, envolvidos nesse processo, já aprendemos a trocar saberes, sobretudo com o acesso dessa população a esses equipamentos da produção de conhecimento. Trata-se de intelectuais orgânicos cujo papel não é apenas de depoimentos sobre o sofrimento, a perseguição, a falta de, mas de pensar e perscrutar os dispositivos da escravização presente hoje em nossos territórios. Para opinar e propor projetos e ações, onde a cidade e a sociedade possam respirar com clareza a relação sine qua non entre direito e acesso. Nesse contexto, Favela é Cidade.

Por ora, vamos celebrar a existência das narrativas e dos dispositivos amigos, culturais, políticos e utópicos que as Redes, o Museu da Maré, o Papo Reto, A Voz e o Raízes do Alemão, o ECO do Santa Marta, a Literatura popular da Cidade de Deus, as articulações Virtuais, Escritas e Pontuais de Saúde e de Comunicação da Rocinha e, daí por diante…, somados à cultura associativa que só estes territórios mantém, são os paceiros em curso, encontrando-se com setores do poder PÚBLICO, sensíveis e desafiados a enfrentarem essa guerra, que é única em seu poder de destruição.

O ato de hoje é uma topia e um convite para que o PÚBLICO e o COMUM se tornem rotina nesse ISOLAMENTO doméstico SOCIETÁRIO!

A presença do alto comando das Universidades e das Instituições Científicas, justificando e apoiando seus pesquisadores e articuladores com as principais lideranças das Favelas, selou o ponto alto do lançamento!

Alea jacta est!

 

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Adair Rocha
Professor Associado da UERJ e da PUC-Rio
Diretor do Departamento Cultural da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Decult/UERJ)

 

 

*Créditos da foto: Tuca Vieira

Favela é Cidade?