Eduardo Ribeiro | Julho 2022

O k-pop é um gênero musical oriundo da Coreia do Sul que vem ganhando mais destaque ao longo dos anos, alcançando inúmeras conquistas, fãs, fama, quebrando vários recordes e dominando paradas de sucesso. Em decorrência disso, o mercado audiovisual coreano também começou a crescer. Os k-dramas (séries/novelas) e filmes estão em uma ascensão constante. A partir do “Hallyu” ou “Onda Coreana”, um sistema desenvolvido na década de 90, é possível medir o quanto a cultura asiática, sobretudo sul-coreana, está sendo transportada e consumida no Ocidente, seja na música, produção audiovisual, culinária, entre outros. 

Esse movimento cultural tem feito com que a “bolha” estadunidense se rompa e que pessoas consideradas amarelas conquistem cada vez mais espaço no mainstream. É o caso de grupos musicais como BTS, BLACK PINK, EXO, Aespa, e de filmes como Parasita (2019), vencedor do Oscar em 2020.  A Netflix e outros grandes serviços de streaming também vêm investindo cada vez mais em produções asiáticas, especialmente as sul-coreanas – com destaque para as séries Squid Game (2021) e All of Us Are Dead (2022), que fizeram grande sucesso no Brasil. A primeira retrata um jogo em que as pessoas sacrificam a própria vida para conseguir uma determinada quantia em dinheiro. A segunda, trata de uma epidemia mortal, na qual as pessoas morrem e retornam como zumbis. Em seu catálogo, a plataforma de streaming possui cerca de 200 produções originais asiáticas. 

Para a pesquisadora, professora e jornalista Krystal Urbano essa evidência da cultura asiática se dá pela importância e cuidado com que as temáticas vêm sendo desenvolvidas. “As séries televisivas asiáticas, especialmente os k-dramas, vêm se revelando um formato privilegiado para o desenvolvimento de narrativas complexas acerca de temáticas e questões profundamente relevantes para a sociedade contemporânea”, afirma Krystal. A pesquisadora acrescenta que isso ajuda a explicar a emergência de uma cultura das séries nos últimos anos, que promoveu o deslocamento da centralidade do mercado e língua anglófonos, como é o caso das séries sul-coreanas, assinalando para uma mudança expressiva em termos de representatividade étnica e cultural no âmbito do audiovisual. 

Para a publicitária Gabriela Leal, o sucesso dessas produções vem da busca por algo novo e inovador. “Acredito que por justamente, ‘fugir’ dos padrões que estamos mais condicionados, sendo esses o americano e o europeu, essas obras trazem elementos não somente da própria cultura coreana, mas também da cultura asiática como um todo”, explica. “Com a ocidentalização de certos elementos da cultura coreana para o consumo mundial, a hallyu wave vem recrutando cada vez mais seguidores.”.

Além de k-dramas, temos também músicas sul-coreanas, que andam quebrando vários recordes e se tornando uma potência musical não-branca – a exemplo, temos o boy group de k-pop BTS, formado por sete integrantes que conquistaram milhões de fãs pelo mundo, inclusive no Brasil. No dia 12 de março de 2022, foi lançada uma campanha mundial que consistiu na transmissão do show do grupo em países da América Latina, e o Brasil estava incluso, acompanhado do Equador, Chile, Argentina, Bolívia, México, Paraguai, Panamá, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala e Curaçao. 

Cada país transmitiu o show do grupo nos cinemas de suas cidades, poucas horas depois do show do grupo ao vivo em Seul, capital da Coreia do Sul. No Brasil, muitos estados passaram o show em seus cinemas, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, que arrecadou cerca de 3 milhões de reais em ingressos vendidos, levando cerca de 73 mil espectadores para as salas de tela grande – comprovando como a potência de um grupo do outro lado do mundo consegue movimentar pessoas e economias de outros países. 

Eduarda Milck, estudante de 15 anos, compareceu ao evento, e disse que acabou sendo uma das melhores experiências vivenciadas por ela. “Foi incrível, eu berrei muito, saí sem voz, dancei, cantei, chorei…foi um dos melhores dias da minha vida”. Mas se engana quem acha que só adolescente faz parte do fandom “army” (fãs do grupo BTS). A produtora cultural, Marina Amora, de 26 anos, também compareceu à atração e disse: “Achei muito legal, foi uma experiência bastante enriquecedora”. 

Ao ser perguntada sobre o consumo e importância dessa cultura não-branca, Krystal Urbano pontua: “É fato que ainda há muitos entraves culturais e ideológicos para que fenômenos musicais não-anglófonos produzidos fora do eixo EUA-Europa sejam legitimados pela indústria da música pop global representada aqui pelo mercado mainstream estadunidense. Contudo, acredito que mudanças recentes ocorridas nos últimos anos vêm apontando para uma perda contínua da centralidade dos Estados Unidos e do lugar de universalidade ocupado pela língua inglesa enquanto idioma padrão da música pop”. 

Krystal ainda dá exemplos de como essa cultura adentra os espaços nas plataformas de sucesso, como por exemplo fenômenos musicais como o reggaeton e o k-pop que explodiram nos últimos anos na Billboard americana e se expandiram pelo mundo. “Representam a face mais aparente dessas transformações no âmbito do pop, à medida em que demonstram que sociedades situadas para além do escopo ocidental se tornaram capazes de fornecer modelos culturais atraentes em termos globais. ” – Acrescenta.

Em 2021, também no Rio de Janeiro, ocorreu um evento chamado “Korea in Rio”, organizado pelo Centro Cultural Coreano no Brasil e pela AsiaColors, com apoio institucional do Museu Naval (DPHDM) e Marinha do Brasil. O evento tinha como objetivo apresentar a cultura, gostos, culinária e música provenientes da Coreia do Sul, e atraiu diversos públicos que se identificam com a cultura oriental. A pandemia foi um fator que contribuiu para as buscas sobre a Coreia do Sul, já que houve um aumento crescente no consumo de produções sul coreanas, tornando o Brasil o terceiro maior consumidor de k-drama (série/novela coreana), segundo uma pesquisa do Ministério da Cultura, Esportes e Turismo, realizada pela Fundação Coreana. 

Essa busca por elementos oriundos do leste asiático, ou mais precisamente da Coreia do Sul, coloca em pauta e evidencia a forma como essa cultura é tratada e consumida na própria Coreia do Sul e pelo mundo. Um dos maiores capacitores dessa ação é o investimento que o próprio país coloca nas obras, seja na música, nas produções audiovisuais e/ou na culinária. Sabendo que haverá um retorno positivo, graças ao fenômeno da globalização. O governo coreano fatura cerca de quatro bilhões de dólares ao ano, e foi preciso criar um órgão no governo especificamente para apoiar os músicos, o “Departamento de K-pop”.    

Gabriela Leal entende isso como uma forma ocupar um lugar não-branco, mas de qualidade igual ou superior ao que já consumimos no ocidente.

“Não existe ‘fórmula mágica’. O que existe é um trabalho de mais de duas décadas não somente da iniciativa privada, mas principalmente do governo sul-coreano em investimentos e medidas para o crescimento e expansão para o mercado internacional de sua indústria criativa e fazer da mesma, o foco de sua economia em conjunto com a tecnologia. Isto, juntamente com a utilização da Internet como agente de propagação e união”, afirma Leal.

Quais os motivos que levam tantas plataformas a investirem cada vez mais em produções asiáticas, chegando a produzir seus próprios k-dramas? “O critério das plataformas de streamings é o mesmo que sempre foi, o retorno de lucro de suas produções. Atender a um nicho específico com potencial de expansão no mercado ocidental, foi uma boa escolha que tem trazido resultado para as plataformas, principalmente no Brasil. Quanto maior o sucesso, maior o número de investimentos”, diz Gabriela Leal. 

A designer Débora Souza, integrante do perfil Asian Brasil, no Instagram, diz ser uma grande conquista para os amantes da cultura asiática. “Foi um grande marco alcançado pela indústria de entretenimento asiático. Produções que antes não tinham notoriedade, hoje estão sendo aclamadas. As pessoas estão aprendendo a reconhecer que não são apenas as produções americanas (Estados Unidos) que tem qualidade”, diz Souza. 

Recentemente, tivemos o maior número de artistas não-brancos participando do festival Coachella, considerado um dos maiores do mundo. Passaram pelo palco artistas como Jackson Wang, Milli, e o girl group Aespa e 2NE1. A pesquisadora Krystal Urbano observa de uma forma bastante positiva esse rompimento da “bolha” ocidental causa uma descentralização. “Sabemos que a explosão do fenômeno da música pop, na década de 1990, foi um marco decisivo em um processo de colonialidade de matriz anglofônica, liderado pelos Estados Unidos (e secundariamente pelo Reino Unido), que atribui valores universais a elementos culturais específicos desses países, na esteira do processo de globalização neoliberal. As últimas décadas, contudo, dão conta de uma virada importante na lógica da relação entre pop, globalização e colonialidade, sendo o k-pop um dos braços mais visíveis dessas transformações. Acredito que, cada vez mais, a indústria musical ocidental representada por seus festivais e premiações se verá forçada a inserir artistas não-anglófonos e não-brancos em suas dinâmicas, de forma a dialogar com os diversos públicos dessas produções espalhados pelo mundo”, esclarece.

Ao ser questionada da interação dos fãs com o conteúdo que é de uma língua não tão próxima do português, Urbano diz: “Acredito que o acento de diferença representado pela língua coreana (ou japonesa) no âmbito do consumo da cultura pop oriental seja o grande atrativo para o público brasileiro consumidor de produtos audiovisuais, televisivos e musicais oriundos das indústrias do entretenimento desses países”.

A dorameira (consumidora de k-dramas) e estudante de jornalismo Isabelle Vianna destaca o que se pode aprender ao consumir esses produtos do audiovisual, que vão além do entretenimento. “É um acesso à uma cultura que tem muito a nos ensinar, principalmente sobre o respeito aos mais velhos, algo marcante deles. Para quem busca um entretenimento mais leve que mistura romance, comédia e outro gênero, tem muitos k-dramas como opção. Não há prejuízo em dar espaço para as obras sul-coreanas, sempre saímos ganhando com produções tão boas e cativantes”, pontua.

O gênero conquistou muitos fãs, e por conta disso é notório o crescimento dessa cultura oriental que ganhou forças graças à internet e a globalização. O sistema Hallyu conta com cada vez mais seguidores e caminham para um espaço de protagonismo junto a grande indústria hollywoodiana.  

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Eduardo Ribeiro é estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação Social da UERJ.

 

Hallyu e a dominação global