Por Gustavo Lacerda | Junho 2019

As horas passam e você não quer estar dentro de um casebre interiorano, sabendo que, a cada minuto contado, um mar de resíduos ganha força e promete romper todos os cômodos do seu cotidiano. Materiais, imateriais. Memórias, patrimônios. Vilarejos, cidades, cidadãos.

Em 2016, alguns meses após o rompimento da barragem de rejeitos de Mariana, em Minas, Gerais, e cujas consequências são e serão incalculáveis, a rapper britânica de origem tâmil, M.I.A., lançava o videoclipe de GO OFF, o primeiro do quinto álbum de sua carreira, A.I.M..

Na época, o jornalismo noticiava, sobre a peça audiovisual, tratar-se do primeiro videoclipe “sem pessoas nele”; ou davam destaque a uma menção ao jogador Neymar – na qual a artista imprime, inclusive, certo sarcasmo.

Não tocou a imprensa o fato de se tratar de uma produção – dirigida pela própria cantora, inclusive – que evoca princípios da linguagem documental, de apelo político, através do qual se evidencia e se denuncia a exploração de minas e pedreiras que, mais tarde, cederão lugar a imensos reservatórios capazes de comportar milhões de metros cúbicos de rejeitos e resíduos.

As imagens do videoclipe são impressionantes!

Só não pareceu impressionar a imprensa, as grandes corporações que exploram o minério e, sobretudo, as autoridades, responsáveis por elaborar políticas públicas e fiscalizar tais ações. Um dos comentários postados na página do Youtube, na qual o clipe está hospedado, porém, traduz de forma tocante e, da mesma forma, sutil, quase aleatória, as impressões de um internauta: “cerca de um ano e meio depois [do lançamento] e esta música ainda não tem a atenção que merece”.

Para além do registro imagético de M.I.A., cujo objetivo é tornar público e acessível o conhecimento sobre a capacidade predatória de tais atividades, suas letras são contundentes sobre uma solução possível para a sua prática: “atire neles!”. “Eles”, no caso, os exploradores em terra(?).

De volta ao casebre interiorano de qualquer cidade que, hoje, agora (hora real), encontra-se no caminho mais oportuno a ser descoberto por tais lamas fatais – a história recente já nos mostrou que não se trata de uma incompetência pontual –, coloque-se vulnerável!

Não se trata de propor uma caça aos algozes, nos moldes da política fluminense protagonizada por Witzel, mas àqueles que “explodem o lugar onde eu vivo” – letras de M.I.A.

E esse lugar ainda existe em vários outros lugares do Brasil e do mundo. É onde crescemos, tecemos nossas histórias junto àqueles que estão em nosso entorno. É onde corremos nosso cotidiano. Material, imaterial. Lugares onde se projetam memórias, erguem-se patrimônios.

Eis a condição real imposta na contramão a nós, moradores do mundo: a possibilidade real de vilarejos, cidades e cidadãos serem ceifados das horas que não param de passar.

Não é apenas um videoclipe: atire neles!