Por Flávia Mello | Setembro 2019

A literatura sobre marcas e branding – termo que define as atividades de gestão de marca – é extensa, especialmente, nas pesquisas de Marketing. Dentre alguns autores, o modelo mais clássico de análise de marca e amplamente citado em trabalhos acadêmicos é o Planejamento de Identidade de Aaker (1991), que desenvolveu um sistema que propõe uma gestão a partir do valor da marca (o brand equity). Kevin Keller (1998), considerado, por diversos motivos, herdeiro de Aaker, propõe uma abordagem cognitivista sobre o desenvolvimento e a gestão de marca, uma vez que para o autor o valor de uma marca é determinado pelo conhecimento (brand knowledge) que os consumidores têm dessa marca, bem como os resíduos que a mesma deixou em sua memória. Já caminhando no sentido da semiótica da marca, o modelo proposto por Jean-Marie Floch aborda a marca como entidade enunciada, como discurso manifesto, definindo a identidade da marca como um desdobramento dinâmico.

Partindo de uma concepção contemporânea, o termo marca vai além da definição de símbolos e designs isolados, passando a ser entendido como a junção de tudo o que compõe e o que não compõe a sua estratégia (BEDBURY, 2002; CALKINS, 2006). Para Semprini (2010), a marca pós-moderna é um conceito maior do que suas manifestações isoladas, “é o conjunto de discursos relativos a ela pela totalidade de sujeitos envolvidos em sua construção. É uma instância semiótica, uma maneira de segmentar e de atribuir sentido de forma ordenada, estruturada e voluntária” (SEMPRINI, 2010, p.96).  Portanto, na visão do autor, o papel dos destinatários da marca “está longe de ser aquele de espectadores passivos e, sobretudo, a marca funciona como um verdadeiro agente de mediação” (SEMPRINI, 2010, p. 184). A marca faz sentido quando compõe uma narrativa para quem a consome, propõe um universo imaginário que permite ao consumidor construir sua identidade, seu estilo de vida, seus imaginários pessoais. Ao princípio abstrato da marca, Semprini (2010) denomina forma-marca, que pode ser descolada dos produtos de consumo e aplicada a outros “enunciadores”, a “todos os tipos de produtos ou discursos sociais: uma mídia, um museu, um partido ou um homem político, uma organização humanitária, um esportista, um cantor, um filme” (SEMPRINI, 2010, p. 20) e, inclusive, a lugares, cidades, países.

Em um contexto de consumo saturado, em que há uma avalanche constante de novos produtos e serviços, a marca contribui, portanto, para estimular os consumidores a descobrir e experimentar as novidades, uma vez que não se prestam mais a se interessar por algo simplesmente porque é novidade, mas estão prontos para aderir uma nova proposta se identificarem, sobretudo, o valor imaginário, a possibilidade de atribuição de sentido a um projeto de vida (SEMPRINI, 2010), de acionamento de um sentimento de pertença, de identificação. Enfim, a marca agrega ao bem material valores de uma determinada cultura, elementos que contribuem para constituir a identidade de sujeito ou de um corpo social. Nesse sentido, o papel do branding é, senão, criar um sotorytelling para a marca (de produto ou lugar), torná-la diferente, interessante, única. O conceito de storytelling é apresentado por Boje (1995) como um sistema coletivo em que a performance das histórias que a organização conta sobre si é peça chave na construção de sentido e significado para suas estratégias organizacionais.

Assim, na contemporaneidade, a lógica da marca se dá no imbricamento de três dimensões presentes nos espaços sociais: “está profundamente ligada à esfera do consumo, alimenta-se da comunicação e representa uma manifestação da economia pós-moderna de suma importância” (SEMPRINI, 2010, p. 21). A capacidade de conjugar essas forças permitiu à marca, primeiramente, impor-se no universo do comércio e do consumo, e, posteriormente, constituir-se como fenômeno que produz sentido nos contextos sociais contemporâneos. O Modelo Projeto/Manifestações da marca pode ser expresso por um processo no qual seus gestores concebem um sentido primordial, denominado projeto de marca, que é caracterizado então por suas manifestações. As manifestações da marca são os enunciados que tornam concreto o projeto de marca, são formas tanto materiais quanto imateriais de tornar a marca perceptível aos destinatários através da observação ou da experiência. No caso de um bem tangível, podem ser a estratégia, o produto em si, a embalagem, o preço, logomarcas, entre outros. Em se tratando de uma cidade, eventos ou mobiliário urbano são exemplos de manifestações de uma marca.

Tradicionalmente associadas a produtos e serviços, as atividades relacionadas ao branding têm despertado, mais recentemente, o interesse de governos de todas as instâncias (países, cidades, bairros, regiões), em função do processo de globalização e crescente competição internacional (GIRALDI; CRESCITELLI, 2006). A construção de uma marca para um país, uma cidade ou um território está baseada nas teorias relacionadas ao city branding, place branding, destination branding ou ainda place marketing, todas compostas por estudos relativamente recentes com algumas especificidades conceituais, mas que convergem para um mesmo objetivo: construir uma reputação mercadológica para marcas locais a partir da “representação perceptual das ações passadas e expectativas futuras que descrevem o atrativo geral do território para seus grupos de interesse em comparação a seus competidores” (GARCÍA; GÓMEZ; MOLINA, 2013, p.112). Para autores como Clegg e Kornberger (2001) e Karavatziz e Ashworth (2008), o place marketing relaciona as teorias de marketing de produtos a um local geográfico, enquanto o desenvolvimento da marca de cidades (place branding) está relacionado à criação de um posicionamento único, com o objetivo de melhorar a vantagem competitiva do lugar. Assim, todo o processo de gestão, seja de marca-produto ou marca-lugar, está intimamente ligado à gestão da imagem que se procura que consumidores tenham dessa marca, e a construção da identidade de uma marca de lugar está diretamente relacionada ao passado e ao atual ambiente político, econômico, legal e cultural em que o lugar está inserido.  

Pelo viés dos estudos organizacionais, entende-se a cidade como um conjunto de organizações sociais e indivíduos não organizados, situados no tempo e no espaço, com dimensões e complexidades altas, que desenvolvem “uma identidade cultural tanto relativa à totalidade da cidade quanto à gestão desta totalidade” (Mac-Allister, 2004:175). Nesse sentido, para além da imagem oficialmente proposta por meio de estratégias e políticas públicas, há outras formas de produção de sentido social e cultural que se fazem presentes, constroem narrativas distintas e, por vezes, antagônicas ao modelo outorgado à população, o que influenciará, certamente, na construção da identidade de marca.

Sobretudo, na última década, observa-se a gestão da marca local em países como a Escócia, a Nova Zelândia, a Espanha, a Alemanha e os EUA, em cidades como Paris e Nova Iorque e em regiões como o Arizona, os Pirineus ou Vale do Silício, tendo como objetivo fundamental a apropriação de valores e representações, para si e seus moradores, a fim de construir uma imagem para o lugar que seja condizente com o cenário internacional onde este queira se inserir. É fundamental observar que a “cidade” é um objeto muito menos circunscrito para a gestão de marca do que os objetos que são alvo da teoria de branding (produtos, serviços, comunicação publicitária). Clegg e Kornberger (2001) sinalizam que enquanto um produto é propriedade legal de uma empresa, a cidade não tem um único “controlador”, de forma que diversos agentes divergem e disputam os espaços e identidades da cidade, o que influenciará, certamente, na construção da identidade de marca. 

No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, não é possível identificar uma gestão de marca formal, mas observa-se que a prefeitura e os diversos agentes de mercado (empresas, produtores e veículos de mídia), privilegiam, em sua comunicação, ações de reforço dos ícones e símbolos da cidade (do passado e do presente) que carregam (para dentro e para fora do país) o imaginário carioca.  Assim, observa-se que, desde o início do século XX, o Rio de Janeiro vem trabalhando sua imagem com base nos grandes eventos, culminando com os Jogos Olímpicos, em 2016. Ao lado dos títulos de “Cidade Maravilhosa”, com a carga dos imaginários de cidade da festa e das belezas naturais, que remontam ao começo do século XX, incorpora-se, no momento em que a cidade se prepara para sediar os Jogos Olímpicos, o de “Cidade Olímpica”, com todos os atributos que este novo título agrega à “marca Rio”, em mais um imaginário a ser consolidado pelos esforços de comunicação e branding.

 

Referências:

BEDBURY, S. O novo mundo das marcas. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

BOJE, David M. Stories of the storytelling organizations: a postmodern analysis of Disney as “Tamara-land”. AcademyofManagementfournal1995,Vol.38,No.4,997.

CALKINS, T. O desafio do Branding. In: TYBOUT, A. M.; CALKINS, T. (orgs.) Branding: fundamentos, estratégias e alavancagens de marcas. São Paulo: Atlas, 2006.

CLEGG e KORNBERGER. An Organizational Perspective on Space and Place Branding, in Go F. M., Govers R. (eds) International Place branding Yearbook 2001: Place Branding in the New Age of Innovation, pp. 3–11. Houndmills, UK: Palgrave Macmillan.

GIRALDI, J. M. E., CRESCITELLI, E. Desenvolvimento de Marca-País: uma Abordagem Teórica sobre as Dificuldades e Similaridades com o Desenvolvimento de Marca para Produtos. In: II Encontro de Marketing da ANPAD, 2006, Rio de Janeiro, Anais…Rio de Janeiro: AnPAD, 2006.  Acesso em: 15 nov. 2016.

GARCÍA, J. A.; GÓMEZ, M.; MOLINA, A. Posicionamiento de marcas-destino: una aplicación en cinco regiones españolas. INNOVAR. Revista de Ciencias Administrativas y Sociales, vol. 23, n. 50, octubre-diciembre 2013, pp. 111-127.  

KAVARATZIS, M. AND ASHWORTH, G. ‘Place Marketing: How did we get Here and Where are we Going?’, Journal of Place Management and Development 1(2): 150–67, 2008.

MAC-ALLISTER, Monica. A cidade no campo dos estudos organizacionais. Orgaizações e Sociedade, 2004. Disponível em <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaoes/article/view/12642/8916>. Acesso julho/2019.

SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade. Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010. 

Branding e branding de lugar: recriando a marca-cidade