Por Daniela Menezes Neiva Barcellos | Janeiro/2019

Quantas reflexões podemos construir sobre corpo, consumos e comensalidade na cidade? Quantas tecemos sobre os afetos na publicidade? A chamada para o dossiê Comunicação, consumos e cidades da revista Interin, publicação semestral online do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (PPGCOM/UTP), nos mobilizou nessa busca. Afinal, experienciamos múltiplas ressignificações na cidade, lugar de produção de subjetividades e afetividades que se inscrevem nos corpos dos indivíduos. Transitamos entre consumos motivados pelos mais díspares apelos e desejos. Esse é um exercício que nos exige equilíbrio para lidar com os afetos no meio do caos das urbes.

Fonte: EM TEMPO REAL

E nas questões sobre comensalidade, nada é tão claro como parece. Múltiplas bricolagens (CARVALHO, 2013), inclusive nas mídias, impõem muitos paradoxos ao longo do caminho. Sentidos e significados são postos e trabalhados a partir de distintos interesses.

Inspirados a integrar esse dossiê, resolvemos tratar da temática do afeto em uma narrativa midiática. Voltamos o nosso olhar ao consumo de uma marca de refrigerantes que desencadeia intensos debates nos espaços sociais, culturais e biomédicos, por meio de um filme-propaganda intitulado Regras da casa.

Partimos de uma perspectiva antropossocial, considerando a constituição dos corpos na sociedade de consumo, num contexto de hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2014).

Cada cena, cada garimpo de subjetividades, fez o percurso analítico instituir-se provocando reflexões sobre a sociedade de consumo contínuo e ininterrupto em que estamos imersos, lugar em que manuais e guias explodem com dicas para o bem viver.

Compreender que vivemos ciclos e tendências num mundo líquido moderno, conforme indica Bauman (2008), que aponta para um impacto importante no modus vivendi dos sujeitos de nosso tempo, auxilia o entendimento de que uma mercadoria deve manter-se atraente, desejável e, sobretudo, viva e em evidência.

Mas, afinal, como uma empresa ávida por arrebanhar e fidelizar consumidores, como a Coca-Cola, cuja propaganda é objeto de análise deste estudo, consegue se manter líder no mercado mundial com produtos que vão na contramão do forte movimento que prescreve a alimentação saudável como forma de estar no mundo e nele permanecer por mais tempo?

Fonte: Brazil Journal

Que recursos, nesse jogo de subjetividades, essa empresa utiliza para ter seus produtos nas prateleiras dos mercados e garantir a posição que ocupa mundialmente? Essas questões foram norteadoras em nossa análise e suscitaram reflexões importantes sobre a sociedade do consumo, o mercado e as mídias. Mas é preciso sublinhar que foi a comensalidade que fez o movimento de transversalidade no estudo. Olhamos as mesas física e virtual e refletimos sobre as emanações que delas se desprendem.

Comer à mesa é, para este estudo, um movimento comunicacional e nos conecta a dimensões humanas de muitas ordens, objetos de estudo de várias ciências. Assim, sob a perspectiva sobre corpos, com o auxílio de Ferreira (2011), fomos levados a buscar a compreensão do que são os corpos, a partir do olhar das artes e da filosofia.

Fonte: EXAME

Do conceito de corpos, abordamos o de comensalidade que propomos neste estudo. Trata-se de desvelar a amplitude que tem para nós o ato de comer. Como ato deflagrador das vibrações da comensalidade não se restringe a com quem se come; mas, de forma mais abrangente, onde se come, como se come, por que se come, quando se come e qual o estado de alma que se expressa no ato de comer.

Lançamo-nos, assim, ao filme-propaganda, sua descrição e às análises. Reproduzimos os frames e os descrevemos para que, à medida da abordagem às legendas, às imagens, à música e à paleta de cores, conseguíssemos aplicar os conceitos de corpo e comensalidade com o cuidado de manter o encanto por cada detalhe nesse garimpo de subjetividades valiosos. Por fim, uma reflexão final, concluindo o artigo. Em resumo, os corpos na sociedade de consumo e a comensalidade como afeto familiar nortearam o trabalho e nos permitiram investir nas análises com leveza e atenção. Um mundo de sentidos e significados a cada cena e sua associação com crenças, valores, afetos e emoções transita nas cidades e instiga os indivíduos a fazerem suas escolhas. Bricolagens que hoje se construíram socialmente e alimentam uma rede simbólica e de consumos.

…………

Ronaldo Gonçalves de Oliveira, Daniela Menezes Neiva Barcellos e Shirley Donizete Prado, do Programa de Pós-Graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, são os autores do texto Corpo, consumos e comensalidade na cidade: reflexões sobre os afetos na publicidade.

A análise dos componentes do filme-propaganda Regras da casa desse artigo nos esclarece muitas questões e dão pistas de como os afetos mobilizam nossos consumos. Por isso, recomendamos a leitura do dossiê Comunicação, consumos e cidades, da revista Interin (v. 24, n. 1, 2019). Você terá acesso a esse e aos demais estudos que o compõe. A estrutura desse número se orienta a partir de discussões teóricas das ciências sociais e da comunicação com variados estudos de caso. Ótima leitura.

 

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CARVALHO, Maria Claudia da Veiga Soares. Bricolagem alimentar nos estilos naturais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.

FERREIRA, Francisco Romão. Ciência, arte e cultura no corpo: a construção de sentidos sobre o corpo a partir das cirurgias plásticas. Curitiba: CRV, 2011.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Corpo, Consumos e Comensalidade na Cidade