Por Igor Lacerda | Setembro 2019

O geógrafo Stephen Graham, em Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar, estuda as guerras que tiveram o envolvimento do Reino Unido, de Israel e principalmente dos Estados Unidos para exemplificar o que ele chama de novo urbanismo militar, que também pode ser compreendido como a militarização empregada posteriormente à sociedade civil desses lugares. Táticas e ideologias essencialmente militares (antes, utilizadas em momentos específicos como o ataque de um exército inimigo, por exemplo) na contemporaneidade são aplicadas ao cotidiano das pessoas que vivem nas cidades, para o autor isto é militarização. Supostamente, esses planos servem para proteger a cidade e as pessoas dos ataques de grupos armados internos e externos, também é uma forma de amenizar os medos, forjando uma sensação de segurança.

Para melhor explicar a sua hipótese, Graham apresenta cinco características para essa militarização da vida. A primeira diz que as táticas militares de triagem e rastreamento estão cada vez mais incluídas à paisagem urbana. De tão naturalizadas, são pouco reparadas e consequentemente problematizadas. Na segunda, conta que os conceitos, as técnicas e as ideologias de guerra são utilizadas nas cidades para controlar alguns grupos sociais, movimentos populares e todos aqueles que são entendidos como ameaçadores. Com o propósito de conter uma suposta desordem causada por esses grupos, medidas repressivas e militarizadas são utilizadas pelo Estado, que inclui o uso de diferentes tipos de tecnologias como câmeras de monitoramento, verificação biométrica, aparelhos com identificador de localização e drones.

A terceira característica do urbanismo militar é a economia vigilante, nela se destaca um mercado de serviços e tecnologias de segurança. Nesse sentido, são notórios os seguros de todos os tipos, os carros blindados, os arrojados sistemas com câmeras de segurança, um mercado cada vez mais desejado pelas pessoas que vivem nas cidades. Na quarta, o autor lembra que infraestruturas importantes à vida (água, luz, alimentos e telecomunicações) podem ser cortadas ou atacadas em períodos de combate. Na quinta, nota-se que as tarefas militares de rastrear, vigiar e dominar o alvo não precisam necessariamente de novos sistemas tecnológicos, pelo contrário, elas se apropriam dos aparatos digitais que já operam no dia-a-dia das pessoas: interações e transações feitas por aplicativo, via internet, fornecem informações importantes aos bancos de dados ou podem ser utilizadas para a identificação de uma ação terrorista; os carros inteligentes podem auxiliar nos projetos de armamentos robóticos, entre outros exemplos.

Essa militarização não está exposta apenas no urbanismo, ela também está presente nos discursos dos políticos responsáveis pelas cidades. Para exemplificar isso, recorremos ao assassinato de um músico por agentes do Exército, focando principalmente nas opiniões de figuras políticas sobre o caso.

No dia 7 de abril de 2019, o músico Evaldo dos Santos Rosa foi morto depois de agentes do Exército dispararem 80 tiros contra o seu carro. O caso ocorreu em Guadalupe, Zona Oeste do Rio de Janeiro. No veículo, junto com o músico, estava a sua esposa Luciana Oliveira, seu sogro Sérgio Gonçalves de Araújo, seu filho Evaldo e Luciana, sua afilhada. Os moradores da localidade assistiram à cena sem entender o que estava acontecendo. Algumas pessoas, mesmo temerosas e confusas, saíram em defesa daqueles que estavam sendo atingidos pelos projéteis. Nessa tentativa de ajudar, o catador Luciano Macedo foi atingido, chegou a ser internado, mas morreu dez dias depois, 17 de abril de 2019.

O presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o governador Wilson Witzel falaram sobre o caso reforçando a ideia de envolvimento da família, que estava indo a um chá de bebê, com o tráfico de drogas. Além disso, não questionaram a atitude tomada pelos soldados, pelo contrário reforçaram a importância das Forças Armadas para garantir a segurança na cidade e o seu suposto papel fundamental à democracia brasileira.

Confio na justiça militar, nos esclarecimentos que o Exército dará por meio do inquérito, e espero que eventos de igual similitude não venham a ocorrer. (Presidente Jair Bolsonaro – Partido Social Liberal, 2019).

 

Ainda tomo conhecimento do assunto, mas, pelas últimas informações, trata-se de uma emboscada por uma quadrilha de narcotraficantes. (Vice-presidente Hamilton Mourão – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, 2019).

 

Não sou juiz da causa. Não estava no local. Não era a PM. Quem tem que avaliar todos esses fatos é a administração militar. Não cabe fazer juízo de valor ou tecer críticas. Confio nas instituições, na importância das Forças Armadas para a democracia. (Wilson Witzel – Partido Social Cristão, 2019).

O presidente, o vice e o governador reforçaram a lógica maniqueísta da guerra, como esclarece Graham, reforçando a ideia de um eu/nós (justos e bons) combatendo o eles/outros (inimigos/odiados). Esse pensamento vai de encontro aos planos de segurança pública defendidos por eles: aumento das penas, mais encarceramento, o direito de o policial matar, a possibilidade de as pessoas andarem armadas. Planos que são pouco eficazes, mas respondem positivamente aos medos e aos desejos de seu eleitorado. Além do mais, esses discursos são extremamente significativos, pois reforçam uma ideia simplista do bem contra o mal, fundamentam os conflitos contra os mais pobres e ativam o medo do outro, intensificando a violência ao invés de erradicá-la.

 

Referências

GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo, 2016.

 

Os 80 tiros e a lógica dicotômica da guerra