Alessandra Porto | Novembro 2019
As praias cariocas são lugares de práticas esportivas e de lazer. Nesse contexto, atividades como futevôlei, surfe de peito e frescobol surgiram como “moda de verão” – e acabaram se associando a tais espaços. De acordo com o Decreto no 39.758 de 6 de fevereiro de 2015 (ano em que se comemorou o 450º aniversário de fundação da Cidade do Rio de Janeiro), Eduardo Paes (então prefeito do município) reconheceu o frescobol como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial da cidade, já que a atividade é “um esporte genuinamente carioca, inventado na Praia de Copacabana em 1945, e integra e acentua o estilo de vida do carioca.”.
Ou seja, o frescobol é “copacabanense”, e teria surgido no trecho conhecido como “Posto 2,5” (entre a Rua Duvivier e o hotel Copacabana Palace), logo após o término da 2ª Guerra Mundial. A prática esportiva nasceu por acaso no ano de 1945, enquanto Lian Pontes de Carvalho (considerado o pai do frescobol) se divertia com um amigo na praia de Copacabana, batendo uma bola de tênis descascada com uma pequena tábua. Nadador e dono de uma fábrica de móveis de piscina, pranchas e esquadrias de madeira, Lian passou a confeccionar as primeiras raquetes, feitas de cedro e pinho. Pesadas e rústicas, as raquetes eram vendidas na praia com o auxílio dos guarda-vidas. Na ocasião, os jogadores de frescobol que não podiam comprar suas raquetes cortavam pedaços de madeiras das obras dos prédios em construção na Avenida Atlântica, e davam forma e acabamento às mesmas utilizando cacos de vidro, serras tico-tico e lixas. Com o decorrer dos anos, as raquetes foram se tornando mais leves, ganharam cabos menores e passaram a ser pintadas (ou até mesmo envernizadas) para protegê-las da água do mar.
Denominado como “jogo de raquetes” ou “tênis de praia, o frescobol acabou se tornando um símbolo do espírito lúdico, rebelde e boêmio da geração do final dos anos 1940. O jogo é, por essência, dinâmico e sem pontuação. O objetivo é manter a bola em movimento o maior tempo possível entre os participantes. A prática de rebater a bolinha de modo ligeiro se espalhou entre os jovens frequentadores da praia, contabilizando um número cada vez maior de praticantes do Leme até o Posto 6. Vale frisar que a Praia de Copacabana é dividida em cinco postos de salvamento do Corpo de Bombeiros, que vão do Posto 2 até o Posto 6 (onde fica localizado o Forte de Copacabana).
Jogadora de frescobol na Praia de Copacabana.
Fonte: Pinterest.
Tal proliferação de jogadores de frescobol com suas raquetes de madeira e bolinhas acarretou nos primeiros atritos entre seus praticantes e demais banhistas, o que acabou fazendo com que o frescobol fosse proibido pela polícia entre os anos de 1950 e 1951. Após a proibição, os praticantes de frescobol saíram de Copacabana e foram para o Arpoador. E posteriormente, para a Praia do Diabo, que veio a se tornar uma espécie de “academia de frescobol” durante mais de trinta anos.
Cabe destacar que o frescobol já nasceu envolto em polêmicas e divergências, como, por exemplo, a que diz respeito ao criador da prática esportiva. Embora o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) reconheça o empresário Lian de Carvalho como o pai do frescobol, o cartunista e escritor Millôr Fernandes mencionava ser um dos seus idealizadores. Para o escritor, o frescobol teria surgido entre os postos 4 e 6 da Praia de Copacabana na década de 50 – e não em 1945 no Posto “2,5”, conforme explicado anteriormente. Millôr (que faleceu em 2012) definia a prática como um esporte. No início da década de 90, o cartunista inaugurou um painel para homenagear o frescobol na Praça Sarah Kubitschek, localizada no bairro de Copacabana.
Painel em homenagem ao frescobol no bairro de Copacabana.
Fonte: Internet.
A origem do nome “frescobol” também é motivo de divergências. Em uma das versões, a palavra frescobol seria oriunda da expressão: “frescor do final da tarde”, utilizada por senhoras que frequentavam a Praia de Copacabana no horário vespertino. E como os “gringos” não aguentavam praticar a modalidade esportiva no auge do calor do Rio de Janeiro, teriam misturado as seguintes palavras: fresco (em português) + ball (bola, em inglês), o que possivelmente deu origem ao nome frescobol. Na segunda versão, o nome teria surgido em virtude da mobilização contra o crescimento do frescobol na década de 50, realizada tanto pela imprensa quanto por alguns cidadãos contrários ao jogo. Na época, a prática esportiva era pejorativamente chamada de “coisa de frescos” e de “jogo de frescos”. Alheios à provocação, os praticantes de frescobol teriam acabado por adotar o nome.
Em virtude de uma nova e intensa repressão policial e da repercussão negativa da imprensa, o frescobol quase foi banido das praias cariocas na década de 70. Banhistas, vendedores ambulantes, salva-vidas e esportistas que eram favoráveis à prática do frescobol chegaram a criar um sistema de alarmes nas praias da Zona Sul da cidade que anunciavam a presença da polícia.
Década de 60: polícia apreende raquetes de frescobol (Praia de Copacabana).
Fonte: Blog “Saudades do Rio”
Mas a prática esportiva resistiu, continuando presente nas praias. E no final dos anos 70, as bolas de tênis descascadas utilizadas no jogo foram substituídas por bolas de racketball importadas dos EUA. Feitas de borracha pressurizada, as bolinhas revolucionaram o frescobol, o tornando ainda mais ágil.
De acordo com mapeamento realizado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) no ano de 2015, as principais praias cariocas onde o frescobol é praticado são: Praia da Bica (na Ilha do Governador) , Praia do Flamengo, Praia de Copacabana (na altura das ruas Santa Clara e Bolívar), Praia do Diabo, Barra da Tijuca (Pepê e Posto 7) e Recreio dos Bandeirantes (Posto 9). Para evitar acidentes que possam machucar os demais frequentadores das praias, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro proibiu práticas esportivas como o frescobol no espelho d’água das 8h às 16h. O GEP (Grupamento Especial de Praia da Guarda Municipal do Rio de Janeiro) fiscaliza a presença de pessoas que estejam jogando frescobol na área mencionada acima, bem como em situações que envolvam crianças perdidas, afogamentos, animais silvestres feridos, furtos e roubos e demais ocorrências. Todavia, mesmo com a proibição, ainda é possível ver praticantes de frescobol fora do horário permitido entre os banhistas.
Em suma: o frescobol atravessou décadas e gerações, podendo ser visto como uma prática que diz respeito às “artes do fazer” cotidiano (CERTEAU, 1994), juntamente com outras atividades como o futevôlei e o “altinho”, que também possuem a praia como local de origem. E muitas modalidades esportivas que posteriormente se popularizaram no Rio de Janeiro também saíram das areias da praia de Copacabana (GONTIJO, 2002).
E através do “vai e vem” da bolinha entre as raquetes de madeira, o frescobol proporciona a coreografia dos corpos na orla carioca. Amado por quem joga (e frequentemente odiado por muitos banhistas), o frescobol chega ao século XXI com uma história repleta de agilidade e dinamismo – e também de resistência.
Referências Bibliográficas:
BLOG “A CARA DO RIO”. Frescobol foi criado em Copacabana.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DECRETO Nº 39.758 (06/02/2015). Frescobol: Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial da Cidade do Rio de Janeiro.
DECRETO Nº 20.225 (13/07/2001). Usos e atividades na orla marítima do município do Rio de Janeiro e outras providências.
FRESCOBOL VERDADEIRO, SEM REGRAS NEM CONTAGEM DE PONTOS. 2016.
GONTIJO, Fabiano de Souza. Carioquice ou Carioquidade? Ensaio etnográfico das imagens identitárias cariocas. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002.
GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. GEP: Grupamento Especial de Praia.
INSTITUTO RIO PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE.
PORTAL MULTIRIO. Frescobol: das praias a patrimônio cultural.
PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Frescobol é considerado patrimônio imaterial do Rio de Janeiro.