Por Érica Fortuna | Junho 2019

Todo mundo lucra com o medo e, consequentemente, com a insegurança, menos o cidadão que as sente, porque não percebe que está sendo usado, já que o medo é parte integrante da condição humana. (RANGEL, 2015, p.25).

A cobertura policialesca dos jornais está permeada pela sensação de medo e insegurança. Por conseguinte, a necessidade de medidas repressivas aparece de forma evidente. Isso pode ser observado quando o jornal fala sobre a falta de policiamento nas ruas e praias, ônibus que não foram parados em blitz de policiais para revista de possíveis criminosos, casos reiterados de furtos e roubos, além dos relatos de pessoas que mudam suas rotinas apavoradas com a violência na cidade.

As representações produzem sentidos que querem parecer consensuais. Dessa forma, pleiteando segurança e proteção, a população acredita que o encarceramento e o endurecimento da pena são medidas úteis e urgentes, mas se esse fosse o caso o Brasil seria um país extremamente seguro, posto que possui uma das maiores populações carcerárias mundiais.  De acordo com Nilo Batista, “o novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria ideia da pena: creem na pena como rito sagrado de solução de conflitos” (2003, p.4).

A sensação do medo traz a necessidade de encontrar um culpado. Um motivo “real” para sentir medo. Nesse sentido, o pânico moral se direciona a grupos estigmatizados que passam a ser conhecidos como “demônios populares” (Cohen, 1972). Com base na nossa pesquisa de mestrado[1] identificamos que os jovens, em sua maioria, negros e moradores de lugares mais pobres assumem esse papel especialmente no ano de 2015. Segundo o Cohen (1972), o temor pode até ser infundado, mas produz efeitos concretos. O medo sem fundamento traz a necessidade da personificação do mal. É nesse momento que os “menores de idade” têm sido considerados o grupo marginalizado responsável pela “onda de crimes” e pelo medo que supostamente assombra a cidade.

Escolhemos a tradução “demônio popular” e não demônio público seguindo os estudos de Letícia Matheus e Pedro Henrique Silva, os autores explicam por que adotaram essa expressão:

Estabelecidos inicialmente como ameaçadores, os elementos desviante são batizados como “demônios populares”, forma pela qual estamos traduzindo o termo original folk devils. Eles encarnam o pânico ameaçador em sua figura e são o alvo posterior de uma identificação moldada em parâmetros morais, contra o qual haverá reação da sociedade igualmente pautada por parâmetros morais (MATHEUS e SILVA, 2014, P.148).

Com base nos estudos de Rangel (2015), basta um crime ocorrer e tomar proporções midiáticas que logo começam os discursos sobre a necessidade de leis mais severas, novos tipos penais e vedação a direitos já consagrados pelo Código Penal e pela Constituição Brasileira, como: indulto, fiança, substituição de penas privativas de liberdade por restritiva de direitos, progressão de regime, aumento do tempo de prisão para livramento condicional e, principalmente, quando falamos em responsabilização de jovens, a diminuição da maioridade penal.

A diferença e a falta de empatia com o outro alimentam o ódio. O “clamor” pelo reforço de leis nos parece a consequência concreta do medo que irradia pelas ruas da cidade. O Estado aproveita esse temor e apresenta medidas como a redução da maioridade penal de maneira que se torne solução à violência urbana. A sociedade, por sua vez, vislumbra a possibilidade de proteção e segurança apoiando essas medidas. No entanto, a solução encontrada não resolve o problema ou aprofunda questões que merecem ser enfrentadas.

No cenário legislativo, interessados em angariar votos, políticos propõe medidas repressivas superficiais que não solucionam, mas respondem a necessidade da população. É um processo cíclico que se retroalimenta. Podemos confirmar esse entendimento quando verificamos as palavras do Deputado Beneditino ao propor a PEC 171/93 (conforme demonstrado no primeiro capítulo). Ele utiliza a mídia como principal argumento para ressaltar o medo e comprovar que a maioria dos crimes são cometidos por jovens “menores de idade”, reafirmando a necessidade de providências que contenham a violência. No entanto, mesmo com intuito precípuo de passar a informação, não acreditamos que seja papel da mídia comprovar estatísticas sobre índices de criminalidade no Estado ao ponto de embasar um projeto de emenda constitucional. Para Rangel (2015), a cultura do medo produz a política do medo e estabelece um jogo:

Enquanto as pessoas tiverem medo, ele [político] está seguro no cargo público para o qual foi eleito. Ele neutraliza o medo em cima das pessoas e as manipula, por meio da mídia, que faz parte do teatro. Manipuladas e amedrontadas, cria-se uma obsessão pela segurança (RANGEL, 2015, p.12).

Em um processo cíclico que criminaliza os jovens, adolescente supostamente infrator se torna o vilão da história e a solução encontrada é apenas uma: o encarceramento. Assim, o mundo se movimenta sob estratégias questionáveis de segurança que fomentam a injustiça social, o conflito e a violência de forma global.

 

Referências:

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan 2007.

BATISTA, Nilo. Mídia Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Disponível em: <http://bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=batista-nilo-midia-sistema-penal.html>. Acesso em: 30/05/2019

COHEN, Stanley. Folk Devils and Moral Panics. London: Routledge, 2004 [original: MacGibbon and Kee, 1972].

FORTUNA, Érica Oliveira. “Aprisionados” pela mídia: Representações da redução da maioridade penal pelas páginas no jornal O Globo. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2017.

MATHEUS, Letícia Cantarela; SILVA, Pedro Henrique. O herói e o desviante: medo e euforia no noticiário policial. In: Revista Intertexto, n. 3. Ed. dezembro, ano 2014. Porto Alegre: Intertexto 2014. P. 142-161, dez. 2014.

RANGEL, Paul. A redução da menor idade penal: avanço ou retrocesso social?: a cor do sistema penal brasileiro. São Paulo: Editora Atlas, 2016.

 

[1] FORTUNA, Érica Oliveira. “Aprisionados” pela mídia: Representações da redução da maioridade penal pelas páginas no jornal O Globo. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2017.

 

“Clamor” por medidas repressivas nas páginas do jornal