Nesta edição do boletim, conversamos com Glaucia Neves, doutoranda e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ela nos contou um pouco sobre sua pesquisa no doutorado e a publicidade no cenário político atual.

 

1 – O que te instigou a querer levar seu conhecimento profissional na área de marketing para a pesquisa acadêmica no campo da política?

 O interesse na área da política se deu em algumas etapas. Em um primeiro momento, por ter trabalhado durante muitos anos com Marketing de Relacionamento, mais especificamente com CRM (Customer Relationship Management), comecei a questionar o uso que as empresas faziam dos dados privados dos consumidores. Percebi que, com a popularização das redes sociais, a questão da privacidade seria um dos pontos mais críticos na nossa sociedade em rede. No entanto, ao iniciar este campo de estudo acabei percebendo que o que realmente me interessava era entender o que motiva os sujeitos na contemporaneidade a expor sua intimidade, a não se preocupar com a questão da privacidade, e acabei me deparando com o uso político desta exposição no ambiente digital, principalmente em algumas ações do movimento feminista, como #PrimeiroAssédio e #Metoo. Minha pesquisa hoje é focada em entender como as narrativas na primeira pessoa se tornam ações políticas nas redes sociais digitais, com poder de estimular o engajamento de centenas de milhares de internautas a uma determinada causa.

2 – Relacionando seu artigo “Engajamento ou oportunismo? Reflexões sobre posicionamentos políticos nas ações de marketing das empresas”, escrito junto com a pesquisadora Aline Lima Brandão, ao recente período eleitoral do país, você avalia que as campanhas publicitárias estão usando do atual momento de bipolaridade política de maneira oportunista ou engajada?

O artigo escrito com a Aline Brandão e apresentado na ANPOCS no ano passado (2017) não tinha a pretensão de dar essa resposta, mas sim de trazer para o debate público algumas reflexões sobre este fenômeno de politização do marketing que, para nós, ficou muito evidente nestes últimos anos de intensa polarização política no Brasil e no mundo. Creio que esse posicionamento político das marcas nos chamou a atenção pelo fato de termos trabalhado por muitos anos no mercado, num período anterior à vida acadêmica, em que havia um certo consenso entre os profissionais da área de comunicação corporativa e marketing sobre o erro estratégico de associar uma marca a uma ideologia ou partido político. No artigo, o que tentamos mostrar é que: 1) essa pode ser uma estratégia de puro oportunismo se pensarmos que algumas marcas se posicionam politicamente simplesmente para aproveitar o fluxo midiático para aparecer; e 2) mesmo que exista um verdadeiramente engajamento, ou seja, os acionistas e donos da marca  realmente acreditem e apoiem a ideologia de determinado campo político, é bastante questionável esta participação de um agente social com poder econômico para investir em comunicação e influenciar o debate público, num contexto em que o financiamento empresarial de campanhas foi proibido no Brasil.

3 – Você acredita que essas campanhas estão alcançando seus objetivos, sejam eles quais forem?

É uma resposta difícil de dar justamente por não sabermos qual o objetivo de cada marca ao externalizar sua posição política. No entanto, o que pudemos observar é que houve uma nítida mudança na estratégia de marketing de muitas empresas nos últimos anos. Se antes se pensava em atingir o máximo possível de consumidores dentro de uma determinada população, o marketing parece ter entendido que, talvez, seja melhor optar por uma parcela menor do público, mas um público muito mais fiel por se identificar com o posicionamento da marca. A meu ver, é nisso que as marcas que estão assumindo uma posição política estão focando: identificação e fidelidade. Se for realmente isso, o resultado destas campanhas só poderá ser aferido no médio e longo prazo.

4 – Ao planejar uma campanha política, são estudadas quais estratégias seriam mais adequados para a situação, de acordo com seu objetivo e com o público que se quer alcançar. Na sua opinião, qual está sendo a ferramenta publicitária mais utilizada nas campanhas políticas deste ano e qual está tendo maior adesão na sociedade? Como você avalia o uso das novas mídias pelo marketing político?

No grupo de pesquisa do qual faço parte, o TCP (Tecnologias de Comunicação Política), do PPGCom da UERJ, analisamos durante seis meses (de maio a outubro) as redes sociais de todos os candidatos à presidência na eleição de 2018 no Brasil. Percebemos que as redes sociais como Facebook, Twitter, Youtube e Instagram foram ferramentas que mostraram a sua relevância para a comunicação direta dos candidatos com o eleitor, mas também notamos que o Whatsapp mostrou-se uma ferramenta particularmente diferenciada, por se tratar de uma comunicação mais privada, de grupos de pessoas próximas, em que a relação de confiança tem grande peso para influenciar o voto, além de estar fora do controle das limitações impostas pelas regras do nosso sistema eleitoral. Uma parte do nosso grupo de pesquisa se dedicou a acompanhar grupos de Whatsapp de apoio aos principais candidatos, notando que nesta plataforma se configurou uma estrutura de rede, em que algumas pessoas conectavam diversos grupos. Esta interconexão demonstra a força do Whatsapp como ferramenta de disseminação de conteúdo em apoio ou de ataque aos candidatos. Apesar de muitos partidos terem acreditado na força da televisão, investindo em coligações por tempo de TV, vimos que o vencedor da disputa ao cargo de presidente foi o candidato com menos tempo de TV, mas com uma força considerável nas redes sociais. Entretanto, é importante destacar dois pontos: 1) a  força nas redes digitais do candidato vencedor foi construída ao longo de anos e não apenas durante o período de campanha política; e 2) a TV não pode ter sua importância totalmente desconsiderada, pois ela foi primordial para o candidato Fernando Haddad se tornar conhecido de boa parte da população em um período curto de campanha, (ao assumir a candidatura no lugar do ex-presidente Lula, faltava pouco mais de 3 semanas do dia da eleição no 1o turno) e conquistar uma vaga no 2º turno da eleição presidencial.

5 – Analisando as últimas disputas políticas, você acredita que algum veículo (mídia) tenha tido maior destaque, em relação a ganhar a atenção do público?

Se estamos falando da mídia tradicional, me parece que o jornal Folha de São Paulo teve um grande destaque a partir da publicação da matéria sobre a compra de mensagens no Whatsapp contra o PT por empresários, no dia 18 de outubro. E continua em destaque neste momento pós-eleições com o ataque sistemático do presidente eleito, Jair Bolsonaro, à empresa jornalística, incluindo ameaça de corte de verbas de publicidade do futuro governo. Tudo indica que a Folha está se posicionando como o principal veículo de oposição ao governo recém-eleito. De qualquer maneira, a TV Globo ainda continua a ser um dos veículos de maior relevância pela grande audiência que ainda atinge com seus programas, tendo como carro-chefe o Jornal Nacional, que apresentou as entrevistas dos candidatos à presidente com alto índice de audiência. No entanto, a falta de debates no 2º turno prejudicou ainda mais o papel da TV como principal veículo de informação para o pleito presidencial deste ano. Cabe registrar que a TV Record se mostrou hábil a fazer movimentos de apoio ao candidato Jair Bolsonaro, abrindo espaço para entrevistas exclusivas, que de alguma forma desestabilizaram a hegemonia da TV Globo na cobertura das eleições. Neste contexto de polarização política, o que parece estar se configurando no Brasil é o modelo americano em que os veículos da mídia tornam públicos seus posicionamentos políticos.

6 – Na atual eleição, uma das maiores polêmicas das campanhas tem sido a grande circulação de “fake news”. Como você avalia esse processo e o papel das iniciativas da imprensa tradicional e das instituições públicas para refreá-lo? É possível fazer algum prognóstico sobre o futuro das “fake news” enquanto estratégia de campanha e objeto de legislação específica?

Antes de tudo, é preciso esclarecer que “fake news” ou notícias falsas sempre existiram, principalmente em eleições políticas, com a estratégia de denegrir o adversário. O que não havia, até há pouco tempo atrás, eram tecnologias acessíveis para a produção e circulação destes conteúdos. Na minha opinião, o pleito presidencial de 2018 nos apresentou novas estratégias de campanhas no ambiente digital desconhecidas por boa parte do público e do próprio Tribunal Superior Eleitoral. Acredito que novas regras serão criadas para coibir práticas que, na realidade, burlam as regras do sistema eleitoral, como o investimento de empresas em disparos em massa de mensagens por Whatsapp ou qualquer outro aplicativo de comunicação direta em prol de seus candidatos, já que o financiamento de campanhas por empresas privadas passou a ser proibido. Fazer isso através de novos sistemas não previstos em lei desequilibra a disputa política. Entretanto, não bastam as regras, é necessário que medidas punitivas sejam efetivamente concretizadas.

Nesta eleição, se viu claramente discursos de ódio sendo proferidos e comunicados pelas redes sociais e não me pareceu que medidas para contê-los tenham sido tomadas, apesar de estar presente na lei contra o racismo  (7.716/89)  a proibição de  “praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional.” Talvez, seja necessário se pensar em uma legislação específica para evitar a circulação de fake news e discurso de ódio no ambiente digital, cobrando maior responsabilidade das próprias plataformas. De qualquer maneira, também acredito que não são apenas novas leis que poderão coibir tais práticas. Temos que levar em consideração que a descentralização da informação possibilitada pelas tecnologias digitais não é o único fator para a proliferação de fake news, mas também o ambiente de forte polarização política, bem como a crise de confiança nas instituições tradicionais, como a própria imprensa. Ou seja, vivemos em um ambiente propício para que as pessoas passem a acreditar mais em opiniões de amigos e conhecidos do que nos fatos noticiados pela mídia.

Por isso, creio que seja necessário um trabalho de maior esclarecimento para os cidadãos sobre o que está em jogo nas disputas políticas cibernéticas. Considero que alguns veículos de comunicação vêm assumindo este papel de esclarecimento ao investir, por exemplo, em agências de fact checking, mas, ao mesmo tempo, acho que muitos destes veículos deveriam fazer uma autocrítica sobre o quanto contribuem para fomentar o ambiente de polarização ideológica. Em suma, na minha opinião, a produção e circulação das fake news são problemas muito complexos, pois são práticas que envolvem a participação dos próprios cidadãos produzindo e disseminando falsas notícias para atingir o inimigo ideológico. Por isso, necessitamos de soluções que também são complexas para minimizar os seus danos, e devem envolver diversos setores da sociedade, como o sistema jurídico, midiático (incluindo as empresas de plataformas digitais) e o educacional.

 

7 – Findas as eleições, o que se opera com a estrutura montada pelo marketing político? Conte-nos um pouco sobre o momento pós-eleição e as atividades de desmonte ou continuidade das equipes de campanha?

Neste novo cenário de polarização política e de uma sociedade conectada em redes digitais, me parece que se alterou o modelo de encerramento das campanhas logo após o anúncio dos resultados das eleições. Vimos, por exemplo, que após as eleições presidenciais em 2014, o partido do candidato perdedor, Aécio Neves, manteve o investimento na estratégia digital após o pleito, enquanto o partido vitorioso, o PT, desmobilizou sua campanha. O intuito do partido oposicionista foi o de manter o agressivo tom da campanha até chegar ao pedido de impeachment da presidente eleita. Tenho a impressão de que, pelas possibilidades de comunicação a baixo custo trazidas pelas novas tecnologias, os candidatos estarão, daqui para a frente, em permanente campanha nas redes sociais, intensificando presença e subindo ainda mais o tom do discurso nas vésperas das eleições.

 

8 – Temos no vídeo abaixo a mais recente campanha publicitária da Chevrolet. Nele, há uma relação clara entre política e cidade, com a empresa tomando parte nessa discussão. Qual a sua opinião sobre essa campanha publicitária e o engajamento de empresas na política por meio da publicidade?


Vídeo da campanha da Chevrolet

Esta campanha da Chevrolet é efetivamente um exemplo do que estamos chamando do Marketing Politizado. Há uma posição política da empresa, de forma velada, que não se restringe às questões da cidade. O vídeo foi publicado no dia 30 de setembro de 2018, uma semana antes do 1º turno das eleições e vários elementos nele apontam para uma mensagem: mudança. Isso está presente tanto no texto narrado, como nas imagens que confrontam uma realidade ruim com um futuro promissor. No contexto desta eleição brasileira, a mudança está atrelada ao candidato considerado “outsider”, a um partido que nunca foi governo.

Na minha opinião, a publicidade de um posicionamento político de uma determinada empresa é, no mínimo, questionável, pois ela usa o seu poder econômico para estimular um certo campo político, desequilibrando a disputa para aqueles que não contam com esse apoio. As novas estratégias de branding vêm estimulando as marcas a se portarem como pessoas, a ter uma persona com ideias e opiniões, no entanto, as empresas não são cidadãos – elas são atores sociais com força econômica para investir maciçamente em comunicação e, por isso, têm grande poder de influenciar o debate público. É importante deixar claro que a politização a que nos referimos é a declaração (aberta ou velada) das organizações privadas em apoio ou de rejeição a um candidato ou a um partido, e não ao engajamento em defesa de causas sociais relacionadas à proteção dos direitos humanos ou do meio-ambiente.

 

9 – Como apontado no artigo supracitado, “nota-se um certo redirecionamento na abordagem do tema político pelo marketing empresarial”, e isso pode ser exposto não apenas pelas propagandas de determinada empresa, mas também pelos produtos que ela possa vir a oferecer. Pensando nisso, o que você pode nos dizer sobre a comercialização de produtos como blusas indicando apoio ao candidato Bolsonaro ou contra ele? É possível de alguma forma relacionar o conceito de “marketing politizado”, que foi desenvolvido no artigo “Engajamento ou oportunismo”, com o que temos visto nas ruas das cidades brasileiras – pessoas “vestindo” suas preferências eleitorais?

 

O Marketing Politizado envolve qualquer estratégia de uma marca para capturar a atenção do público e influenciar sua preferência para determinado campo político, de forma a deixar claro o posicionamento ideológico da marca. Para isso, vemos que as ferramentas de marketing utilizadas são as mais variadas: desde uma campanha publicitária à decoração de um ponto de venda, e até o incentivo ao uso de peças de vestuário. Este uso de camisetas, adesivos, bottons e bonés por parte de cidadãos comuns indicando seu apoio a candidatos é uma estratégia antiga do Marketing Político, mas só podemos considerá-la como Marketing Politizado se houver uma nítida associação a uma determinada marca.

Podemos citar como exemplo o caso das camisetas pró-Bolsonaro e anti-Lula que estavam sendo vendidas nos sites das Lojas Americanas, no Shoptime e no Submarino (todos pertencentes à mesma empresa, a B2W). Ao comercializar este tipo de produto, com uma única posição no espectro ideológico, as marcas da B2W estariam praticando este tipo de marketing que eu e a Aline Brandão denominamos de “politizado” em nosso artigo. No entanto, logo após a repercussão na mídia, a empresa retirou dos sites estes produtos e fez um comunicado público explicando que desautorizava a venda de qualquer material de campanha política e suspendeu contrato com os “sellers” (lojistas parceiros independentes) que eram os fornecedores pelos produtos e estavam utilizando a B2W como canais de venda (marketplace). Portanto, a B2W se recusou a fazer o “Marketing Politizado”, diferentemente de outras empresas que não esconderam, ao contrário, alardearam sua preferência política, como a Havan, do empresário Luciano Hang.

 

 

 

 

Entrevista com Glaucia Neves – Política e Publicidade