Por Alessandra Porto | Novembro/2018

Fonte: Wikipédia.

A origem do banho de mar nas praias do Rio de Janeiro está associada a uma história curiosa. No período em que a corte portuguesa se instalou na cidade, o médico de D. João VI recomendou o banho de mar como cura para uma doença que afligia Sua Majestade. Nas cercanias da residência real, o Paço da Quinta da Boa Vista, foi instalada uma “Casa de Banhos”, com vestiário e lugar de repouso para o rei em suas incursões à Praia de São Cristóvão. Tal construção histórica ainda existe, e nela atualmente funciona o Museu da Limpeza Urbana, mantido pela Comlurb. Com a expansão do porto do Rio na direção dos antigos cais de São Cristóvão e Caju, a Praia de São Cristovão desapareceu.

No século XIX, o banho de mar era indicado como tratamento de saúde, principalmente para doenças de pulmão, como bronquite ou tuberculose (LUZ, 1994). Sendo assim, do final do século XIX ao início do século XX, as práticas e hábitos ligados à praia e ao banho de mar ainda estavam associados somente aos aspectos médicos e terapêuticos. O projeto moderno de Rio – que nascia através de Copacabana – era o éden da salubridade (O’ DONNELL, 2013).

Diante de tal cenário, cabe registrar que o termo “banhista” ainda não possuía a acepção comumente empregada na atualidade, referente à pessoa que está em praia, piscina, rio, cachoeira ou parque aquático com trajes próprios para se banhar. Na época, os banhistas eram homens que acompanhavam as moças nos banhos terapêuticos, segurando-as pelos braços para protegê-las de ondas e correntezas. Quando o assunto era banho de mar, a balneabilidade não deveria extrapolar as fronteiras da necessidade. Sendo assim, o mergulho nas águas salgadas possuía uma relação marcada com o comedimento e com a cerimônia. O banho de mar deveria ser aproveitado; porém, exigia roupas de tecido grosso, em geral azul marinho ou de debrum vermelho, calças até os pés, espadrilles de lona e touca.

É importante registrar que, ao se banhar nas águas do mar de Copacabana em trajes sumários no final do século XIX, a atriz francesa Sarah Bernhardt cometera uma verdadeira afronta para a época. Todavia, a ousadia da atriz francesa “plantara as primeiras e tímidas sementes de uma mudança de estilo” (BOECHAT, 1998). Porém, já nas primeiras décadas do século XX, a praia e o banho de mar começaram a ser vistos de outra maneira. O discurso terapêutico viria a se aliar ao desfrute hedonístico no que se refere ao espaço da praia, local que começou a ser visto também como um dos cenários da modernidade que assolava o Rio à beira do oceano Atlântico.

Fonte: Jornal O Globo.

Desse modo, em 1910 o binômio praia/elegância eclodiu como um projeto de inserção definitiva do Rio de Janeiro nos rumos da civilização moderna. E em 1917, o clima era otimista em relação à mudança de hábitos e costumes quando o assunto era praia.

Todavia, no dia 9 de março do mesmo ano, o médico Maurício França, “filho do distinto médico e conhecido industrial Dr. Eduardo França, foi arrastado pelas ondas do mar de Copacabana, morrendo logo após ser socorrido” (O’ DONNELL, 2013, p. 103).  Tal acontecimento chamou a atenção das autoridades para o seguinte fato: se o banho de mar estava se difundindo, caberia aos poderes públicos torná-lo uma prática segura. A partir da trágica morte do médico, Amaro Cavalcanti (então prefeito do Rio) assinou o decreto no  1143 no dia 1º de maio de 1917. A determinação estipulou a construção de seis postos de salvamento distribuídos pela praia de Copacabana, que sinalizavam os trechos onde o banho de mar seria mais seguro. Cada um dos trechos era equivalente a uma faixa de praia delimitada por bandeirinhas, e havia uma embarcação no mar e um poste de observação na areia, para que os “banhistas ou auxiliares” (como eram chamados os nadadores funcionários do município) pudessem trabalhar.

Como medida preventiva, o prefeito determinou também que o banho de mar só fosse permitido no período de 1º de dezembro a 31 de março nos seguintes horários: das 5h às 8h e das 17h às 19h. Aos domingos e feriados, haveria uma tolerância de mais uma hora em cada período.

Apesar do impacto da tragédia, os afogamentos não eram a única preocupação do prefeito Amaro Cavalcanti. O decreto no 1143 legislava também sobre como se comportar à beira mar. Em um dos artigos, o cidadão era obrigado “a apresentar-se com vestuário apropriado, guardando a necessária decência e compostura, sendo expressamente proibidos quaisquer ruídos e vozerias na praia ou no mar” (BOECHAT, 1998, p. 23).

A pessoa que desobedecesse a qualquer artigo do decreto no 1143 teria que pagar uma multa de vinte mil réis. Na falta do pagamento, a punição seria cinco dias de prisão. Mas graças à aristocracia praiana, aos poucos o lado imoral e promíscuo imputado aos trajes de banho era deixado para trás, buscando alinhar-se aos padrões internacionais de modernidade e civilização – sem abandonar as características locais. Não fazia mais sentido associar a exibição de corpos a atos selvagens, uma vez que às margens do Atlântico estaria a vanguarda de um modelo de civilização que, baseado em uma elegância cosmopolita, poderia ser legitimamente definido pelo adjetivo moderno (O’ DONNELL, 2013).

Fonte: Revista Ego (O Globo).

A partir de então, a figura do “banhista” como alguém que está em uma praia com roupas específicas para se banhar no mar finalmente é incorporada à orla carioca, deixando para trás seus significados iniciais. Partindo de tal análise, surgem os primeiros trajes para o banho de mar como lazer – como, por exemplo, o maillot (ou maiô). Inicialmente criado para facilitar o exercício e a natação, o traje de banho havia se difundido pela Europa durante a década de 1910. Na década de 20, o maillot era o traje balneário por excelência no Rio de Janeiro. O maillot se tornou um representante dos signos da modernidade e civilização vigentes, atraindo os defensores da exibição da beleza plástica dos corpos.

Diante desse cenário, surge um novo estilo de vida no Rio de Janeiro, associado a um território específico: a praia. A cidade começava a possuir um cotidiano praiano, onde as elites cariocas exibiam sua elegância através de maillots e para-sóis em uma cidade moderna. E aos poucos a praia passou a ocupar um papel primordial na cultura da cidade, fazendo com que o banhista começasse a adotar alguns apetrechos para melhor aproveitá-la.

Nesse contexto, é interessante destacar que a toalha de praia surgiu por acaso ainda no início do século XX (especificamente no ano de 1902), quando o carioca ainda não havia sucumbido à vida à beira mar. Alegria (s/d) relata que o barbeiro inglês Wallace fora fazer a barba de um cliente; e logo após o trabalho, resolvera dar um mergulho no mar de Copacabana. Quando voltou da água, o barbeiro percebeu que não tinha onde sentar na areia, quando se lembrou da toalha que havia utilizado no trabalho. E assim surgiu a tolha de praia. Já a barraca de praia (também chamada de guarda-sol) apareceu somente oito anos depois da toalha de praia.

De modo natural, a Copacabana da década de 20 deu início à época de exposição do corpo na praia, onde os maillots passaram a fazer parte do cenário, e distinguir-se do resto da cidade era premissa básica. Além da nova fisionomia da cidade (que havia passado a exibir a modernidade às margens do oceano Atlântico), despontavam novas formas de uso do espaço e de vivência da corporalidade, onde a figura do banhista virou uma presença constante.   E quase um século depois, os banhistas continuam aproveitando as praias do Rio de Janeiro, que na contemporaneidade permanecem como territórios emblemáticos da maneira de ser e do modo de viver de quem reside na cidade (CORRÊA, 2009).

Fonte: Pinterest.

 

Referências:

ALEGRIA, João. (Org.). Todos os verões do Rio. (recurso eletrônico). Rio de Janeiro: Arte e ensaio, S/d.

ANDREATTA, V.; CHIAVARI, M.; REGO, H. O Rio de Janeiro e a sua orla: história, projetos e identidade carioca. Coleção Estudos Cariocas, Rio de Janeiro, n.9, p.1-16, dez., 2009. Disponível em:

<http://portalgeo.rio.rj.gov.br/estudoscariocas/download/2418_O%20Rio%20de%20Janeiro%20e%20sua%20orla.pdf  > Acesso em: 28nov. 2018

BOECHAT, Ricardo. Copacabana Palace: um hotel e sua história. São Paulo: DBA, 1998.

CORRÊA, Sílvia Borges. Lazer, trabalho e sociabilidade na Praia de Copacabana.  In: BARBOSA, Lívia et al. (Org.). Consumo: cosmologias e sociabilidades. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.

LUZ, Madel Therezinha. O Corpo da Cidade. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.

O’ DONNELL, Julia. A invenção de Copacabana: culturas urbanas e estilos de vida no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

 

 

O significado de “banhistas” nas praias cariocas: da salubridade ao lazer