Por Ricardo Freitas | Agosto 2019

A violência e o medo são assuntos recorrentes na sociedade contemporânea, estando constantemente presentes nas narrativas dos veículos de comunicação de massa, das redes sociais, da indústria de entretenimento e das conversas informais entre amigos. Em todas essas mídias, há uma preocupação constante sobre os perigos a que as pessoas estão submetidas, favorecendo a criação de seguros de diversas naturezas que tentam protegê-las das intempéries, das doenças epidêmicas, dos roubos e furtos, entre outras tragédias cotidianas. Além disso, convivemos com medos internacionais como o terrorismo e as guerras entre países, mas também em relação ao mercado global das bolsas de valores. No Brasil, além desses temores, ainda percebemos o ódio a alguns partidos políticos que implicam o medo à violência de seus adeptos. Ódio, violência e medo são importantes palavras-chave na tentativa de compreensão da sociedade contemporânea, especialmente se nos ativermos às narrativas midiáticas que tratam de questões políticas, econômicas e sócio-culturais sobre o cotidiano urbano.

(…) é necessário constatar antes de tudo que as carnificinas, os massacres, os genocídios, o barulho e a fúria, ou seja, a violência em suas diversas modulações, é a herança comum a todo e qualquer conjunto civilizacional (..). Assim, apesar de um certo alarmismo jornalístico e político, que não é exatamente desnecessário, é importante que saibamos compreender esse fenômeno com o máximo de serenidade possível (Maffesoli, 1987, p. 13)

O conflito é um ingrediente fundamental à organização da sociedade e um importante valor-notícia da comunicação social contemporânea. O valor-notícia é uma espécie de orientação editorial que elege os assuntos jornalísticos mais relevantes para cada mídia e audiência, como a violência urbana, por exemplo. Em relação ao conflito, reiteramos Simmel, quando o interpreta como conteúdo fundamental à organização da sociedade (2004, p. 355), visto que une na mesma luta os seus opostos, evidenciando a impossibilidade de rejeição sem adesão. O conflito implica um diálogo de apoio, mesmo em situações de dissenso, o que significa uma comunicação baseada no reconhecimento dos fatos entre as partes envolvidas.

No mundo contemporâneo, com a pluralidade de mídias e mensagens, os conflitos também crescem de forma exponencial, transformando a vida do consumidor num inferno cotidiano em que as telas muitas vezes guiam seus afetos e lhes causam incessantes frustrações. Han (2017) lembra que a sociedade da transparência, na qual se coloca em circulação uma quantidade expressiva de informações e de imagens, não gera qualidade de verdade. A overdose de informações em circulação favorece um panorama de pouco reconhecimento e memória dos fatos midiáticos a médio e longo prazos. Segundo o autor, a sociedade contemporânea caracteriza-se pelo estado geral de depressão decorrente das exigências de desempenho produtivista e do proveniente cansaço. Mas, ao mesmo tempo, a indústria de serviços oferece alentos a muitos dos estresses cotidianos. Entre eles, destacamos o exponencial crescimento de seguros e proteções para diversos males das sociedades, como roubos, furtos e calotes, além de desastres naturais em que bens ou vidas sejam perdidos. O medo é o afeto mais recorrente utilizado como argumento de convencimento para o consumo dessas apólices, sendo amplamente estudado pelas ciências atuariais e da informação. As diversas mídias são fontes importantes para o incentivo ao medo e as consequentes tentativas de combatê-lo por meio de prospecções matemáticas que se convertem em dinheiro, levando “segurança” a seus consumidores. O medo, então, passa a ter importância mercadológica de maneira a pautar o jornalismo e a publicidade, estimulando, dessa forma, a indústria de seguros.

Na contemporaneidade, o medo continua sendo um forte argumento no cotidiano das cidades e nas diversas produções midiáticas (Zizek, 2014), como no cinema, nas telenovelas, na imprensa e mesmo na publicidade. O perigo está em toda parte e, portanto, a necessidade de controle também. As esquinas das cidades, os meios de transporte, os contatos sexuais, o mercado de trabalho, entre outros, são cenários em que a mídia, nas suas variadas modulações, exacerba em conteúdos sobre os medos. Nesse mundo de perigos de todos os tipos e para todos os consumos, algumas palavras têm efeito mágico, como: corrupção, latrocínio, atentados, terrorismo e epidemias. O medo se revela no outro, mas, sobretudo, nas mensagens explícitas ou implícitas na mídia. Marc Augé corrobora essa ideia (2013) quando afirma que a atual lista de medos é interminável, do caos climático aos acidentes cotidianos. Com isso, são propostos ou sugeridos seguros de toda ordem, além de residências protegidas e shopping centers. Paul Virilio acrescenta a esse inventário de medos, as doenças, os alimentos contaminados, o terrorismo, os vírus tecnológicos (2010).

Num cenário de comunicação, cidade e consumo, percebemos que a brutalidade e o medo são atores fundamentais nas engrenagens financeiras baseadas no horror cotidiano. O consumo de notícias sobre violências, assim como as apólices de seguros, configuram um mundo de negócios que se aproveita das inseguranças cotidianas para retroalimentar suas razões de existir, num perverso modo de produção de necessidades.

 

Referências:

AUGÉ, Marc. Les nouvelles peurs. Paris: Payot e Rivages, 2013.

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.

MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. São Paulo: Vértice, 1983.

SIMMEL, Georg. Philosophie de la modernité. Paris: Payot, 2004.

VIRILIO, Paul. L’administration de la peur. Paris: Textuel, 2010.

ZIZEK, Slavoj. Violência. São Paulo: Boitempo, 2014.

A comunicação, a violência e o medo