Para o boletim de outubro, conversamos brevemente com Ronaldo George Helal, pós-doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006), professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador 1-C do CNPq. Em 2017, Helal realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L’Expertise et de la Performance. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte – LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior. Veja abaixo essa entrevista:

 

1 – Sabemos que você possui uma extensa produção bibliográfica na área dos estudos sociais do esporte. Como surgiu esse interesse em estudar o esporte e, mais especificamente, ligado à comunicação, sociologia, história, antropologia e psicologia do esporte?

Fonte: Estante Virtual

Olha, ele surgiu, acho que há muito tempo quando eu estava fazendo a graduação. Eu fiz duas graduações, uma de Comunicação Social na PUC (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e outra de Ciências Sociais na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ao mesmo tempo (estava um ano na frente em Ciências sociais) conseguia fazer um trabalho na PUC da disciplina “Metodologia Cultural” sobre significados simbólicos do futebol no Brasil (uma coisa assim). E eu acho que meu interesse foi um pouco tentar entender minha paixão pelo Flamengo, pelo futebol, mas na realidade mais pelo Flamengo. Tenho uma história antiga com o Flamengo, pois meu pai foi dirigente desde cedo.

Eu fui fazer mestrado e doutorado fora do Brasil em Sociologia e esse assunto tinha ficado um pouco para trás naquele momento. Comecei a me interessar mais por Comunicação e Política, Movimentos de Poder, a ascensão do fascismo, era o tipo de estudo que estava tentando encaminhar. Em dado momento uma das áreas de concentração que não tinha no Departamento de Sociologia em Nova York, mas que eu consegui abrir naquele momento, foi a de Sociologia do Esporte, porque eu participei de um congresso em Harvard que era de Sociologia do Esporte. Eu conheci alguns pesquisadores, me interessei, participei de uma eletiva de Filosofia do Esporte e vi que tinha muito material. Quando eu voltei para o Brasil, quase doutor em Sociologia, as portas se abriram na Comunicação. Eu entrei na UERJ em abril de 87, na PUC em março de 87 (fiquei na PUC até quase o final de 96, meados de 96), e aí eu comecei a juntar essa coisa de Esporte e Comunicação. Primeiro, eu fiz um livro em 90 que é O que é Sociologia do Esporte, depois defendi minha tese de doutorado em 1994 que era “A crise do futebol brasileiro como fenômeno sociológico”, já tinha uma pegada de Comunicação, porque eu analisei material de jornal. A partir da tese, fiquei muito com essa questão da Mídia e Idolatria, Mídia e Território Nacional, sempre tendo o esporte e mais o futebol como motor dessa pesquisa.

 

Fonte: La Nación

2 – Os grandes eventos, como a Copa do Mundo, possuem certa dimensão territorial de acordo com as singularidades de cada país-sede. Assim, em sua opinião, qual teria sido a estratégia adotada pela Rússia para escolher as cidades que receberiam jogos e atividades relacionadas à Copa de 2018?

Eu não sei. Aqui no Brasil foi muito criticado, foram feitos os estádios onde não tem futebol. Mas eu entendi que ela serviu, de alguma maneira, para em um país de dimensão continental não alijar essas regiões daquele evento, mas foi muito criticado com isso, com gastos que viraram alguns elefantes brancos. Na Rússia, não sei, também é um país de dimensão continental como o Brasil, não sei se a lógica foi parecida.

3 – Levando em conta a dimensão do país-sede, qual a importância e a consequência de se fazer essa distribuição territorial dos eventos?

Inicialmente no Brasil iam ser menos lugares, mas se você fica no eixo Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul fica muito batido. Aí você vai e coloca Bahia, Santa Catarina… Também fica batido. Tem alguns lugares que vão ficar completamente fora. Então, de alguma maneira, vai incrementar o turismo pra você revitalizar a cidade. O problema é o custo-benefício para construir um estádio ali, então a lógica é um pouco nesse sentido. A consequência teria que ver. Num dado momento, teve uma consequência positiva em termos de turismo na cidade. Não só onde foram realizados os jogos, mas por exemplo onde ficou hospedada a seleção da Alemanha. Teve consequências para a cidade, botaram dinheiro ali dentro.

4 – A Copa do Mundo, assim como outros eventos, constrói um sentimento de união e pertencimento entre a população do país-sede e o seu Estado nacional. Em seu ponto de vista, como esse sentimento se espalha em um país como o Brasil, que abriga tanta diversidade étnica em um mesmo território?

Eu acho que assim, se pegasse historicamente o Brasil com essa dimensão continental, na década de 1930, onde alguns agentes importantes do meio intelectual, como Gilberto Freyre, e do meio jornalístico, como Mário Filho, que conseguiram imaginar que o Brasil poderia se integrar por meio do futebol, esse também era o momento de integracionismo, nacionalismo. Isso acabou tendo uma eficácia simbólica grande que era a classificação do Brasil na Copa de 1938, que ficou em terceiro lugar, uma classificação bastante positiva, e com jogadores como Leandro da Silva, Domingos da Guia e outros. Depois você tem em um espaço de 20 anos, de 1950 até 1970, um vice-campeonato e três campeonatos com seleções fantásticas que ajudaram essa coisa de “90 milhões em ação”, “Brasil num só coração”. Então, o futebol tem essa capacidade de tentar potencializar esse sentimento. Tem em qualquer lugar do mundo, mas acho que no Brasil tem uma dimensão singular maior por ser uma nação nova, com uma identidade muito fragilizada no século XIX e no século XX, com o fim da escravidão e da monarquia. Então ele cria uma dimensão maior no caso brasileiro.

Fonte: Jornal Tocantins

5 – O que move e promove esses sentimentos nacionalísticos homogêneos e hegemônicos, que irrompem durante eventos esportivos desse porte, e se enfraquecem assim que ele termina?

A Copa do Mundo só faz sucesso porque todos nós brincamos de fazer de contas que é um duelo entre nações. A gente sabe que não é um duelo entre nações, mas metaforicamente é como se fosse um duelo de nações. Nos Jogos Olímpicos também. Na época da Guerra Fria, isso é até mais claro nos Jogos Olímpicos, com a União Soviética e os Estados Unidos, os países do lado leste e do ocidente. Então, esse sentimento tem hino nacional, tem bandeiras, você quer ver duelos entre Estados Unidos e Irã, EUA e Coreia do Norte, Brasil e Argentina, ou mais, Argentina e Inglaterra. Então, essas coisas ficam muito mais fortes. Eu acho que mesmo assim há um certo desvanecimento desse nacionalismo. No caso do Brasil, por exemplo, tem que parar no tempo que há um declínio da pátria de chuteiras tal qual colocou Nelson Rodrigues nos anos 1950/1960. Hugo Lovisolo, em uma entrevista nos anos 2000, professor da casa, estava lançando o livro A invenção do país do futebol e nós demos uma entrevista para O Globo e ele falou que a pátria estaria usando chuteiras cada vez menores e me impressionou o que o editor fez com a frase dele. A manchete da entrevista eram os os três autores (eu, Antonio Jorge Soares e Hugo Lovisolo) e mais Cesar Gordon. Cesar puxou a frase “A pátria com chuteiras cada vez menores”, então você já via o esmaecimento desse nacionalismo. As pessoas hoje torcem muito mais para os seus clubes locais do que para a seleção brasileira.

Tem aqueles torcedores cíclicos que ainda fazem do Brasil sua pátria chuteira, como quem acompanha Flamengo, Vasco e Corinthians etc. Eles estão mais ligados no sentimento local, do nicho. E houve um episódio mais recente, de 2013 a 2016, do impeachment para cá, que a camisa passou a representar uma outra coisa, o que é uma burrice porque todos nós somos brasileiros. As pessoas acham que qualquer pessoa com o símbolo da pátria seria relacionada à direita, então não querem usar os símbolos da pátria. Nós somos patriotas, então houve uma certa polarização com os cores e camisa da seleção brasileira.

6 – Você acredita que após um evento com a grandiosidade da Copa do Mundo, o governo promoverá alguma mudança nas suas políticas sociais?

As pessoas cobram da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos o legado em termos de educação e saúde. O Brasil tem problemas nessas áreas e ele tem de resolver isso independente de ter Copa do Mundo ou Jogos Olímpicos. Não é tarefa de uma Copa resolver problemas estruturais graves, educacionais e de saúde de seus países, e sim legados em termos de transporte e locomoção urbana. Isso a gente até teve no Brasil, no Rio de Janeiro, com os Jogos Olímpicos.  Em um dado momento, você imagina que vai ter mais dinheiro, vão investir mais no país, e pode usar sim esse dinheiro em áreas mais precárias, mas não é função da Copa do Mundo resolver esses problemas.

Entrevista com Ronaldo Helal – Futebol e Copa do Mundo FIFA