Tatiana Couto | Dezembro 2019

 

O uso de smartphones e das mídias sociais neles presentes cresceu no Brasil. De acordo com pesquisa da Nielsen Ibope, cerca de 68 milhões de brasileiros utilizam este aparelho, sendo os serviços mais utilizados as redes sociais e os aplicativos. A utilização combinada de smartphone e mídias sociais permite a inscrição do indivíduo em modos diferentes de participar e estar presentes online. Corpo e objeto criam, neste processo, comunicações. O corpo traz informações para estar como outro e os dispositivos móveis trazem modos de narrar e estar em rede. 

Um exemplo é o grupo de corridas chamado Nike Run Club do Rio de Janeiro , mais conhecido por sua sigla NRC, que possui quase oito mil membros no Facebook. A página, criada pela empresa Nike , organiza corridas gratuitas com o lema “corre junto”, é de acesso aberto e de conteúdo público para postagens dos membros, que usam diariamente o espaço, realizando postagens e circulando conteúdo. Como em 24 de agosto de 2015, B.S. publica uma foto dentro da loja Nike, em Ipanema (no dia em que foi realizado o encontro de corrida promovido pela empresa), colocando em destaque uma tatuagem feita nas pernas com as iniciais “NRC” e enfatizando as hashtags “NRC” e “Corre Junto”. No mesmo dia, D.S. publicou uma foto via Instagram com a hashtag “Corre Junto”, para gerar a marca da água da empresa esportiva na foto dele. Outro ator em rede R.A.C pergunta como se faz para colocar o logotipo por meio do aplicativo. Os dois atores utilizam smartphones para registrar a presença em rede, por fotos e textos.

O membro EP4 , no dia 24 de agosto de 2015, postou uma longa mensagem dizendo como começou a correr e comemorando o fato de ter corrido uma ultramaratona. Além do texto, utilizou os emoticons (caras sorrindo) e muitas hashtags, como “#correedu #vempraoutromundo #viciado #kmsocial #tododia #ultramaratonario24h #marciovillar”. As hashtags chamam a atenção, pois EP convida outras pessoas a entrarem na mesma realidade em que vive, por meio do “vem para outro mundo”, além de conversar com outro amigo, marcando-o na mensagem.

Dumazedier (2014) pontua que a atividade física está alinhada com uma cultura do corpo: do exercício a qualquer hora do dia, em locais abertos e de movimentada circulação de pessoas. Assim, a corrida é uma postura ativa do homem com o corpo, que se mantém em movimento. Esse movimento pode ser registrado e compartilhado por meio do smartphone, como no dia 15 de agosto de 2015, quando uma postagem do membro MC3 mostra uma foto própria e uma montagem do resultado do aplicativo de corrida do lado para afirmar “neste sábado recordes foram quebrados. Valeu #NTC”. Outra postagem do membro EC possui uma foto sorrindo e o resultado também do mesmo aplicativo (Nike Run), que fala: “Treino bom é treino feito. Vamo que vamo. #correedu #vempraoutromundo #viciado #tododia #kmsocial #nike #nikerio #nrc”.

Nas postagens relatadas neste artigo , observa-se fotos em diferentes fases da corrida, mensagens sobre resultados de corridas e postagens relacionadas às vivências durante o trajeto percorrido, associando a atividade física a um conteúdo emocional, seja de prazer, alegria, motivação, superação, resultados, treinos, encontros, pertencimento ao grupo e envolvimento com a marca.

O ato de relatar pode ser visto como o que Paula Sibilia (2008) define como um espetáculo do Eu, um show percebido nas redes sociais como um ato de projeção, no qual as pessoas acabam tornando-se os produtos a serem “comprados”, ao serem seguidos e visualizados. Os seguidores (fãs) não só consomem as mensagens veiculadas como também ajudam a propagá-las nas interações que fazem nas redes sociais. Nesse processo, o sujeito vira uma mercadoria, um produto à venda. Quanto mais usa a internet, mais gera dados sobre si, hábitos e preferências de consumo. Textos e imagens pessoais são gerados nesse relato de si, como afirma Sibilia (2015, p. 64). 

Tais relatos do Eu podem ajudar a construir uma identidade virtual em comunidade ou grupos e fazem parte da chamada construção de fachada, na qual um indivíduo quer impressionar o outro e ser bem aceito (GOFFMAN, 2012). Essa construção do Eu realizada pelo celular envolve uma identidade projetada pelo corpo. O bem-estar, a estética, a energia corporal e outras preocupações da modernidade (BRETON, 2013) são passados pelos dispositivos com o uso combinado de diversos aplicativos, como fotos (Instagram) e o Facebook móvel . 

O uso do corpo e de sensorialidades como as artes marciais, o shiatsu e a corrida tratam do “uso de si” e da unificação do sujeito, atesta Breton (2013). Para ele, o corpo é usado para ser um mediador das relações, já que se fala com o corpo. A exploração de si, o bem-estar corporal e outras sensações ligadas à corrida, por exemplo, são modos de colocar o corpo como um “capital”. Nesse sentido, o ato de se cuidar, perder peso, melhorar a disposição são investimentos que podem funcionar como sinalizadores de uma “estilização da vida”. No “uso físico de si”, há adoção de signos de saúde, forma e juventude. O corpo é posto em evidência e por si só pode ser um elemento de inclusão na interação, pois carrega elementos (como condutas certas) para se agir em grupo.

O sentimento de existir no grupo de corrida Nike Run Club Rio de Janeiro é reafirmado pelas postagens (mensagens e fotos). As trocas dentro do grupo permitem que um esporte considerado individual seja visto como um ritual de inclusão, no qual cada ator está presente por meio do corpo e se liga a outros indivíduos com a mesma finalidade: a corrida.

Referências Bibliográficas:

BRETON, D. L. Antropologia do corpo e modernidade. Tradução de Fábio dos Santos Creder 

DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 2014.

GOFFMAN, E. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fabio Rodrigues Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. ______.

A representação do eu na vida cotidiana. Tradução de Maria Célia Santos Raposo. Petropólis: Vozes, 1985. 

SECOM – Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2014: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: Secom, 2014. 

SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: a alquimia dos corpos e das almas digitais à luz das tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.

Corre Junto: Como as práticas de corrida estão sendo apropriadas pelas marcas