Por Flávio Lins | Setembro/2018

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Fonte: Canal Viva

Surgido no Brasil em 1985, já como um grande evento, o festival de música Rock in Rio converteu-se em um espetáculo que extrapolou os muros da Cidade do Rock, bem como as fronteiras nacionais. Mesmo carregando no nome uma homenagem à cidade onde surgiu, o Rio de Janeiro, a alcunha não foi obstáculo para que fosse realizado em Lisboa, Madri e Las Vegas. Outrossim, ao apropriar-se do nome da capital fluminense, o Rock in Rio incorpora e traduz em negócios o gênio de festa e alegria atribuído à cidade.

A cada nova edição do festival, a marca Rock in Rio seguiu espraiando-se em quase todos os setores da vida social. Está presente em alimentos, bebidas, veículos, cursos de inglês, roupas, gomas de mascar e em outras centenas de produtos, além de figurar em anúncios na imprensa e nos mais diversos locais da cidade sede, o Rio de Janeiro. A capital fluminense que, neste início de século, entrou no turbilhão dos grandes eventos, ou na “era de ouro” (O GLOBO, 1º de janeiro de 2013, p.1), imersa em ações de branding de acontecimentos como a Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa do Mundo de Futebol (2014) e os Jogos Olímpicos (2016), tem cada centímetro da cidade disputado por marcas e produtos que querem se fortalecer no imaginário coletivo. O espaço urbano se transfigura em um grande negócio e coloca o Rio de Janeiro na vitrine. A cidade passa a compartilhar suas qualidades e problemas com estes produtos, que por sua vez também interferem no espaço urbano e na (re)construção do imaginário destes lugares.

No passado, a marca e o evento Rock in Rio eram eclipsados nos intervalos entre uma edição e outra do festival, mas, atualmente, graças a novidades tecnológicas, como a internet, a fogueira da marca Rock in Rio é alimentada continuamente pelas possibilidades que transbordam de suas plataformas on-line, uma vez que a “cultura digital coloca à disposição do mercado toda uma gama de processos interativos” (CASTRO, 2012, p. 194), que envolve o “consumidor como parceiro e fã de determinada marca, produto ou serviço” (CASTRO, 2012, p.188), infiltrando-se a marca, no caso do Rock in Rio, no cotidiano, de tal forma que o contato com ela torna-se inevitável, o que se estende às demais que se colam ao evento.

O crescimento e a consolidação do festival, desde o início transformado em uma atração da emissora líder de audiência no Brasil, a Rede Globo, assim como a sua dimensão, solução encontrada pelos realizadores para dar forma a um evento de custo alto, configuram-no como um fenômeno que chama atenção pela sua ampla visibilidade e volume de negócios produzido. Mas a surpresa e o diferencial em relação a outras iniciativas do gênero acontecem de fato dentro da arena do festival, onde marcas e artistas disputam a atenção do público em pé de igualdade, condição capaz de escandalizar momentaneamente, embora a maioria seja levada ao arrebatamento. Em 2015, por exemplo, os fãs-consumidores puderam optar entre acompanhar ao mesmo tempo um show da cantora pop Katy Perry ou experienciar um dos brinquedos, como o X-treme da companhia telefônica Oi, a montanha-russa da fabricante de óculos Chilli Beans, a roda-gigante do Itaú e da Prefeitura do Rio, ou ainda cochilar em um colchão Ortobon, rebolar com uma escola de samba na Rock Street, mudar o visual com os produtos de beleza da Niely Gold e até se casar na capela abençoada pelos deuses do rock.

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Fonte: IG

Limitar a cidade mágica criada por Roberto Medina a conceitos como shopping center e parque temático é ignorar as inúmeras possibilidades sensíveis da cidade do rock, ainda que o mix de lojas e brinquedos explicite que o festival é um lugar de consumo e um espaço lúdico. Arranjo que sinaliza como uma nova possibilidade para o formato shopping center, dominado pelo entretenimento. Pois ainda que estes permaneçam um negócio milionário e a pleno vapor, apresenta sinais isolados de esgotamento. Contrapô-lo ou alinhá-lo com o lendário Woodstock também pode ser equivocado, já que no Rock in Rio vive-se e compartilha-se a liberdade e os sonhos possíveis a um tempo e a um espaço controlados, elaborados por especialistas constantemente desafiados a controlar o incontrolável.

Atrair públicos massivos e visibilidade nacional e internacional para um festival de marcas é o papel do line-up, bem como das demais atrações. Assim, dado aos múltiplos desdobramentos que acontecem dentro da arena do Rock in Rio, surge a pergunta: o que é esse acontecimento? Do que se trata?  É um shopping, um parque temático ou um festival? Ou seria um mix de tudo isso? A liga afetiva, com cerca de cem mil pessoas/dia, que une o público todas as noites, aponta para que no compartilhamento de emoções habita a verve deste negócio e é aí que encontramos a veia por onde se infiltram as marcas de pessoas e coisas.

Em função do complexo sistema de entretenimento que se tornou o evento, com desdobramentos on-line e off-line expressivos, converteu-se em um produto modelar da indústria criativa brasileira, abundante em tecnologia e criatividade, ainda que a proporção de seu impacto midiático perfile-o ao lado dos maiores da indústria cultural. Depois de se consolidar na Europa, seguiu para Las Vegas (EUA), uma espécie de Meca do entretenimento mundial, tendo sempre como parceiros grandes empresas. Mesmo tendo encontrado dificuldades em sua primeira edição norte-americana, apresentou um espetáculo que materializava o próprio gênio da cidade e dos Estados Unidos, o espetáculo como grande negócio e oportunidade de comunicação.

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Rock in Rio Las Vegas. Fonte: OFuxico

Observando os desdobramentos do seu projeto de comunicação antes e depois de acontecer, acreditamos que é na efetivação da reunião massiva e nas possibilidades sensíveis de comunicação ao vivo, face a face, que se encontra o dogma de sua sedução. Para tentar compreender este fenômeno comunicacional, encharcado de afetos e marcas, seria plausível a utilização de teorias que legitimassem o potencial de suas estratégias de marketing e do capital investido, mas preferimos nos valer de reflexões que abordam as origens remotas destas manifestações e seu entrelaçamento com o tempo e o espaço que os contém.

Ocupando amplo espaço na mídia, falar sobre os grandes eventos tornou-se rotina popular. Admirá-los, criticá-los, conhecer os valores investidos e os desviados, os artistas envolvidos, os parceiros, os benefícios e os prejuízos para o urbano, observar a construção das arenas e as modificações do entorno, estar presente durante a sua realização. Tudo isso passa a compor espetáculos dos quais se torna difícil se esquivar, dado o seu espraiamento a todas as entranhas da vida social. A palavra legado é incorporada a múltiplos discursos. Enquanto a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas são realizadas em um país com longos intervalos de tempo, um festival como o Rock in Rio tem um caráter cíclico abreviado. Ainda que a raridade e a excepcionalidade de um grande evento ampliem o seu impacto, como acontece com as Exposições Universais, realizadas a cada cinco anos, sediar um festival de música de grandes proporções como o Rock in Rio, mesmo com intervalo e impactos menores, impõe ao coração das cidades um pulsar intenso e com amplos desdobramentos.

 

*Texto baseado na tese do autor.

 

Referência

CASTRO, Gisela G. S. Entretenimento, sociabilidade e consumo nas redes sociais: cativando o consumidor-fã. In: ROCHA, Rose de Melo; CASAQUI, Vander. (Orgs.). Estéticas Midiáticas e Narrativas do Consumo. Porto Alegre: Sulina, 2012.

A natureza multifacetada do Rock in Rio