Por Érica Fortuna | Janeiro/2019

O medo é uma das sensações mais presentes no jornalismo carioca, principalmente no que diz respeito à produção de sentidos dos espaços urbanos. O medo mais assustador é aquele em que não se tem um real motivo para senti-lo.Esse medo deixa as pessoas com a sensação de um suposto perigo eminente, ameaçadas por algo que pode acontecer a qualquer momento, mas que ao certo não se sabe quando ou se vai acontecer. É um sentimento de alerta constante. A sensação de insegurança permanente gera um pânico que torna as pessoas reféns, dentro de suas próprias casas, de “inimigos” desconhecidos. Por consequência, o caos social que se instala diminui o desejo de vínculos e trocas em grupo, segregando o espaço urbano e produzindo um sentimento de não pertença à população pobre.

Fonte: Rainha Maria

Para Bauman (2008), o caos social que se instala tende a inibir a sociabilidade, esvaziando o espaço público como local de encontros de diferentes classes sociais. O medo e a banalização da exclusão social estão presentes nos noticiários de violência. Isto ocorre porque, segundo o autor, a mídia costuma narrar o fato sem contextualizá-lo. Muitas notícias são passadas com dados objetivos e caráter espetacular, inibindo o espaço de reflexão, privilegiando, a priori, o acontecimento pontual.  Ao preocupar-se mais com a forma da informação do que com a problematização, a mídia muitas vezes gera informação desqualificada. São narrativas que reforçam o medo. Nesse sentido, o indivíduo/governante busca incessantemente medidas de proteção que acabam por estimular a própria violência. Se pensarmos no caso específico do Rio, temos como exemplo de segregação espacial e discursiva os condomínios fechados, o piscinão de Ramos e a suspensão de linhas de ônibus que ligavam a Zona Norte à Zona Sul, como discutiremos mais à frente.

Além disso, o medo da violência exige o rosto de um culpado. A condenação simbólica e antecipada de jovens negros e pobres parece suprir a “necessidade” encontrada. Por essa perspectiva, o imaginário é parte fundamental para entendermos esse processo estigmatizatório. Vivemos em uma sociedade herdeira da escravidão, sem muitas políticas de inclusão e com segregação latente. Nesse contexto, há um processo de criminalização que acontece de forma consciente e inconsciente. Diante de uma estrutura em que diversas instituições (mídia, política, jurídica) são partes responsáveis por essa construção histórica de mundo, fica difícil transpor a barreira de pensamentos comuns para desenvolver um raciocínio crítico.

Fonte: CONTEC

Para serem apreendidos, os discursos passam por um processo de interpretação. O leitor recebe a informação e decodifica a mensagem através de signos que já fazem parte do seu repertório de conhecimentos. O imaginário atua quando preenche lacunas, conforme aponta Goffman (1986) ao afirmar que preenchemos o que não conhecemos com impressões construídas a partir de um suposto saber sobre o outro, que se baseia nas nossas próprias visões de mundo. Logo, o contexto histórico cultural em que vivemos estabelece uma ambiência que contribui para a produção de sentidos que classifica e segrega pessoas e lugares. De acordo com o processo mimético de Ricoeur (1994), podemos pensar o jornalismo atuando na formação do mundo refigurado pelo leitor e no mundo pré-figurado, pois tece novas intrigas ao se tornar narrador.

Apoiados nos estudos de Augusto Thompson (1998), verificamos que o primeiro traço básico da imagem do “criminoso” diz respeito ao seu baixo status social. Se pedirmos a uma pessoa que descreva a figura de um delinquente, teremos o retrato de um indivíduo da classe social mais baixa, mostrando ser “natural” a ligação entre pobreza e crime. O “criminoso” muitas vezes é identificado pelo fato de ser “favelado” antes mesmo de sê-lo pelo ato que é acusado. Preocupa-se muito mais com a definição de quem ele é do que com a conduta em si. É notório que boa parte da população carcerária advém de favelas, periferias e bairros mais pobres, mas isso não significa que haja uma relação “necessária e natural” entre ser “favelado” e “delinquente”. A relação é social, já que os moradores dessas favelas não são delinquentes. Por fim, concluímos que o problema é muito mais complexo do que os debates comumente levantados pelas páginas dos jornais.

 

Referências :

BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

GOFFMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

MATHEUS, Letícia Cantarela. Narrativas do medo: o jornalismo de sensações além do sensacionalismo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Campinas, SP: Papirus, 1994.

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? O crime e o criminoso entes políticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

O imaginário do medo na cidade do Rio de Janeiro