Sarah Souza | Outubro 2020

Seja na música, no cinema ou nos livros, tudo que é sucesso conquista o maior número de pessoas, o maior público. Na música, por exemplo, é possível lembrar da euforia dos fãs do grupo RBD em “Yo digo R e tu dizes BD” e também é impossível esquecer o grande público do Roberto Carlos em “Como é grande o meu amor por você”. Mas se eu te dissesse que, mesmo com grandes sucessos que encantam o grande público, hoje não é bem assim?

O Livro A Cauda longa de Chris Anderson analisa como o mercado de massa pode se transformar em mercados de nicho. Os dois primeiros capítulos abordam as transformações nas dinâmicas de consumo nessa transição, especialmente com o uso da tecnologia. Através da pesquisa de Anderson foi possível entender o que realmente acontece na indústria do entretenimento quando se usa esse recurso e a internet para disseminar a cultura.

Com as informações sobre as preferências de clientes de uma empresa de música online (a Rhapsody), o autor do livro percebeu que “depois de lançadas em um gráfico, ele produzia uma curva inicial de demanda que se classificava por popularidade, ou seja, alguns grandes sucessos, baixados com enorme frequência. Esses formavam o ponto mais elevado da curva que logo despencou num precipício com as faixas menos populares. No entanto, o mais interessante é que essa curva nunca chegava a zero. Os downloads por mês ainda estavam na casa dos milhares”.

Daí então surge a ideia da “cauda longa” que é o nome dado a partir do conceito, em estatística, que denomina essas curvas como distribuições de cauda longa, justamente por conta do prolongamento inferior que é muito comprido em relação à cabeça.

O Spotify hoje é uma das plataformas digitais de música que mais crescem no mundo. Justamente por ser uma plataforma com rica variedade de música, cada vez mais ele ganha mais assinantes. Uma prova dessa variedade é que a plataforma traz sugestões de músicas e playlists de acordo com o gosto musical dos ouvintes. “A partir de 2014, as receitas geradas com os serviços de streaming já alcançavam o montante de US$ 1,87 bilhão, superando a receita com a venda de CDs, que demonstrava queda de 12,7% na comparação de um ano para outro” (ARAUJO, 2018).

Mas como acontece a cauda longa? A cauda longa ocorre na possibilidade de ter várias opções à sua disposição, o que aguça a curiosidade por outros gêneros menos populares que fogem à cultura de hits, formando no gráfico uma cauda sem fim. Assim, as pessoas podem concluir aos poucos que suas preferências não são tão convencionais quanto imaginavam.

Se você tem assinatura em plataformas de streaming de vídeo, como a Netflix, eu não duvido que em meio a um vasto conteúdo de filmes e séries já tenha assistido ou pelo menos tentado assistir a um conteúdo diferente do que está acostumado a ver. Isso faz com que cada vez mais as plataformas organizem seus clientes através de nichos. Assim entendemos que, na verdade, não é necessário um produto ser um sucesso “arrasa-quarteirão” para ter o seu público.

Como analisa Chris Anderson, “Se a indústria do entretenimento no século XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará em nichos“. A cultura de massa faz com que a definição de mercado fique mais propícia à oferta e demanda:

“Estamos evoluindo de um mercado de massa para uma nova forma de cultura de nicho, que se define agora não pela geografia, mas pelos pontos em comum”.

Com a pandemia, os cinemas foram forçados a fechar e alguns acabaram indo à falência. Grandes sucessos de público, que estavam e que estão para ser lançados, foram adiados e o que está acontecendo é que muitos filmes programados para as telonas desistiram desse lançamento e estão indo direto para o streaming. Com a flexibilização, muitos cinemas reabriram, e sem blockbusters a serem lançados, a dificuldade de conseguir público é maior. Esses negócios podem contar apenas com a população local limitada. Mesmo que um um filme em si fature milhões ou bilhões em bilheteria, o que importa é quantas pessoas verão o filme em determinado local.

Mas a verdade é que queremos muito mais do que só hits, ou pelo menos quase todos nós queremos!

“Quanto mais exploramos as alternativas, mais somos atraídos pelas variantes. Infelizmente, nas últimas décadas, as alternativas foram relegadas às margens por poderosos veículos de marketing, feitos sob medida para indústrias que deles precisam como questão de vida ou morte”. Essa economia é produto de uma de escassez em que não havia espaço para oferecer tudo a todos. Com a oportunidade da distribuição e o varejo online o autor diz que “estamos ingressando no mundo da abundância. As diferenças são profundas”.

O autor diz que “ao concentrarmos toda a força comercial nos grandes vencedores, estamos, na verdade, ampliando o abismo entre os vitoriosos e o resto.” O que nós precisamos refletir com “A Cauda Longa” é se realmente é justa a concentração de somente alguns produtos mais populares nas posições mais privilegiadas do gráfico, e se a distribuição de variedade de produtos populares e não populares pela tecnologia alcança todos. Ou seja, precisamos refletir se ela (a “cauda longa”) é inclusiva tanto para vendedores, empresários e empreendedores, quanto para os consumidores.

 

Referências bibliográficas:

ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

ARAUJO, Vanessa. Spotify: a empresa que colocou a experiência musical no seu devido lugar. Superlógica, 19 dez. 2018, online. Disponível em: <https://blog.superlogica.com/assinaturas/spotify-historia-musica-digital/>. Acesso em: 29 out. 2020.

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Sarah Souza é estudante de Relações Públicas na UERJ.

A cauda sem fim