Marcelo Sotratti é doutor e mestre em geografia pela UNICAMP, professor adjunto da UERJ no curso de Turismo e docente do corpo permanente do Programa de Mestrado Profissional em Prevenção do Patrimônio Cultural – PEP/IPHAN. É também coordenador de Extensão do Instituto de Geografia. Em 2008 e 2009, Sotratti atuou na EMBRATUR/UNESCO no desenvolvimento de Projetos de Promoção e Marketing Turístico do segmento Turístico Cultural.

O geógrafo vem pesquisando questões relacionadas ao turismo desde 2003 quando iniciou seu mestrado. Na linha de pesquisa voltada para a responsabilidade social, preservação do patrimônio cultural, turismo e território, Marcelo pesquisa atualmente o Plano de desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro e a produção do espaço balneário nas cidades litorâneas (circulação de modelos e experiências).

Confira abaixo a conversa que tivemos com ele:

 

1- Na descrição do seu projeto de pesquisa, você aponta que a “geografia, com suas categorias espaciais – espaço, território, paisagem e lugar – representa uma enorme contribuição para a análise das dinâmicas socioculturais”. Como você acredita que as transformações ocorridas no Rio de Janeiro durante os megaeventos, em especial a Copa do Mundo e a Olímpiada, contribuíram para essas dinâmicas socioculturais do estado?

As transformações ocorridas no Rio de Janeiro se deram em duas dimensões: as dimensões materiais e as dimensões simbólicas. As dimensões materiais estiveram ligadas às obras direta ou indiretamente associadas aos megaeventos, não impactando na dinâmica socioespacial da totalidade da cidade e tampouco do estado. Foi nitidamente observado uma seletividade espacial para a realização das intervenções, alinhada aos interesses políticos e do mercado imobiliário. Na dimensão simbólica, as transformações foram mais evidentes. A redução narrativa que permeou os megaeventos projetou a cidade do Rio de Janeiro no cenário mundial do turismo, reforçando estereótipos já consolidados (muitos deles apoiados na tradição cultural da cidade) e sublinhando um caráter inovador e globalizado da cidade.

2- Como o espaço, o território e a paisagem do Rio de Janeiro influenciam na história dos megaeventos (carnaval e réveillon) dentro da cidade?

A cidade do Rio de Janeiro sempre apresentou, desde sua fundação, uma experiência de capitalidade. Essa capitalidade pode ser compreendida como um protagonismo na formação de redes sociais, econômicas e culturais que a cidade demonstrou em relação a outras cidades e territórios. Sua especial beleza, seus recursos naturais, sua localização estratégica e, sobretudo, seu poder de atração para diferentes grupos estrangeiros a tornou um centro de referência no Brasil colonial, imperial e republicano. A experiência de capitalidade do Rio de Janeiro inspirou à realização de grandes eventos na cidade em diferentes tempos: a grande festa da chegada da Corte em 1808, as Exposições Mundiais de 1908 e 1922 e, mais recentemente, megaeventos esportivos, religiosos e da indústria cultural e do turismo que reforçam seu caráter de capitalidade e de porta de entrada para o Brasil.

Fonte: Revista Viajar

3- Entre 2012 e 2017, você pesquisou a valorização do patrimônio imaterial carioca, Bossa Nova e Samba. Hoje, com os cortes de verbas para uma das maiores festas do Rio, o carnaval, como você enxerga a (des)valorização desse patrimônio imaterial?

Mais do que isso. Enxergo uma discriminação deliberada em relação aos patrimônios imateriais e materiais associados à tradição afro brasileira. As transformações ideológicas que envolvem as ações políticas na cidade e no estado do Rio de Janeiro possuem uma relação direta com o patrimônio cultural. A base que sustenta a construção patrimônio cultural se apoia na força de representação dos bens culturais (materiais e imateriais) para a formação identitária da localidade. Nesse sentido, o carnaval e as matrizes culturais africanas, que sempre marcaram a identidade carioca e fluminense, estão sofrendo uma pressão direta de grupos religiosos e políticos avessos a essas expressões culturais.

Fonte: Zejournal

4- Antes, durante e depois da Olimpíada do Rio foram feitos planos de comunicação e marketing para a mudança da tão conhecida Cidade Maravilhosa para a Cidade Olímpica. Você acredita que essa mudança realmente aconteceu? Como essa transformação pode ter interferido na forma de os turistas tratarem a cidade?

Naturalmente que não. No imaginário da população carioca, os Jogos Olímpicos terminaram e os problemas continuaram. Nenhum legado foi deixado de forma a estimular a prática esportiva na cidade; da mesma forma, boa parte das intervenções realizadas foram expostas pela mídia relacionando-as à corrupção e incapacidade técnica de planejamento e execução. O Rio de Janeiro continua sendo o principal destino turístico do Brasil, seja na categoria doméstica e internacional. Isso se deve à experiência de capitalidade que a cidade ainda exerce no imaginário turístico mundial. Nenhum slogan turístico consegue se sustentar face à complexidade social e cultural que o Rio de Janeiro possui.

5- Atualmente você pesquisa o plano de desenvolvimento turístico do estado do Rio de Janeiro. Pensando nisso, como a cidade criativa pode estar influenciando a comercialização dos produtos turísticos? Você pode nos contar um pouco mais sobre sua pesquisa?

No desenvolvimento desse Plano, a economia criativa possui um lugar de destaque. Não podemos ignorar a força da cultura popular existente no Rio de Janeiro e sua capacidade de transformá-la em negócios originais e rentáveis para diferentes grupos sociais. Nesse sentido, por meio da economia criativa novos produtos turísticos (muitos de natureza cultural) podem ser desenvolvidos e disponibilizados em diferentes bairros da cidade, superando a desgastada imagem de que o Rio de Janeiro só acontece na zona sul.

O Plano é um trabalho desenvolvido em parceria com a Secretaria Estadual de Turismo do Rio de Janeiro – SETUR/RJ. Com a mudança política, aguardamos a continuidade do trabalho por meio do interesse desse órgão em dar prosseguimento ao trabalho. Já tivemos contato inicial e as possibilidades de prosseguirmos com o Plano é grande.

6- Um dos seus projetos de extensão tem como proposta planejar e proporcionar ao público vivências em espaços públicos e/ou institucionais onde são desenvolvidas expressões culturais populares que demonstrem a diversidade cultural fluminense. Você pode falar mais sobre o projeto e o que vocês já conseguiram observar de mudança ou impacto na comunidade local?

O projeto culTURa foi criado justamente como um laboratório para o desenvolvimento de produtos turísticos inovadores, diferentes e que possibilitem novas experiências para os visitantes e turistas na cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o projeto estabeleceu um recorte: seriam priorizados bens de natureza imaterial que fossem realizados por grupos culturais localizados em áreas distantes do espaço turístico tradicional da cidade. Até o momento, desenvolvemos visitações e experiências na Feira das Yabás em Madureira, na Feira de São Cristóvão, no Trem do Samba e na Feira do Lavradio.

Fonte: Medium

Para que esse trabalho efetivamente aconteça como imaginado, as atividades turísticas devem ser protagonizadas pelos grupos detentores desses bens culturais; nesse sentido os desafios são enormes, uma vez que vimos encontrando dificuldades logísticas e locais para possibilitar um trabalho mais próximo com as comunidades. O trabalho vem sendo muito bem recebido pelas comunidades. Todos amam. Acham fundamental maior visitação turística em áreas do centro e do subúrbio, sobretudo as de natureza cultural. No entanto, todos esperam que a Universidade conduza as ações, ou seja, a dependência das ações do Projeto são fundamentais para sua continuidade.

Uma outra questão a ser colocada trata da dificuldade de atrairmos turistas nas atividades desenvolvidas. Até o momento, tivemos uma participação absoluta de moradores do Rio de Janeiro que não conheciam essas expressões. Já pensamos em várias possibilidades para efetuar melhor comunicação e contato com turistas, mas as dificuldades ainda permanecem.

Entrevista com Marcelo Sotratti – Laboratório de Turismo (UERJ)