Bernardo Monteiro | Junho 2022

A pirataria, apesar de ser muito praticada, até por vezes inconscientemente, nada mais é do que a utilização de produtos, ideias ou qualquer outro tipo de propriedade intelectual, sem a autorização prévia do dono. Ou seja, a pirataria se enquadra no crime de violação de direito autoral, seja de um produto ou de alguma ideia previamente registrada e que tenha sido copiada. Essa temática tem bastante importância na nossa sociedade, já que a solução desse problema parece ser bastante complexa, mas na verdade é absurdamente simples. Por isso, a discussão realizada neste texto, apresentará diversas perspectivas da pirataria de produtos.

Pirataria de produtos

Para o início da nossa discussão, é muito importante que se reflita sobre a motivação para a existência da pirataria. É fato, e não há quem prove o contrário, que a pirataria de produtos ou serviços pagos só existe porque o produto ou serviço original não é acessível àquele indivíduo. Ou seja, a partir do momento em que você vai em uma loja de roupas, vê uma peça que você gostou, mas pelo preço alto acaba não comprando. Se por algum motivo você encontrar a mesma peça, com design semelhante, mas com preço muito mais acessível, mesmo que a qualidade seja um pouco inferior à original, não há nenhuma motivação para que você não a compre, a não ser o “peso na consciência” de comprar um produto pirateado.

Em uma participação em um podcast, Fellipe Escudero afirmou que as marcas de luxo que possuem grande quantidade de produtos pirateados são extremamente desvalorizadas. Criador do canal Hyped Content, Escudero fala muito sobre moda e itens de marcas luxuosas, e em um de seus vídeos ele explica a motivação de alguém pagar milhares de reais em uma peça de roupa. Segundo ele, isso se dá pela exclusividade que aquele item traz – afinal, com valores exorbitantes, poucas pessoas vão ter aquele item, que costuma ser produzido em tiragem reduzida. Portanto, quando existe a piratagem de roupas, os produtos originais perdem valor porque a sua tiragem, mesmo não sendo original, é aumentada e, com isso, a exclusividade da peça diminui.

Logo, é possível afirmar que a pirataria prejudica, e muito, as marcas de luxo e a ideia de exclusividade que elas buscam levar aos seus clientes. Com isso, se cria uma imagem de vilanização de quem pirateia a peça e também de quem compra e usa tal item. Essa ideia é absurdamente tosca, e não faz sentido algum. Os produtos são pirateados porque são “pirateáveis”: enquanto a marca não conseguir transformar o seu produto em algo irreplicável e que seja realmente exclusivo, a pirataria vai existir.

Um exemplo muito exagerado, mas que explica essa ideia é a piratagem de carros, por exemplo. Por que você não vê carros pirateados ou cópias de carros de luxo por aí? A primeira resposta é pela questão da regulamentação que os carros precisam ter e que, ao perceberem uma cópia descarada, iriam frear o processo antes mesmo do lançamento. A segunda resposta é em relação à exclusividade. A Ferrari vende seus carros por centenas de milhares de dólares pelo simples fato de que o produto que a marca tem para vender, ninguém mais tem. Desde o motor ao design, os carros de luxo se tornam peças “incopiáveis”.

Pirataria no esporte

Se as marcas de roupa conseguissem justificar o seu preço fazendo algo que fosse realmente exclusivo, o seu público-alvo consumiria mais e a tendência de ser pirateado seria bem menor. Isso acontece muito dentro do cenário do futebol e dos esportes de modo geral, quando as marcas estabelecem um valor de mais da metade do salário mínimo para uma blusa. Recentemente, foi publicada uma matéria que fala sobre o rombo que a pirataria causa nos clubes de futebol, e o valor é na casa dos bilhões.

Nesse caso, os clientes não procuram exclusividade, já que é de interesse dos clubes e das torcidas que os torcedores utilizem os produtos do clube – mas, para isso, é necessário se adequar à realidade do povo brasileiro.

Duas versões da mesma camiseta da Adidas.
Duas versões da mesma camiseta da Adidas. Fonte: Reprodução da internet.

No caso ilustrado acima, a Adidas pegou uma camisa com template pronto que era vendida por R$ 99,90 em seu site, colocou o logo do Flamengo e um patch comemorativo e comercializou 300 peças no valor de R$ 179,99. Se a própria marca replica designs já comercializados e tenta vendê-los pelo dobro do valor original, qual seria o motivo que faria algum torcedor comprar essa peça original?

Pirataria de produtos de mídia

Entrando na temática mais voltada à disciplina [1], o texto base fala sobre o exemplo do Napster, que surgiu como um facilitador para todos os ouvintes de música que passaram a não precisar comprar CDs e discos de uma banda para ouvir apenas uma ou duas músicas. Fez tanto sucesso durante o período em que era gratuito pelo simples fato de ser uma facilitação imensa de um serviço que não existia.

Quando as gravadoras processam os criadores do app por “roubo de direitos autorais”, deveriam ter proposto um outro formato ao invés de tentar acabar com o aplicativo. Afinal, algumas décadas depois, o Spotify, que é um app que oferece um serviço semelhante, é um sucesso e ótima ferramenta de divulgação para bandas e cantores. O Spotify faz hoje algo que o Napster se propunha a fazer alguns anos atrás – a única diferença é que, naquela época, as gravadoras não tinham a percepção de que ao guerrear com a pirataria, elas estariam sempre em desvantagem. Isso serve como um grande exemplo de combate à pirataria: se aliar e entender as motivações para a realização da cópia é o primeiro e mais importante passo para diminuir o prejuízo de empresas e acabar com a apropriação indevida.

Outro produto de mídia que serve como objeto de análise é a TV a cabo e os serviços de TV Box. Este aparelho que se popularizou há algum tempo, permite aos usuários assistirem à maioria dos canais oferecidos pelas TVs a cabo, mais conteúdos de “pay-per-view”, por um preço extremamente mais barato do que o serviço “original”. A popularização desse dispositivo vai de encontro à criação de diversos serviços de streaming que tiraram conteúdos que eram exibidos nas TVs para venderem um serviço que originalmente você já pagava. São os casos do Star+ e da Conmebol TV, que transmitem jogos de futebol de campeonatos que antes eram televisionados e hoje alguns são exclusividade do serviço on-demand.

A criação de um serviço de streaming faria total sentido se, assim como a Netflix, trouxesse um conteúdo interessante ao qual não se tinha acesso de forma rápida, ou como no caso do Amazon Prime Video, que oferece diversos benefícios por um valor simbólico de menos de R$ 10 mensais. A pirataria dos serviços de televisão sempre existiu, mas desde o início da “streamingzação” do conteúdo televisivo, os números, de forma justificável, têm aumentado cada vez mais. E mesmo assim, ao invés de entender o motivo e fazer algo para trazer o público que consome o serviço pirata para consumir o original, as empresas buscam apenas acabar com o serviço pirata, como tentaram fazer com o Napster há alguns anos (e, convenhamos, não deu certo).

Conclusão

A partir da discussão apresentada, é possível compreender que existe uma forma de combater a pirataria, mas as grandes empresas e marcas insistem em caminhar na direção oposta. Quando se combate a pirataria de mídias tentando exterminar o serviço pirateado, você gasta recursos, mede esforços e, ao final, vê que surgiram 200 outros serviços pirateados oferecendo a mesma coisa, e você acaba tendo que conviver com isso. As marcas de roupa perdem milhões e até bilhões quando não tentam trazer o público que consome pirateado para ser um cliente, ou apresentam algo exclusivo e que justifique o alto preço por uma peça. O cenário de um país em desenvolvimento, como o Brasil, é de diversas pessoas que não sabem o que vão comer no dia seguinte (e se vão comer). Quando esse indivíduo vai atrás de um serviço ou produto pirateado, que é bem mais barato, ele é culpado?

A “guerra contra a pirataria” é igual a “guerra às drogas”. Ambas possuem soluções acessíveis, ainda mais quando é possível tentar conciliar os interesses. Ao legalizar as drogas, o tráfico e a criminalidade diminuem, e o produto melhora e seu preço diminui. Se as grandes empresas tivessem o interesse real em combater a pirataria, elas acompanhariam a piratagem de seus produtos, e certamente eles melhorariam e se tornariam mais acessíveis, se o intuito da marca for atender o maior número de clientes possíveis. Enquanto o combate à pirataria for realmente feito de combate, isso continuará existindo.

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[1] Este artigo é uma adaptação do trabalho de final de curso produzido para a disciplina Comunicação em Plataformas Digitais, ministrada pela professora Débora Gauziski na Faculdade de Comunicação Social da UERJ em 2022.

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Referências:

SOILO, Andressa Nunes. Produções Legais da Pirataria: O Streaming e a Incorporação das Demandas e Discursos Piratas no Mercado do Entretenimento Digital. Campos, v.18 (1-2), 2017. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/55743>.

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Bernardo Monteiro é estudante de Jornalismo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com experiência em redação. Tem interesse em esporte, música, cinema e política. Contato: bernardoas.monteiro@gmail.com | @be_monteiro__ (Instagram).

 

Pirataria: enquanto houver combate, o problema existirá