Rafael Nacif | Maio 2021

Um “advento” deste século, promovido pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, é a cultura de massa. Sua existência está condicionada aos avanços tecnológicos introduzidos pela chamada 3ª revolução industrial, que aglutinou aos princípios mecânico e elétrico das duas primeiras, respectivamente, a sofisticação da eletrônica. Mecanismos que possibilitam a troca de informações, em tempo real, entre regiões tão distantes entre si quanto permite a esfericidade terrestre, ou, com uma defasagem mínima, entre astronautas russos tripulantes de uma estação espacial e espectadores de uma premiação musical num teatro de Nova Iorque, passam a fazer parte do cotidiano do homem contemporâneo crescentemente.

Massificar consiste em transmitir para o maior número de pessoas possível, através da mídia, uma determinada ideia que estimula o consumo de um produto, seja ele um brinquedo ou uma doutrina apocalíptica. A origem dos princípios da massificação remonta, há séculos atrás, o discurso cristão do pecado, que pretendia introjetar nos fiéis de fé católica a antecipação da culpa em relação a comportamentos que não interessavam à cúpula do poder eclesiástico, pois subvertiam (e ainda o fazem) a “ordem” que melhor lhes convinha. E não só à techné está subordinada esse processo de deturpação agenciada, mas também é evidente que esse é um instrumento que está intimamente ligado aos valores da economia capitalista: o objetivo é o lucro, portanto quanto mais publicidade melhor.

No início dos anos sessenta, quando os americanos já haviam solidificado sua hegemonia com a explosão das bombas atômicas na segunda guerra mundial, surge, lá mesmo nos Estados Unidos, um grupo de artistas que se volta para a temática da sociedade de consumo, tomando de empréstimo elementos – símbolos e estereótipos – da comunicação de massa, típicos daquela sociedade. Fruto de um movimento figurativo nas artes visuais, a Pop Art foi, de certa forma, antecipada pelos objets trouvés e ready made de Marcel Duchamp. Ao aceitar, como artista, processos industriais de produção em massa, Duchamp quis por em questão o conceito de obra de arte e abalar o pensamento convencional.

Andy Warhol. Marilyn. 1964.

Tendo como antecedentes imediatos a Pop Art inglesa e o Novo Realismo francês, a Pop Art surgida em Nova Iorque na década de sessenta é um movimento legitimamente americano. Segundo o artista pop Robert Indiana, a nova figuração “emerge do enfado com a supersaturação do Expressionismo abstrato, que, pela lógica de sua própria estética, é o fim da arte, o pináculo grandioso de um longo processo piramidal; os jovens artistas asfixiados pela atmosfera rarefeita (da arte abstrata) resolveram voltar-se para coisas menos exaltadas e menos refinadas, como, por exemplo, uma garrafa de Coca-cola, um cone de sorvete, um hambúrguer ou um anúncio de supermercado, com a injunção “COMA!”.

Rauschenberg, Dime e Oldenburg com suas combine-paintings (pintura e objetos); Andy Warhol e suas serigrafias (a lata de sopa Campbell, Marilyn Monroe, Jacqueline Kennedy, Mao Tsé Tung); Lichtenstein e seu “pontilhismo” sui generis (que procura reproduzir os efeitos da imagem mecanicamente impressa); Indiana e a sinalização de estradas e slogans; Wesselmann e os “grandes nus americanos”; Rosenquist e a justaposição de imagens não proporcionais; Segal e os manequins de gesso; e Allan D’Arcangelo, que se volta para uma “cultura das estradas”, construíram esse mosaico que assimila a realidade massificada do cotidiano, conferindo-lhe o status de obra de arte (ou vice-versa).

Douglas Davis em seu ensaio “The decline and fall of Pop: reflections on media theory”, contido no livro de mesmo autor “Artculture – essays on the post-modern ”, diz:

The notion that a “print-culture” once existed and is now dying, to be replaced by a “visual culture”, with complete opposite values, linked in some manner to a pre-print, Catholic culture, is – in brief – absurd. The truth is, as always, far more difficult to state than that (which is why the truth is so often unpopular).” …“Both of these cultures have always existed side by side – that is, the instinct to write and read, away from the world, in meditation; the instinct to draw, to see, to embrace the world, and to perceive through the senses. They are in fact within us, as eye, mind and senses are yoked to each other.” …“Instead of thinking of the television set or the slide or the computer as icons for a new culture, I propose that they be considered extensions of the mind, like language, bound by the same laws, capable of the same open-ended activity, and of the same blunders”.

E para Giulio Carlo Argan em “Arte Moderna” :

“A chamada morte da arte não é senão a decadência consumada de um conjunto de técnicas artesanais, que já não se coordena com o sistema industrial da produção – em muitos casos, da produção dos mesmos tipos de coisas que eram produzidas pela arte. É inquestionável, porém, que essa decadência criou um vazio cultural, por ora ainda não preenchido. Assim se explica porque a chamada morte da arte não acarretou o desaparecimento dos artistas e das instituições que se ocupam da difusão do conhecimento de suas atividades. É preciso tomar consciência do vazio deixado pela arte no contexto cultural, decidir a sorte da soma de valores, constituída pelo legado, ainda presente, das civilizações artísticas do passado; esse legado artístico ineliminável ainda é, pelo menos em termos quantitativos, o componente principal do ambiente material da existência, aquele que caracteriza as cidades”.

Davis discorda de Argan no que diz respeito à visão fatalista de que o conceitualismo promovido pela Pop Art é um reflexo da limitação e não-funcionalidade do papel da arte num contexto cultural de uma sociedade de consumo. Enquanto Argan alega que não são os críticos que anunciam, mas que a própria arte vive seu fim, Davis preocupa-se em esclarecer a problemática sem radicalismos, através de uma proposta inteligente.

Certamente, frases como “I want to be a machine” ou profecias sobre o crescimento do poder da mídia feitas por Andy Warhol são suficientemente polêmicas em relação ao próprio cenário Pop. E não é de se espantar que a maioria dos críticos de arte, mesmo alguns anos depois, ainda não tenham conseguido sintetizar a realidade pós-moderna e os novos conceitos de arte que a acompanham.

Bibliografia:

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

DAVIS, Douglas. Artculture – essays on the post-modern. Nova Iorque, Harper & Row, 1977. 1ª edição.

Enciclopédia Mirador Internacional – vol. 16, verbete: Pop Art , 1995.

Pop Art: arte, capitalismo e massificação