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Congresso em Foco

Por Érica Fortuna | Julho/2018

A cobertura jornalística policial ganhou força no fim do século XX no Brasil, sobretudo com o “boom” do jornalismo sensacionalista nos anos de 1920. Nos últimos vinte e cinco anos, destaca-se a emergência da redução da maioridade penal. Segundo a cobertura dos principais jornais cariocas, a sociedade “clama” por uma solução imediata. Nessa perspectiva, o jornalismo apresenta narrativas que parecem legitimar o endurecimento da legislação penal. De forma cíclica, o público fala sobre o assunto, e o jornal o alimenta com narrativas associativas e repetitivas sem o devido contraditório, o que pode contribuir para o processo estigmatizatório, classificando culpados pela violência urbana.

De tempos em tempos, projetos que visam à diminuição da maioridade penal voltam à pauta legislativa. Esses ciclos obedecem à pressão política de atores sociais que têm interesses no agendamento dessa pauta. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal rejeitaram, inúmeras vezes, emendas que versavam sobre o tema, pois consideraram a alteração da idade penal uma violação constitucional. A recorrência com que as emendas aparecem pode ser observada como termômetro do comportamento social. É evidente que não estamos afirmando que o Legislativo brasileiro seja consuetudinário, mas sofre os impactos das oscilações do poder público.

O art. 228 da Constituição Federal é considerado cláusula pétrea, um núcleo duro que não pode ser alterado pelo poder derivado, que salvaguarda os direitos fundamentais e a democracia do país. A idade penal aos 18 anos foi uma conquista consagrada pela constituinte de 1988. Sendo assim, a alteração dessa norma pode ser considerada um grave retrocesso social[1].

O medo da violência que acomete a cidade e a responsabilização de adolescentes pelos crimes estão diariamente nas páginas dos jornais, no noticiário da TV, nos discursos políticos, na Internet e na fala de muitas pessoas, que, por vezes, reproduzem aquilo que é dito pelos veículos de comunicação. Isso se confirma quando verificamos a redação da proposta de emenda constitucional, elaborada pelo deputado Benedito Domingos (PP – Partido Progressista). O próprio deputado utiliza a mídia como argumento para justificar a necessidade da alteração da norma, tendo em vista que, segundo a imprensa, a maioria dos casos de violência é cometida por jovens menores de idade.

O noticiário da imprensa diariamente publica que a maioria dos crimes de assalto, de roubo, de estupro, de assassinato e de latrocínio, são praticados por menores de 18 anos, quase sempre, aliciados por adultos. A mocidade é utilizada para movimentar assaltos, disseminação de estupefacientes, desde o “cheirar a cola” até o viciar-se com cocaína e outros assemelhados, bem como agenciar a multiplicação dos consumidores. Se a lei permanecer nos termos em que está disposta, continuaremos com a possibilidade crescente de ver os moços com seu caráter marcado negativamente, sem serem interrompidos para uma possível correção, educação e resgate (D.O. 1993, p. 23063[2]).

Fonte: Catraca Livre

O projeto foi publicado em 27 de outubro de 1993, mas não teve continuidade. Por vezes, a interposição de apensos que versavam sobre o tema fez com que a discussão da PEC voltasse ao Congresso, mas não seguiu em frente. Entretanto, em março de 2015, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda constitucional 171/39, que visa à redução da idade penal de 18 para 16 anos, dando prosseguimento ao feito. Independente dos apensos, o texto base da proposta continua sendo o do deputado Benedito.

Da profusão de notícias de violência, veiculadas diariamente pelos jornais que incriminam jovens, foi criada uma Comissão Especial para examinar o conteúdo da proposta de alteração constitucional que discute a maioridade penal. Antes da referida comissão se posicionar, deputados que defenderam (e defendem) a redução estavam temerosos com o não prosseguimento do projeto, e apresentaram um substitutivo para que a diminuição da maioridade penal fosse restrita aos crimes hediondos. Apesar de parecer uma proposição limitadora, deputados contrários à redução acreditam que foi uma manobra articulada para que o projeto continuasse o seu trâmite, mesmo que de forma prejudicada. Nesse sentido, no dia 17 de junho de 2015, a Comissão Especial da Câmara deu parecer favorável ao relatório que trouxe a alteração do texto. De acordo com o processo legislativo, o projeto de emenda constitucional ainda precisa da aprovação de 3/5 de cada Casa, em dois turnos.

No dia 30 de junho de 2015, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de redução da maioridade penal no primeiro turno da votação. Importante salientar que, no dia seguinte à votação, o presidente da Câmara colocou em pauta e conseguiu a aprovação da polêmica emenda aglutinativa[3], que permite a responsabilização criminal de jovens de “16 e 17 anos, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte”, em uma manobra discutível. O então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, disse se basear no regulamento da Casa, mas políticos e juristas alegaram que o procedimento adotado foi inconstitucional. O projeto foi encaminhado para o Senado Federal. Cabe ressaltar que políticos e juristas insatisfeitos com a suposta ilegalidade do procedimento, se uniram para reclamar junto ao Supremo Tribunal Federal. No Senado Federal, a proposta aguarda ser colocada em pauta para votação.

 

Referências

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa. Brasil. 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.

BECKER, Howard S. Outsiders: estudos da sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

RANGEL, Paul. A redução da menor idade penal: avanço ou retrocesso social?: a cor do sistema penal brasileiro. São Paulo: Editora Atlas, 2016.

Câmara Legislativa – acessado em 05/07/2018.

Senado Federal – acessado em 05/07/2018.

 

Notas de fim

[1]Princípio do não retrocesso social ou da proibição da evolução reacionária: uma vez conquistados, direitos sociais e econômicos passam a constituir uma garantia constitucional. Trata-se de um direito subjetivo que, depois de concretizado, não pode ser diminuído ou esvaziado, mesmo que através de lei ou reforma.

[2]http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27OUT1993.pdf#page=10 – acessado em 05/07/2018.

[3]“Espécie de emenda à proposição que se propõe a fundir textos de outras emendas, ou a fundir texto de emenda com texto de proposição principal. Muito usada no momento da votação de proposições em plenárioRICD, Art. 118” – http://www2.camara.leg.br/glossario/e.html – acessado em 27/07/2016.

Pauta do dia: proposta de redução da maioridade penal