Adriana Moreira| Fevereiro 2020

Afinal, qual é a cidade brasileira mais procurada para o Carnaval 2020? A julgar pelas notícias recentemente veiculadas pela imprensa, está difícil chegar a uma resposta conclusiva. São Paulo 1 já foi anunciada como líder do ranking, de acordo com a plataforma de turismo Decolar; Salvador 2 surgiu com a primeira colocada, segundo os dados do Google Voos; e o Rio de Janeiro 3 mantém a melhor posição, conforme levantamento da Kayak.

É que claro que o Carnaval é uma das maiores festas populares do país. Não há dúvidas da sua importância para a cultura brasileira que, inclusive, precisa ser preservada e valorizada como manifestação artística, seja por meio das escolas de samba, dos blocos de rua ou dos trios elétricos. O que se pretende refletir brevemente é como o megaevento impulsionou a competição entre as cidades pelo título de melhor destino turístico do Carnaval deste ano e, em particular, porque a capital paulista desponta como uma das favoritas.

Na verdade, a disputa é impulsionada por uma lógica de mercado que faz com que as cidades passem a ser percebidas como produtos. Sob esse ponto de vista, torna-se relevante considerar o conceito de cidade-produto ou cidade-mercadoria (VAINER, 2002; ARANTES, 2002; SÁNCHEZ, 2010). Os autores salientam que as cidades precisam se reposicionar para alcançarem mais visibilidade e, por consequência, atrair maior fluxo de investimentos e de pessoas. Assim, o megaevento surge como uma alavanca dessa economia, tornando a cidade mais competitiva. Por essa razão, as
cidades buscam por todos os meios aumentar seu poder de atração para manter ou desenvolver sua capacidade de inovação e difusão.

Mas, se a cidade é uma mercadoria, propagada pelo megaevento, e, consequentemente, pela mídia, de que produto estamos falando exatamente? A resposta, é claro, depende das expectativas do comprador. No entanto, tomando como base as referências de Vainer (2002), inspiradas em conceitos de especialistas do city branding, conclui-se que as cidades vendem a sua localização por meio de um capital que circula pelo mundo em busca de turistas e de eventos, entre outros interesses. É uma tendência mundial que aumenta o grau de projeção para tornar as cidades ainda mais visíveis e
identificáveis. É uma cadeia de difusão instrumentalizada pelo city branding.

Nesse sentido, o filme publicitário “Visite SP” 4 , divulgado em junho de 2019, traz uma forte evidência das possíveis intenções que colocam, hoje, São Paulo como um dos principais destinos turísticos para o Carnaval, desbancando Rio de Janeiro e Salvador. Em um minuto e meio, a mensagem-chave transmitida é que São Paulo é um lugar para todos. Lançado pelo Governo do Estado, o comercial valoriza os principais atrações turísticas de várias cidades, enaltecendo inclusive as praias de São Sebastião e de Maresias. A capital ganha relevância na medida em que comercial exibe imagens de pontos turísticos representativos da cidade, como o Monumento às Bandeiras e o Mercado Municipal. Os eventos também foram lembrados por meio de cenas alusivas à Parada do Orgulho LGBT 5 . Diz o jingle “Tem de tudo um pouco, São Paulo tem coisa à beça. Montanha, praia, cidade, amor, hospitalidade, respeito. São Paulo pra todos.
Diversão e diversidade. Tem sol e solidariedade. Vem pra São Paulo”. Ora, se há mesmo um pouco de tudo, por que não promover o maior carnaval do país e atrair milhares de turistas?

É preciso pensar que a cidade vai muito além do seu espaço geográfico e de sua materialidade, como propõe Pesavento (2007, 2014). Existe uma produção de sentido em torno dos interesses para a construção de uma imagem de marca para a cidade dentro da lógica de um mercado, no qual o megaevento se insere. Portanto, esse ano não vai ser igual àquele que passou. Pelo menos, ao que tudo indica para São Paulo. Essas narrativas, construídas há menos de um ano, produzem ao longo do tempo um conjunto de significados sobre a realidade, criam novos imaginários e outras formas de consumo
do espaço urbano. Assim, a construção da marca de uma cidade depende das estratégias mercadológicas de city branding, que associadas ao megaevento, consolidam as bases de comunicação. E, dessa forma, o filme “Visite SP” indica os esforços governamentais em ações e investimentos que transformaram a antiga terra da garoa em um lugar ensolarado, divertido e aberto para todos, inclusive para foliões de todo o país.


[1] Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/sao-paulo-deixa-rio-para-tras-como-destino-mais-procurado-no-carnaval-1-24212973

[2] Disponível em https://g1.globo.com/carnaval/2020/noticia/2020/01/13/salvador-porto-seguro-e-rio-de-janeiro-sao-os-destinos-mais-em-alta-para-o-carnaval-2020.ghtml

[3] Disponível em  https://www.promoview.com.br/turismo/rio-de-janeiro-e-o-destino-mais-procurado-no-carnaval.html

[4] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9eu31–U7SA

[5] Mais informações em http://paradasp.org.br/

 

 

Referências Bibliográficas:

 

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo, HUCITEC, 1997.

PESAVENTO, S. J. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Revista Brasileira de História, v. 27, n. 53, jun./2007, p. 11-23.

SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades parfa um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2010.

VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos;

MARICATO, Ermínia (Orgs). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

Carnaval 2020: o ziriguidum e a lógica de mercado que aquecem a procura por São Paulo