Igor Lacerda | Março 2020

A nossa Polícia Militar não quer matar, mas não podemos permitir cenas como aquela que nós vimos na Cidade de Deus. Se fosse com autorização da ONU, em outros lugares do mundo, nós teríamos autorização para mandar um míssil naquele local e explodir aquelas pessoas. (Governador Wilson Witzel do Partido Social Cristão, 2019).

Você não combate violência com amor, combate com porrada, pô. Se bandido tem pistola, [a gente] tem que ter fuzil. (Presidente Jair Bolsonaro do Partido Social Liberal, 2017).

A partir do momento que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo e atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô, é mãe e avó. E por isso torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas que afetam nosso país. (Vice-presidente Hamilton Mourão do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, 2018)

 

Os discursos citados acima foram pronunciados pelas principais figuras políticas do país e da cidade do Rio de Janeiro, no caso do governador. Mas, afinal, o que esses discursos têm em comum? E como essas perspectivas passaram a ser usadas para angariar votos? Esse artigo se propõe a responder essas perguntas, além de contribuir com as discussões sobre o impacto dos discursos de ódio na sociedade contemporânea. Antes de embarcar nessa troca de ideias, considero importante ressaltar que essas narrativas odientas não circulam apenas no Brasil ou no Rio de Janeiro, pelo contrário: há um movimento global de indivíduos, grupos e políticos que reverberam o ódio, a intolerância e apoiam abertamente atos racistas, lgbtfóbicos, classistas e outros igualmente criminosos. 

Uma parte da sociedade brasileira pode, em muitas situações, ser permissiva com as mais diversas violências físicas e simbólicas, é o que explica a cientista política San Romanelli Assumpção, que pesquisa assuntos como direitos humanos, discursos de ódio e democracia. A autora parte da premissa que essa permissividade nasceu não só com as torturas e as violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985), mas também do regime escravocrata que prevaleceu oficialmente no país até 1888. Como os militares e os senhores da casa-grande obrigariam as pessoas a renegarem sua independência social, emocional e física se não fosse pela violência? Nesse caso, a obediência de muitos escravos e presos pelo regime militar se deu pelo uso da tortura e do medo. 

Bolsonaro, Witzel e Mourão foram capazes de captar os afetos odiosos de alguns grupos e os transformar em votos. Então, no momento em que o Wilson Witzel (PSC) disse que queria “mandar um míssil naquele local [Cidade de Deus] e explodir aquelas pessoas”, ele estava respondendo aos anseios de uma parte de seu eleitorado e atraindo pessoas com as mesmas perspectivas. Sendo assim, por mais difícil que seja, precisamos admitir que existe uma inteligência política na produção dos discursos dessas três figuras. Esse trio é repleto de carisma, pois consegue se conectar com o que existe de mais violento nos indivíduos e transformar essa conexão em capital político.

No Twitter, vimos alguns comentários de apoio ao governador:

 

Quando o Jair Bolsonaro (PSL) disse que “se bandido tem pistola, [a gente] tem que ir de fuzil”, muitas pessoas desacreditaram dos efeitos materiais e simbólicos dessa opinião. Eles lidaram como se essa perspectiva não fosse séria, como se fosse só brincadeirinha. No entanto, Assumpção explica que por mais que esses discursos não sejam diretamente utilizados como base para a revisão da Constituição a fim de diminuir os direitos humanos fundamentais, eles são usados para difundir a ideia de que existem cidadãos com mais ou menos valor e dignidade. Nessa lógica, as matanças e os linchamentos estão simbolicamente validados pelo presidente para a eliminação de opositores, daqueles que pensam diferente. Por isso vimos, desde o primeiro turno das eleições, um aumento dos relatos de ameaças, agressões físicas e verbais de apoiadores de Bolsonaro a mulheres, pessoas LGBT+, negros e líderes de movimentos sociais de esquerda. É importante lembrar do mestre de capoeira Moa do Katendê que foi assassinado a facadas por um eleitor do candidato do PSL, após declarar apoio ao Partido dos Trabalhadores, em Salvador.

Assim como o discurso de Witzel, a fala de Bolsonaro também reverberou positivamente no Twitter:

 

Eu fico pensando… Como diminuir a violência na política e no debate? Como continuar acreditando no diálogo e no conflito para a transformação do universo social, se existem pessoas dispostas a matar quem pensa diferente? Sinceramente, não sei. Ao mesmo tempo, não consigo ignorar que esses políticos representam uma parte da sociedade. Então, o que nós, que acreditamos nos processos democráticos, podemos fazer? Uma possibilidade é ouvir e argumentar na tentativa de reverter os retrocessos, as censuras e os ataques a direitos. Se nós nos esforçarmos para dialogar com quem é pró-Bolsonaro, podemos até perder algumas lutas, mas aumentamos a chance de não perder a democracia.

 

Referências Bibliográficas:

 

Como o discurso de ódio se tornou capital político?: http://www.generonumero.media/como-o-discurso-de-odiose-tornou-capital-politico/

 

Mourão diz que família sem pai ou avô é fábrica de elementos desajustados: https://exame.abril.com.br/brasil/mourao-diz-que-familia-sem-pai-ou-avo-e-fabrica-de-elementos-desajustados/

 

Violência se combate com porrada, diz Jair Bolsonaro: https://exame.abril.com.br/brasil/violencia-se-combate-com-porrada-diz-jair-bolsonaro/

 

Witzel sugere explodir com míssil traficantes armados: https://exame.abril.com.br/brasil/witzel-sugere-explodir-com-missil-traficantes-armados-oposicao-reage/

 

Os impactos sociais dos discursos de ódio