Rafael Nacif de Toledo Piza | Novembro 2020

 A cantora, atriz, compositora e musicista Kylie Minogue lançou hoje, 6 de novembro, o álbum “Disco”, que para a maioria de seus fãs soará como uma onda de alívio entre camadas de dúvidas e restrições sobre o future. Sim, de fato, nós tivemos um ano muito duro em 2020, especialmente, considerando a pandemia de COVID-19 que levou com ela milhões de vidas por todo o mundo num piscar de olhos. E, no meio disso tudo, nós também tivemos a eleição presidencial norte-americana que poderia nos levar de volta a Europa medieval, com um insano e milionário Donald Trump representando o Partido republicano para a vergonha da maioria dos pesquisadores que, definitivamente, não vêem como adequado à Casa Branca um homem que coloca em risco o legado da administração Obama.

Bem, parece que Joe Biden e Kamala Harris fizeram seu trabalho durante a campanha. Segundo as notícias, Biden e Harris vão morar na Casa Branca pelos próximos quatro anos. Além de política, Kylie retorna de um desvio que ela fez com “Dancing”, inspirado no movimento country. Madonna já havia feito isso em 2000. Então, não parecia muito criativo da parte de Kylie repetir a estratégia. O primeiro single de “Disco” é “Say something” (“Diga algo”), uma canção animada com um vídeo de acordo que fizeram com que os fãs de Kylie quisessem voltar o mais rápido possível para a pista de dança para suarem suas camisas de meia-noite às 6 da manhã, como muitos de nós costumávamos fazer antes da pandemia tomar conta do cenário em Janeiro de 2020.

O novo álbum já estará disponível nas lojas quando todas as lojas virtuais estarão participando da black friday, uma estação promocional que busca arrecadar o máximo nas lojas. Como sabemos, é de conhecimento geral que as vendas de CD’s caíram consistentemente na última década. Agora, a indústria está tentando relançar antigas tecnologias como vinil, cassetes e outras, de forma a fazer deste tipo de lançamento algo bem-sucedido. Entretanto o que realmente significa lançar um álbum que recria a era Disco? Numa entrevista, Kylie revelou que ela se inspirou na seção da turnê de seu mais recente álbum em que ela se referia a era Studio 54 de Nova Iorque.

Sim, tratou-se de um período muito glamouroso, um período que não pode ser comparado a nenhum outro desde a invenção da pílula anti-concepcional, que libertou milhões de mulheres ao redor do mundo que passaram a ter suas vidas sexuais vividas com prazer e liberdade como nunca antes. Oh, oh, mas há uma pegadinha… exatamente no fim dos anos setenta, quando os movimentos por direitos civis nos EUA ganhou muita relevância e influenciou todo o mundo, surgiu a crise da AIDS, que começou no fim dos anos setenta e se espalhou ao redor do mundo desde o primeiro caso reportado oficialmente nos EUA em 1979. Eu nasci neste ano.

De 1979 até o início dos anos 2000, ter AIDS era uma condição severa e poderia significar uma sentença de morte, com todas as inconveniências de marginalização dos portadores, de perda de famílias, empregos, habitação e meios de sobrevivência. Aqueles eram tempos nebulosos. Mas NYC era o lugar para se ir quando se queria ser bem-sucedido na indústria musical. Então, foi para lá que Madonna se mudou em 1978, abandonando sua Detroit natal em busca da realização de seus sonhos: se tornar uma superestrela. NYC possui um poder mágico de conectar as pessoas certas nos momentos certos. Uma questão de sincronicidade.

Além da explosão do movimento por direitos civis de negros, do movimento por direitos civis de mulheres e do movimento por direitos civis de LGBT’s, os anos setenta também testemunharam um grande movimento e mercado de lazer e prazer ofertados em discotecas ao redor do mundo. Começando com a legendária Studio 54, que Hollywood tentou retratar num filme sessão da tarde que não fez jus ao mito original. Bem, parece que Kylie está propondo uma revisão daquele movimento, tão colorido e brilhoso e cheio de esperança e escapismo.

O segundo single é “Magic”, um hit destinado a fazer as pessoas dançarem juntas, de mãos dadas, apesar de suas diferenças, uma mensagem que nós já vimos em outros álbuns pop. Mas Kylie vai além disso. Ela está tentando recriar o ambiente, o que nós pensamos não ser possível atualmente. Mas sigamos em frente. E esperançosos.

Após “Magic”, há uma faixa chamada “Miss a thing”, uma canção muito vivaz, escrita para que todos dancem até perderem o controle. Finalmente, é para isto que uma pista de dança disco é feita. E com “Disco”, Kylie revisita seu lançamento de 2001, “Fever”, produzido pelo DJ Stuart Price, que mais tarde viria a trabalhar com Madonna no triunfal “Confessions on a dancefloor”. Se Madonna não tivesse sido tão teimosa, talvez ela poderia ter conseguido ganhar um outro Oscar pela colaboração com o documentário de David LaChapelle “Rize”, cujo projeto foi abortado por diferenças criativas. Decisão equivocada Madonna. Esperamos que tenha aprendido.

“Monday blues” é uma canção muito boa, perfeita para nos inspirar a ir malhar ou a chacoalhar o corpo. “Supernova” é um convite para todos nós nos tornarmos uma nova versão de nós mesmos, uma versão melhorada de nós mesmos. No Brasil, estamos vivendo dias obscuros por estarmos sendo governados pelo movimento de extrema direita, que elogiam torturas e práticas da ditadura. Bem, eu imagino que as pessoas que pensam a esquerda estão se organizando contra esse estado neofascista, que vem ressurgindo ao redor do mundo, e não levará muito tempo até que sejamos libertados novamente.

“Last chance” lembra as letras de “Last dance” de Donna Summer, quando Kylie diz que esta é a chance final para se encontrar alguém especial que roubaria um beijo no meio da pista de dança e ficaria ao seu lado pelo resto da vida. Se for isso que você estiver procurando. “I love it” é uma canção costurada para as pistas de dança, onde Madonna já nos ensinara desde 1990 por meio de “Vogue”, que is a song tailored for the dancefloor, where Madonna already taught us since 1990’s “Vogue”, que é lá que um certo vodu nos torna superestrelas. Esta faixa poderia ser a trilha sonora para “Pose”ou para “Os meninos da banda”, séries levadas ao ar pelo Netflix.

Num mundo ideal, a Disco reinventada por Kylie não teria pessoas usando drogas, ou moldando seus corpos com esteroides proibidos, ou em busca de parceiros mais jovens ou mais bonitos. Bem, o movimento civil LGBT está prestes a atingir sua maturidade, e há algumas atitudes que um homem adulto não pode tolerar de outro, que tenta provar seu ponto-de-vista de forma violenta, sendo abusivo verbalmente ou psicologicamente.

“Dance floor darling” é uma graça pois trata-se de um convite para dançarmos a noite inteira, sem preocupações com aparências. Parece que Dua Lipa precisa atualizar suas músicas quanto a deixar um certo alguém para trás. Heróis não falham. Nunca. E, depois disso, Kylie introduz “Unstoppable”, uma canção alegre que estimula nossos exercícios e torna confortável ocupar a pista de dança, fo**m-se os políticos. Vamos festejar! E escapar!

“Celebrate you” é uma canção de uma diva disco que encoraja e faz todos felizes, de crianças a idosos, todos nós merecemos cumprimentos quando concluímos algo, mesmo que seja derrotar um inimigo, que pode existir (ou não… droga de política?!).

“Till you love somebody” é a obra-prima que Madonna não conseguiu compor sozinha. Lamento por ela. Aqui, não há espaço para “Hung up”, jamais. Do outro lado da linha, sempre haverá com quem conversar… espero que ela esteja a salvo da COVID-19. O que dizer de Lady Gaga com seu “Chromatica”, uma obra-de-arte que deveria nos fazer acreditar que nosso “Bad romance”estaria morto e enterrado? Bem, ‘garotas’, eu lamento informá-las que Kylie não permitirá que isso aconteça. E é por isso que esta canção foi composta e está estrategicamente gravada no fim do álbum.

“Fine wine” é um sopro de ar fresco entre as máscaras que todos fomos obrigados a usar por quase um ano. É pura dinamite disco. Para terminar o baile, Kylie Minogue canta “Hey Lonely”e “Spotlight”. Bom trabalho, Kylie! Vamos festejar até acabar com esses neofascistas. Tchau, tchau, tuto pom?

Escute o álbum no Spotify (abaixo):

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Rafael Nacif de Toledo Piza é doutor em Comunicação pelo PPGCom/UERJ e relações públicas na UERJ.

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