Por Igor Lacerda | Julho/2018
O Rio de Janeiro recebeu investimentos nacionais e estrangeiros para sediar megaeventos como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Os investimentos deveriam melhorar segmentos como saúde, segurança, cultura e mobilidade urbana para atender aos turistas durante o evento e ficar como bons legados aos cariocas. Além disso, os legados seriam uma oportunidade de melhorar megaeventos sazonais, produzidos pela própria cidade, como o carnaval e o réveillon. Afinal, a folia e a festa de final de ano têm inestimável valor cultural e econômico para a cidade.
Pare receber os eventos internacionais, o Rio fez investimentos na área de segurança pública. A sede precisou criar um plano detalhado para diminuir a insegurança, se comprometendo a garantir a segurança antes, durante e depois desses eventos. Foram investidos recursos em balões com câmeras que enviavam imagens das instalações esportivas e de seu entorno, em softwares que ajudavam nos planejamentos da segurança pública e em treinamentos de agentes. Inclusive, muito se falou que a experiência adquirida pela cidade ao receber a Copa e a Olimpíada ajudaria na contenção da violência durante o carnaval e o réveillon, tornando esses acontecimentos ainda mais espetaculares. Mas, mesmo depois dessas aquisições, o Rio de Janeiro tem presenciado um aumento nos índices de criminalidade.
Os megaeventos se foram, e deixaram o Rio em um contexto de crise econômica. O vice-governador, Francisco Dornelles, decretou estado de calamidade pública em 17 de julho de 2016, poucos dias antes do início da Olimpíada. O prazo deveria terminar em 2017, mas se estendeu, e o estado está em condição de calamidade pública até os dias atuais, há aproximadamente dois anos. Estado de calamidade pública é um termo definido por um decreto de 2010, editado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse decreto estabelece que a Defesa Civil Nacional e o Ministério da Integração Nacional são responsáveis por prestar socorro a estados e municípios vítimas de desastres. Desastre, nesse caso, se refere a eventos adversos, naturais ou produzidos, que causam danos a humanos, materiais e ambientes. Endividado, o Rio ficou sem condições de pagar salários e fornecedores. A crise atingiu principalmente a área de segurança pública.
Em 2018, mesmo com dificuldades financeiras, a cidade se preparou para realizar um de seus grandes eventos: o carnaval. Essa festa traz muitos visitantes que ocupam as redes de hotéis e aquecem o comércio local. Segundo o Ministério do Turismo[1], em dados divulgados no mesmo ano, o Rio de Janeiro é um dos destinos mais procurados durante o carnaval, sendo seguido por metrópoles como São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Olinda. Elas representariam 65% da movimentação financeira do período, se aproximando de R$ 7,4 bilhões. A previsão era que o evento injetasse R$ 11,14 bilhões na economia nacional, resultando em um fluxo de aproximadamente 10,69 milhões de turistas brasileiros e 400 mil turistas estrangeiros. Seria um crescimento de 0,75% no número de turistas, se comparado ao carnaval de 2017. Segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav)[2], a compra de pacotes de viagens para esses destinos aumentou 15% em relação ao carnaval de 2017. O Rio de Janeiro aguardou 1,5 milhões de turistas. Somando aos moradores da cidade, os turistas investiriam 3,5 milhões na economia local. A expectativa era que os hotéis da capital chegassem a 85% de ocupação – 7% a mais que no mesmo evento, realizado em 2017.
Vale lembrar: o carnaval também tem seu valor cultural e simbólico, não somente econômico. Jaguaribe (2013) e Lacerda (2015) explicam que por mais que alguns veículos de comunicação digam que o carnaval perdeu o fôlego, principalmente pela falta de apoio e investimentos por parte da Prefeitura, ele continua vasto, plural e facilitador de encontros. Esse afastamento do poder público pode não ser totalmente negativo, pois a festa tende a adquirir relativa liberdade. O carnaval seria marcado pela ideia de democracia, pois os brincantes estão submetidos aos encontros diversificados e inevitáveis, bem como ao improviso contido em sua realização, o que facilita o ajuntamento de pessoas de diferentes origens, culturas, orientações sexuais e identidades de gênero, perfis socioeconômicos e outros.
Mesmo num contexto de crise e falta de recursos, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PM)[3] divulgou seu esquema de segurança no dia 08 de fevereiro de 2018, um dia antes da abertura oficial do carnaval. A cidade se preparou e se modificou para realizar esse megaevento. As operações começaram na sexta-feira (dia 9) e terminaram na quarta-feira de cinzas (dia 14). Esse plano de segurança colocou 17.110 policiais nas ruas durante a folia. O efetivo mobilizado em 2018 foi aproximadamente 43,4% maior do que o utilizado no ano anterior. Em 2017, cerca de 11.937 agentes patrulharam as ruas do Rio de Janeiro.
A área da Cidade Nova, onde estão localizados o Terreirão do Samba e o Sambódromo, recebeu atenção especial, especialmente durante a noite. Para essa parte da cidade foram escalados 794 policiais militares. Esses agentes foram divididos em 47 veículos, posicionados em pontos estratégicos. Também foi feito o policiamento a pé, dando prioridade aos locais com grande concentração de foliões, desfiles de escolas de samba e blocos. Os maiores blocos foram acompanhados por 2.130 policiais. O Regimento de Polícia Montada (RPMont) atuou no entorno do Sambódromo, na Lapa e no Aterro do Flamengo. O Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur) teve esquema para garantir o atendimento aos turistas, atuando com policiais bilíngues nos principais pontos turísticos, como rodoviária, aeroportos e Sambódromo.
As unidades especiais foram empregadas em missões específicas, mas também estavam de prontidão para atuar em situações de emergência. Entre as unidades especiais é possível citar: Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), Batalhão de Ações com Cães (BAC) e Grupamento Aeromóvel (GAM). O Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) também ficou de prontidão. O Batalhão de Polícia de Choque atuou na área do Sambódromo, e na quarta-feira de cinzas, durante a apuração das agremiações que participaram dos desfiles, atuou na Praça da Apoteose. O Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE) atuou nos principais corredores viários de acesso ao Rio de Janeiro, como Avenida Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha, em alguns momentos recebeu o auxílio do Comando de Policiamento de Área (CPA) para reforçar a segurança na Avenida Brasil. O Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv) patrulhou as vias estaduais, com apoio do Grupamento Aeromóvel. O Comando de Polícia Ambiental (CPAm) reforçou o policiamento nas trilhas.
Esse foi um trabalho integrado. O plano de policiamento foi montado em parceria com a Polícia Civil e a Guarda Municipal. O Comando da Polícia Militar esteve monitorando o esquema de policiamento durante todos os dias do evento no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC). O Centro Integrado de Comando Móvel (carro-comando) ficou em frente ao Terreirão do Samba, recebendo imagens em tempo real do entorno do Sambódromo. Dados retirados do relatório da Polícia Militar[4].
Mesmo com todos os investimentos na área de segurança pública, da experiência adquirida durante os megaeventos e dos treinamentos das polícias civil e militar, a cidade não deu conta de garantir a segurança dos turistas que vieram para o carnaval. Apesar de um plano detalhado para diminuir a insegurança no festejo, as notícias sobre arrastões, espancamentos e roubos ganharam visibilidade em produtos jornalísticos nacionais e internacionais. Notícias que tiveram a possibilidade de fomentar sensações de medo em cariocas e turistas. A junção de narrativas sobre “o carnaval mais violento do Rio”, a escassez de recursos das polícias civil e militar, e o estado de crise financeira causam pânico. E esse sentimento de temor pode fazer com que as pessoas percam ainda mais suas esperanças em algumas instituições ou, ainda, anseiem e apoiem instituições e figuras antidemocráticas.
Instituições autoritárias podem piorar o quadro da violência, afetando principalmente as comunidades mais pobres, que já sofrem tanto com a criminalidade. Com todas as suas limitações, a democracia ainda é a única possibilidade para que as pessoas possam viver o melhor de suas potencialidades. Só a democracia pode oferecer caminhos para conquistar um modelo de polícia unificado e mais apropriado aos princípios democráticos, que seja mais eficiente, menos violento e capaz de cumprir suas funções de forma respeitosa em relação aos direitos e às garantias fundamentais das pessoas.
[1] Ver: http://www.turismo.gov.br/ultimas-noticias/10648-carnaval-2018-injetará-r$-11-bilhões-na-economia-brasileira.html
[2] Ver: http://www.abav.com.br/sp/noticias/carnaval-2018-injetara-r$-11-bilhoes-na-economia-brasileira
[3] Ver: http://www.pmerj.rj.gov.br/2018/02/pm-mobiliza-17-mil-policiais-para-atuar-nas-ruas-durante-o-carnaval-2018/
[4] Ver: http://www.pmerj.rj.gov.br/2018/02/pm-mobiliza-17-mil-policiais-para-atuar-nas-ruas-durante-o-carnaval-2018/
Referências
JAGUARIBE, Beatriz. Imagens da multidão: carnaval e mídia. In: Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós. Brasília, DF, 2013. Disponível em: http://www.e-compos.org.br/e-
LACERDA, Gustavo. A falácia midiática de um carnaval que passou. In: XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, RJ, 2015. Disponível em: http://portalintercom.org.br/