Por Adriana Guimarães Moreira | Junho/2018
As cidades estão em constante transformação tanto do ponto de vista material quanto simbólico. As paisagens urbanas são apagadas, remodeladas ou até mesmo inventadas. Não há neutralidade neste processo, como observado por Denis E. Cosgrove (2008, p. 24), uma vez que as imagens são carregadas de crenças, valores e narrativas discursivas. Além de registrar a memória do processo das intervenções e da própria passagem do tempo nas metrópoles, a fotografia é também um agente comunicacional. Mitchell (2002) ressalta o seu caráter de mediação do homem com o mundo, mas que ela também implica em um controle, uma forma de poder sob o território. Portanto, partindo deste pressuposto, torna-se relevante um brevíssimo comentário acerca da produção de sentido contida na capa do Guia do Jornalista[1], distribuído aos jornalistas credenciados no Rio Media Center (RMC), centro de imprensa da cidade do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016.
Meu olhar é inquieto. É atento a detalhes. Certamente por isso, tornei-me jornalista há 25 anos, 18 deles atuando na área de comunicação corporativa. Assim, depois de passar pelas principais redações do Rio de Janeiro, trabalhei em grandes empresas, onde conheci o mundo dos megaeventos e do planejamento estratégico. A respeito das considerações sobre as estratégias de comunicação, Neves (2000) salienta que o objetivo ideal é a “construção de uma imagem competitiva”, que basicamente consiste em desenvolver, fortalecer e proteger os atributos positivos da imagem da empresa e neutralizar os atributos negativos.
Rock in Rio, Árvore Natal da Lagoa, Carnaval do Rio de Janeiro e de Salvador, Jogos Pan-Americanos 2007, Jogos Mundiais Militares 2011, Copa das Confederações 2013, Copa do Mundo 2014, Jornada Mundial da Juventude 2015 e, finalmente, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Esses foram alguns eventos que participei como profissional de comunicação. Sem dúvida a mais desafiadora aconteceu em 2013, quando fui convidada a integrar a equipe de comunicação da Empresa Olímpica Municipal (EOM), criada pela Prefeitura do Rio de Janeiro para coordenar os projetos da cidade para os Jogos Rio 2016.
Àquela altura a cidade já era um canteiro de obras a céu aberto. O que eu não imaginava era que esse canteiro fosse ainda maior, quando desci 40 metros de profundidade para conhecer as escavações dos túneis que substituíram o Viaduto da Perimetral, obra do projeto Porto Maravilha, considerado a principal intervenção urbana impulsionada pela realização do megaevento.
Em 2016, tive a missão de coordenar o RMC. Foram 7 mil jornalistas credenciados de 103 países. Até que chega o dia de aprovar a edição do Guia do Jornalista. A capa sugerida pelo designer da EOM era uma fotografia com a paisagem da Baía de Guanabara ao fundo com o Pão de Açúcar em destaque. Aquilo verdadeiramente provocou-me uma inquietação. Naquele momento, meu olhar de profissional de comunicação corporativa rejeitou a paisagem símbolo da “Cidade Maravilhosa”. No instante seguinte, substituí a fotografia por outra mais representativa do discurso oficial da transformação do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos: a “nova” Praça Mauá revitalizada pelo projeto Porto Maravilha. Dentro do princípio da comunicação organizacional, Kunsch (2003, p. 169) observa que a assessoria de imprensa é uma mediação entre as organizações e o grande público e que sua aplicação é feita por meio de estratégias com vistas em resultados eficientes. Nesse sentido, as imagens distribuídas para a imprensa compõe o repertório da organização para ser percebida positivamente pelo grande público.
As reverberações do megaevento, tal como observado por Freitas (2011, p. 9), se espraiam pela sociedade, provocando – antes, durante e depois – impactos no espaço urbano. O fenômeno também se caracteriza pelo seu alto grau de midiatização, assumindo aspectos globais através da veiculação da imagem da cidade pelos meios de comunicação, que passa a ser consumida por multidões seja por suas mensagens, produtos e ideologias. Isso permite com que as pessoas recebam por um longo período um grande volume de informações sobre a cidade sob aspectos múltiplos.
O senso comum nos leva a imaginar o Rio de Janeiro quase sempre de forma óbvia. Copacabana, Floresta da Tijuca, Pão de Açúcar e Corcovado são algumas imagens clichês que formam um conjunto de representações construídas presentes no imaginário social daqueles que vivem na cidade e, principalmente, do estrangeiro.
Reconhecida também como palco de grandes festas, como o Carnaval e o Réveillon, a cidade recebeu nos últimos anos uma série de eventos – dos quais participei como profissional de comunicação – que aumentou sua projeção internacional, como a Copa do Mundo, em 2014 e os Jogos Olímpicos, em 2016. São momentos em que Freitas (2011, p. 2) considera que a população resgata a sua autoestima tão abalada por um cotidiano marcado por mazelas, como a miséria, engarrafamentos e a falta de segurança pública. As efervescências sociais provocadas pelo megaevento aumentam o sentimento do “estar-junto”, observado por Maffesoli (2004, p. 32-58) ao atribuir especial importância aos movimentos coletivos dos ajuntamentos. Os grupos desenvolvem uma dinâmica de sociabilidade na qual não se deseja compreender nem conhecer profundamente o outro. Os problemas ficam em segundo plano para viver o prazer do encontro.
Como resultado, o surgimento de paisagens aliadas às reverberações midiáticas dos megaeventos tornam a cidade “vendável”, pronta para o consumo global. O exemplo mais representativo desta transformação é Barcelona, sede dos Jogos Olímpicos em 1992. Além de oxigenar a economia e promover a recuperação de áreas consideradas degradadas, a cidade espanhola promoveu uma grande reestruturação arquitetônica que a tornou referência do chamado “legado olímpico”.
Assim, ao trazer minha experiência profissional para a pesquisa acadêmica, conheço autores que esclarecem a hipótese de que as modificações na paisagem urbana são históricas e que, muito mais do que reformas espaciais, representam intervenções simbólicas da cidade que estão presentes nos dias atuais. O espaço urbano transformado também é criado a partir de uma composição de discursos subjetivos em torno da imagem da cidade desejável, espetacular e ideal. Ao longo de décadas, as narrativas para a promoção de eventos de grande porte nacionais e internacionais e/ou megaeventos no Rio de Janeiro têm como justificativa a celebração da modernidade e do progresso.
[1] Impresso editado pela Empresa Olímpica Municipal, em português, inglês e espanhol, distribuído aos jornalistas credenciados do RMC sobre os serviços oferecidos pelo centro de imprensa.
Referências bibliográficas:
CASTRO NEVES, R. Imagem Empresarial – Como as organizações (e as pessoas) podem proteger e tirar partido do seu maior patrimônio. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.
COSGROVE, D. E. Introduction to Social Formation and Symbolic Landscape. In _______. Landscape Theory. Nova Iorque e Londres: Routledge Taylor and Francis Group, 2008.
FREITAS, R. F. Rio de Janeiro, lugar de eventos: das exposições do início do século XX aos megaeventos contemporâneos. In: ENCONTRO DA COMPÓS, 20., 2011, Porto Alegre. Anais do… Porto Alegre: UFRGS, 2011. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data /biblioteca_1639.doc>. Acesso em: julho, 2016.
KUNSCH, M. M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. 4a ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Summus, 2003.