Ricardo Ferreira Freitas | Dezembro 2020

Quanto mais afastada do centro turístico da Zona Sul da cidade, mais longe a pessoa está da inclusão

Nas recentes eleições para a prefeitura do Rio, a fantasia do kit gay voltou às narrativas dos candidatos. Lamentável estratégia baseada na desinformação que apela a ideologias religiosas e conservadoras. Refiro-me a um conservadorismo sem pauta propositiva e carente de conteúdo em ciência e tecnologia. Ao abordar a educação, esse movimento se apega mais à censura aos estudos de gênero do que à democratização da educação pública de qualidade. Essas narrativas de campanha repetem a tríade difamatória das eleições de 2018 que misturou comunismo, macumba e gênero

Em 2018, uma série de fake news, com foco na sexualidade ou orientação de gênero, foi divulgada em aplicativos de troca instantânea de mensagens. Uma dessas notícias inverídicas de grande repercussão foi a da “mamadeira erótica”, que teria sido distribuída em creches pelo PT. Esse tipo de jogo político perversamente sexualizado é um desserviço à população. Além de plantarem fatos falsos em públicos diferentes, esses processos de comunicação reforçam estigmas e preconceitos, associando as comunidades LGBTS+ a noções como pedofilia e promiscuidade.

Ao nos deparamos com essas narrativas políticas recheadas de preconceitos, notamos que o atributo gay friendly, geralmente associado à marca Rio, se fragiliza quando confrontado à verdadeira inclusão das diversidades nos processos políticos. Ao nos distanciarmos das areias da Praia de Ipanema, pedaço do Rio conhecido mundialmente como gay friendly, notamos como a inclusão é mais restrita. Quanto mais afastada do centro turístico da Zona Sul da cidade, mais longe a pessoa está da inclusão.

Nas eleições de 2020, posts, cards e panfletos impressos foram difundidos com mensagens anunciando o perigo do inimigo: ele incluiria o kit gay nas escolas! O kit gay é uma versão malvada, calcada na desinformação, sobre o programa Escola sem homofobia, proposto pelo governo federal nas gestões de Lula e Dilma. Essa propagação de mentiras e a construção da hipótese de que um candidato perverteria as crianças, com educação sexual tendenciosa nas escolas públicas, mancha a reputação da cidade turística, mas mostra uma dura realidade vivida pelas pessoas LGBTS+. O Rio não é uma cidade gay friendly.

Segundo o Dossiê LGBT+ 2018, elaborado pela Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro sobre o ano-base de 2017, a Zona Oeste, que compreende bairros como Taquara, Realengo, Campo Grande e Barra da Tijuca, é uma das regiões do estado com o maior número de crimes motivados por LGBTfobia. Considerando-se que o combate à violência a habitantes e visitantes da cidade deve ser prioridade em qualquer governo, entendemos por que o Rio de Janeiro andou para trás nos últimos anos. O exercício da alteridade não pode estar viciado com preconceitos, dogmas e mesquinharias, muito menos quando é usado o nome de Jesus como argumento ao ódio. Como sabemos, Jesus não pregou o ódio.

 

Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/opiniao/o-rio-de-janeiro-gay-friendly-24793395>.

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Ricardo Ferreira Freitas é professor titular da Faculdade de Comunicação Social da Uerj

O Rio de Janeiro é “gay friendly”?