Por Daniela Menezes Neiva Barcellos | Junho/2018

Resultado de imagem para produção e consumo e vida saudavel
Fonte: Meu pé de Conforto

 

Uma infinidade de fenômenos está presente na construção do tecido social da cidade. Direcionamos nosso olhar agora para um deles: a alimentação. Fenômeno complexo, essencial, revestido de representações ressignificadas cotidianamente e que germina intensas discussões. Neste fluxo de conteúdos circulantes, “naturalmente” percebemos no cenário da urbe o movimento que pontua a importância de olhar a alimentação pelo viés do saudável, que, de modo mais evidente, revela-se como a busca por saúde e bem-estar, no sentido da ausência de doença e desconfortos. As metrópoles, como define Freitas (1996, p. 4), refletem “sintomas de falência do projeto moderno de cidade tentado desde o século XIX; a violência, a poluição, o stress angustiam o homem e o obrigam a tribalizar, inclusive sob o aspecto espacial, seu quotidiano”. Nesse sentido, tais condições legitimam a procura dos indivíduos por consumos que, inclusive, privilegiam atender também suas demandas sociais. De acordo com Mary Douglas e Baron Isherwood (2013, p. 103), ”[…] é evidente que os bens têm outro uso importante: também estabelecem e mantém relações sociais.

Chama-nos atenção neste lugar de especial troca e compartilhamento de saberes, entre as áreas das Humanidades e das Ciências da Saúde, que o saudável expressa contornos mais amplos e forma novos arranjos simbólicos no contexto sociocultural contemporâneo. A alimentação saudável, associada à qualidade de vida, temática não menos inquietante e carregada de sentidos e significados, instiga os consumos imaterial, capaz de movimentar as relações e as representações que alimentam a economia produtora de bens e serviços (Gorz, 2005), e material. Tudo parece contribuir na construção de uma atmosfera de equilíbrio das emoções e bem-estar, face aos estímulos de diferentes ordens. Não faltam apelos para atender essa demanda, tudo de um jeito simples e fácil, mesmo para quem não tem tempo e nem habilidade. Serviços e produtos respondem às buscas cotidianas do indivíduo e podem ser oportunidades éticas para o exercício das escolhas alimentares. Estamos ante um espaço de embates, muitas vezes angustiante, com forte influência da mídia que dissemina e retroalimenta o saudável com diferentes argumentos e opções.

Códigos, símbolos, distinções, visões de mundo, valores, estilos de vida, saberes, práticas do comer e tendências modelam a vida dos indivíduos, especialmente a forma como se alimentam e como cuidam de suas vidas em busca de juventude, saúde e beleza. Bricolagens tecidas ininterruptamente para gerar atitudes e ações na vida das pessoas. Caseiro, artesanal, horta urbana e orgânico são alguns exemplos. Conforme os estudos de Maria Cláudia Carvalho (2013, p. 17), “bricolagem alimentar foi uma estratégia que atravessou as práticas de alimentação […] como um modo de ‘arrumar’ o universo simbólico, uma estratégia de organização dos significados dos alimentos na vida das pessoas”.

Fonte: Vallarta Opina

Entretanto, a busca por priorizar o lado humano, natural, do faça você mesmo é algo marcante nas narrativas midiáticas espalhadas pela cidade, mais um produto do saudável para você. Frente a isso, quais os desafios éticos que precisamos travar cotidianamente nestes embates que se impõe nem sempre de forma clara? Percebemos que para estarmos conectados nesta vibração de consumo fast thinking (Bourdieu, 1997) do “comer certo”, do saudável, estamos também assinando um termo de comunicação de nossa ética, evidenciando de que lado estamos, e como significamos nossas ações e escolhas cotidianas. Temos que estar bem posicionados dentro dos debates que estão em pauta no contexto sociocultural contemporâneo.

A compreensão das apropriações do comer, dos saberes, estilos de vida e tendências circulantes nas narrativas midiáticas impacta nos consumos em torno dos alimentos na cidade, sob o discurso do saudável. Esse cenário nos convida a problematizar os sentidos e significados que inspiram nossas escolhas alimentares, nossos discursos sobre as moralidades de pertencimento nos grupos e, sobretudo, nos permite ter a oportunidade de reflexão sobre que liberdade, de fato, temos.

Referências Bibliográficas:

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Tradução: Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

CARVALHO, Maria Claudia da Veiga Soares. Bricolagem Alimentar nos estilos naturais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.

DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013.

FREITAS, Ricardo Ferreira. Comunicação e espaços urbanos: relação essencial à contemporaneidade. Revista Logos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 3-4, 1996.

GORZ, André. O Imaterial: conhecimento, valor e capital. Tradução de Celso Azzan Júnior. São Paulo: Annablume, 2005.

 

Temos escolha?