Por Ângelo Duarte| Julho/2018
O megaevento Copa da Rússia 2018 tem muita coisa em comum com a Copa realizada no Brasil, em 2014. Este texto não analisa táticas de futebol, chuteiras bacanas, muito menos os cabelos do Neymar Jr., nosso camisa dez, superado na bola por Mbappé, 19 anos, da campeã França. A ideia é levantar alguns questionamentos sobre os custos, o uso do dinheiro público pelos governantes e o legado desses megaeventos. Um breve levantamento de matérias publicadas pela imprensa escrita sobre a cobertura dos megaeventos, ajudam de alguma forma, a indagar o que se passa nos bastidores de uma Copa do Mundo, organizada pela FIFA.
Os números iniciais podem impressionar. O Brasil gastou R$ 25 bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) com a Copa de 2014. Superou os gastos dos eventos anteriores, realizados na África do Sul, em 2010, que desembolsou R$ 7 bilhões, e na Alemanha, em 2006, que gastou R$10 bilhões. O Comitê Organizador Local (COL) da Copa da Rússia divulgou um gasto de R$ 38 bilhões, aproximadamente. As cifras estão arredondadas, em reais.
As cidades disputam o privilégio de sediar um megaevento, o que possibilita reconfigurar o seu espaço urbano e projetar sua imagem internacionalmente, atraindo turistas e negócios.
Em seu artigo Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro, Carlos Vainer argumenta que por trás da realização dos Jogos Olímpicos de 2016, por exemplo, está uma trajetória ao longo da qual uma nova concepção de cidade e de planejamento urbano se impôs entre nós.
Vainer nos lembra que, desde a gestão de César Maia, 1993, uma nova coalizão de poder foi sendo consolidada, possibilitando, entre outras coisas, com maior intensidade, as parcerias públicas-privadas. Assim como também, preparar o Rio de Janeiro para os megaeventos.
Para Vainer, a cidade de exceção é aquela que substitui o diálogo dos representantes eleitos pelo voto, vereadores, deputados, sociedade civil organizada, etc., por empresários que influenciam as decisões do poder. O que está em jogo nas administrações atuais é a comercialização do espaço urbano. Para o geógrafo britânico David Alan Harvey, os eventos são “máquinas de fazer lucro” e “formas incorpóreas de investimento do capital”, ressaltando-os como uma das marcas da condição pós-moderna. Ao invés de se investir na produção de bens duráveis como se fazia na modernidade, hoje é mais rentável apostar em espetáculos de rápido retorno: “O colapso dos horizontes temporais e a preocupação com a instantaneidade surgiram em parte da decorrência da ênfase contemporânea no campo da produção cultural de eventos, espetáculos, happenings e imagens de mídia” (HARVEY, 2011[1989], p. 61).
Uma breve leitura da revista Época de 19/06/2013, em matéria publicada com o título “Copa de 2014 será a mais cara da história”, traz uma afirmação do então secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke, de que a Copa de 2014 iria gerar um lucro de U$4 bilhões para a entidade.
O estádio em que a seleção “canário pistola” estreou na Rússia (Brasil 1 x 1 Suíça), em Rostov, custou R$1 bilhão, segundo matéria publicada no site da BBC, em 17/06/2018, assinada por Ricardo Senra. Relata o jornalista, que em menos de 100 metros do estádio não há saneamento básico, idosos carregam pesados baldes com água e ratos cruzam o caminho das ruas. Como na Rússia, o Brasil construiu ou reformou 12 estádios. Assim como no Brasil, vide o caso da Arena da Amazônia, na cidade de Manaus, é provável que na Rússia o governo tenha dificuldades para obter renda compatível com os gastos de manutenção.
No Rio de Janeiro, as obras de reforma no Estádio Mário Filho, Maracanã, para a Copa de 2014 ultrapassou R$1 bilhão. O que ficou de legado?
Assistimos no Rio de Janeiro uma verdadeira ressaca pós Copa 2014 e Rio2016. Em 2013, durante o governo de Sérgio Cabral, as empresas IMX, de Eike Batista, Odebrecht e AEG formaram um consórcio e assumiram a operação da nova “arena padrão Fifa” por 35 anos. Após menos de quatro anos, os administradores saíram do ex-“Maior do Mundo”.
O palco da final da Copa 2014 não chegou a ser usado pela seleção comandada por Felipão e Parreira, eliminada pelos campeões alemães por 7×1. O novo Maracanã padrão FIFA gera, atualmente, custos altos para os clubes cariocas. Enquanto o estádio estava em obras para atender as exigências da FIFA, a escola pública municipal Friedenreich, em volta do estádio, foi ameaçada demolição, e o Estádio de Atletismo Célio de Barros teve sua pista olímpica asfaltada, suas arquibancadas só ficaram erguidas por conta das manifestações contrárias tanto a derrubada da escola quanto do próprio local onde havia a prática de todas as modalidades do atletismo. A arquibancada de concreto coberta, ainda de pé, lembra uma ruína.
Durante a Copa das Confederações, evento teste da Copa do Mundo, o país estava tomado por manifestações. Os custos para a realização da Copa 2014 foram questionados nas ruas, que pediam transporte público de qualidade, serviços de saúde e educação “Padrão FIFA”. As ruas gritavam “não vai ter copa”!
As Copas vão continuar acontecendo, assim como também os Jogos Olímpicos. As cidades vão disputar o direito de sediar os megaeventos. Mas não é possível fazer diferente? Evitar gastos desnecessários que formam verdadeiros “elefantes brancos”? A Rio2016 deve vários legados, o Parque Olímpico está desativado, famílias que moravam na vila autódromo, em Jacarepaguá, tiveram que deixar suas casas diante de muitos conflitos. O autódromo Nélson Piquet, local que já sediou eventos automobilísticos como a Fórmula 1 e GP de Motocicletas, deu lugar para as instalações de três arenas, dois parques aquáticos, um velódromo e um grande espaço ocupado pela mídia e uma rede de hotel. Ao competir com outras cidades o direito de sediar os Jogos Olímpicos para melhorar seu status internacional, o Rio de Janeiro apresentou provas de que não mediu seus problemas internos. Os megaeventos no país parecem ter acentuado as desigualdades, e os governantes deixaram de transferir seus recursos para problemas mais urgentes tais como: educação, saúde, transporte e segurança.
*Veja ainda a galeria de fotos feitas por Angelo Duarte na página do Lacon no Facebook.