Por Gustavo Lacerda | Janeiro/2019
Quando cheguei ao Rio em janeiro de 2007, já era rotina seguir para o centro da cidade na véspera de Carnaval e encontrar aqui e ali, por acaso, um grupo portando um estandarte e instrumentos de sopro e percussão, e seguir, sem rumo, fazendo festa por suas vielas. Aquilo parecia uma novidade para eu e meus amigos. Era um cotidiano diferente do que se apercebia em minha cidade natal, a capital mineira de Belo Horizonte, por exemplo.

Não é que o carnaval de rua tenha estado desaparecido das ruas nos anos anteriores. Muito menos que teria “voltado” às ruas. Durante minha pesquisa para o mestrado, foi possível observar que, sobretudo na região norte da cidade, a festa sempre esteve muito bem com as batalhas de coretos, os grupos de bate-bolas, ou Clóvis, e os palcos financiados pela Riotur – sim, havia financiamento para a festa nos subúrbios e Zona Oeste por parte do Estado.
É que as múltiplas festas realizadas nos bairros que precedem o atravessar do túnel Rebouças, sentido Zona Sul, talvez não atraíssem tanta atenção dos órgãos de imprensa que, majoritariamente, davam espaço em suas linhas ao Carnaval da Sapucaí. Não era o mesmo retrato cotidiano do que se vivia nas ruas da cidade, no entanto.
Diga-se de passagem: uma pesquisa mais meticulosa sobre o cotidiano carnavalesco representado através das capas de jornais, para se ter uma ideia, apenas passa a dar conta da presença das multidões em blocos de rua do centro e zona norte a partir de 2013 – impressione-se!

O Carnaval da Sapucaí, por sua vez, mesmo diante de diversos discursos alarmistas sobre sua possível não-realização nas vésperas dos dias oficiais de folia, sobretudo a partir dos anos 2000, também não teve sua magia arrefecida: as novidades tecnológicas e criativas paulobarreanas, por exemplo, chamaram ainda mais a atenção dos espectadores curiosos pelos jogos mágicos que conferiram ainda mais teatralidade às comissões de frente, alas e alegorias.
Uma crença comum, compartilhada através das redes sociais, mais recentemente, no entanto, exclamam uma preocupação diante do contexto político da cidade: “O prefeito vai acabar com o Carnaval!”, “O governador vai abater a Sapucaí!”… será, mesmo?
Culpar os representantes do povo, como Crivella, Witzel e suas respectivas comitivas, por um possível afundamento do Carnaval é errôneo. Seja na rua, seja na Sapucaí. Isto porque, no primeiro, realizado por centenas de grupos de foliões que veem nesta festa popular uma oportunidade (a)temporal de extravasamento de ideias e costumes e não irão – de forma alguma – se abster de colocar o bloco na rua, aproveitando, inclusive, as oportunas redes digitais.
O Carnaval da avenida, por sua vez, pode até enfrentar, ao longo das últimas décadas, uma de suas maiores crises, é verdade. E esta não diz respeito aos governos de aparência religiosa que, agora, assumem maior representatividade no poder, mas ao caráter complexo de sua organização que envolve desde múltiplas ligas locais – não só a grand-Liesa – até os movimentos de apoio financeiro ilícitos que se desenrolam nos bastidores. Existe aí, inclusive, uma potencial oportunidade de reinvenção de seus barracões.
Ainda que, na sua história, pensar o carnaval tenha, estruturalmente, vínculo direto com o calendário religioso – hoje, não mais –, pouco é o impacto efetivamente religioso sobre o vigor potente que o espírito carnavalesco carrega, não só entre a população do Rio de Janeiro, mas entre todos os brasileiros.
Belo Horizonte é um exemplo disso: hoje, atrai turistas de cidades onde a festa de rua já se consolidou e atrai nomes de peso, seja fora ou dentro do mainstream musical nacional. Os foliões investem em fantasias criativas e – incluindo um número cada vez maior entre os meus amigos particulares – atraem interessados em tocar e produzir marchinhas e músicas de caráter crítico, político.

Pois é essa a essência da festa carnavalesca: o deboche, a ironia… elementos que incorporam a crítica sociopolítica sobre o momento e local em que vivemos. Produzindo arte, buscando meios e métodos de sobrevivência que permitam o “estar junto” carnavalesco, denunciando mazelas e lançando luz às questões de maior urgência.
Família Bolsonaro & Cia que se cuidem em 2019.
As ruas, seu povo e o Carnaval não perdoam!