Abril 2025 | Juliana Nascimento

 

No dia 2 de abril é comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, surgiu para atender uma demanda de levar informação à população e, assim, reduzir a discriminação e o preconceito contra os indivíduos que apresentam o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Porém, na prática, muita coisa ainda precisa avançar em termos de legislações e políticas que garantam a igualdade e promovam a plena participação das pessoas com autismo na sociedade. 

O ambiente escolar promove uma série de desafios. São regras que exigem padrões de comportamento uniformes e neurotípicos, e quem desvia dessa dinâmica acaba passando por processos traumáticos. “Pessoas com autismo frequentemente enfrentam isolamento, estigma e desigualdade. Elas têm sido privadas de acesso à saúde e à educação – especialmente durante crises – e sua capacidade legal tem sido não reconhecida e sobreposta”, afirma o secretário-geral da ONU, António Guterres, em mensagem assinada no dia de Conscientização do Autismo.

 

Pedro, bolsista na modalidade Estágio Interno Complementar (EIC),
apresenta pesquisa durante o evento Uerj Sem Muros

Estudante de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Pedro Favera, 21 anos, recebeu o diagnóstico de autismo aos 11 anos, quando passou por um processo de difícil aceitação: “As conversas eram ainda mais embrionárias do que são hoje. Não importava se eu falasse ou não do meu diagnóstico na escola, para os colegas ou professores, porque eu era sempre considerado o ‘esquisito’, ‘diferente’. Eu não precisava falar sobre [o autismo] para já ter problemas de socialização e com os próprios professores”.

Dentro do espectro autista cabe uma série de particularidades, e abordar o assunto de forma superficial propaga estereótipos e estigmatização. Favera conta que seu processo de negação do diagnóstico só acaba quando ele passa a ter acesso a temáticas fora da tendência de infantilização, que coloca todo autista como ‘anjo azul’. “As coisas só vão mudar mesmo quando eu começo a ver o movimento de pessoas adultas falando sobre autismo. E depois que meu irmão caçula é diagnosticado, percebo que não posso ficar alheio a isso”, relembra o estudante. 

Conforme o Censo Escolar de 2023, há 636.202 estudantes autistas no Brasil, porém, em muitos casos, falta assistência em sala de aula e provas adaptadas, por exemplo. Favera tem mais dois irmãos, com 16 e 6 anos, também diagnosticados com autismo, e relata que as dificuldades no ambiente escolar geram sérias consequências, como o fato de seu irmão, que está no ensino médio, achar que não vai conseguir emprego e nem constituir uma família.

Segundo dados do IBGE de 2019, o desemprego atinge 85% das pessoas dentro da comunidade autista e, entre aquelas que trabalham, 55% estão na informalidade. A Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, garante o acesso das pessoas autistas ao mercado de trabalho. No entanto, o capacitismo ainda é considerado o principal obstáculo para o cumprimento efetivo dessa legislação.

Os processos seletivos tradicionais priorizam habilidades de comunicação e interação social que podem representar desafios para esse público, independentemente de suas competências técnicas. Além disso, entrevistas realizadas em ambientes sensorialmente desconfortáveis, a ausência de adaptação, a falta de preparo das equipes de recrutamento, somadas a estigmas e desconhecimento sobre o transtorno, contribuem para a exclusão desses profissionais já na fase inicial da contratação.

 

Ativismo e interseccionalidade 

Lucas Pontes, psicólogo, palestrante e ativista da causa autista

 

O ativismo tem ampliado o debate sobre diversidade dentro do espectro autista interseccionalizando autismo, o movimento negro e a comunidade LGBTQIAPN+. Lucas Pontes, 27 anos, psicólogo que atua como acompanhante terapêutico e psicoterapeuta de pessoas neurodivergentes ou em processo diagnóstico, é um exemplo desse tipo de trabalho. 

Ele acredita que a luta pela conscientização do autismo, como sugere a data comemorada mundialmente, precisa estar ligada à consciência de classe. “Já tive experiências ruins com esse dia, porque ele acaba sendo, por vezes, mal usado. Para mim é impossível falar sobre o autismo e não falar sobre causas sociais, sobre questões LGBT’s e sobre todas as opressões que estão aí na sociedade”, diz Pontes.

Para o ativista, a visibilidade do dia 2 de abril precisa ser usada para propagar as reivindicações de pessoas autistas. Se o protagonismo não for dessa população, os estereótipos vão seguir sendo reforçados: “Autistas são representados, na maioria das vezes, como crianças brancas. Mas e os autistas adultos, negros, pobres ou idosos?”

Família Afro Atípica (@familiaafroatipica): Moises Santos tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), Gaaby Pereira também tem TDAH e é autista. Eles são pais de Benyamin, que é autista, surdo e tem trissomia 21

Vozes que ampliam a representatividade autista, como a do trabalho desenvolvido pela Família Afro Atípica (@famliaafroatipica), se fazem extremamente necessárias, já que pessoas negras autistas são as mais prejudicadas com o diagnóstico tardio ou  equivocado. Crianças negras com TEA têm 2,6 vezes mais chances de serem diagnosticadas erroneamente com outros transtornos antes de receberem a identificação correta, como aponta os estudos do diretor do Centro de Políticas de Saúde Mental e Pesquisa de Serviços da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia (USA), David Mandell.

Lucas Pontes alerta sobre um outro assunto delicado e que não pode ser invisibilizado, o suicídio. Segundo o estudo Retratos do Autismo no Brasil (2023), esse tipo de situação extrema tem uma incidência 8 vezes maior entre pessoas dentro do espectro. Das 2.247 pessoas que responderam ao questionário, 7,26% já atentaram contra a própria vida, e 49% apresentou, em algum momento, comportamento de automutilação. 

Dados reunidos no estudo ‘Retratos do autismo (2023), parceria entre Genial Care e Tismoome

Bullying, isolamento social e a depressão fizeram parte da vida de Pontes. O ativista conta que antes de receber o diagnóstico de autismo, com quase 20 anos, não se reconhecia porque tudo que ele fazia era considerado inadequado. “Na escola, eu não conseguia me encaixar, sofria muito, tinha crises, tentava conter meus tiques, mas era impossível”, relembra.

No trabalho como psicólogo, Lucas não precisa mais conter suas estereotipias. As experiências que acumulou durante a vida ajudam outras pessoas neurodivergentes no processo de autoconhecimento, e também na identificação das dificuldades e potencialidades de cada um: “Quem me procura sabe que eu sou autista. E, às vezes, a procura é justamente por um profissional que elas possam se identificar de alguma forma. Eu balanço a mão, é um tique que tenho, e não preciso esconder quando estou atendendo, e isso dá liberdade para mim e para quem eu atendo”.

Movimentar as redes sociais com informações sobre o autismo de forma responsável é uma importante arma contra a desinformação que tem sido vinculada sobre a temática da neurodiversidade. Em uma postagem feita no seu perfil do Instagram, intitulada ‘Pequeno manual do que não fazer no dia de conscientização do autismo’, Lucas Pontes (@lucas_atipico), compartilha informações das quais todos, enquanto sociedade, precisam se atentar.

Acesse a postagem para mais detalhes: Pequeno manual do que não fazer no dia de conscientização do autismo 

Entre outros assuntos, o manual trata da importância do protagonismo ser dos autistas, da necessidade de discutir questões sociais e de não esvaziar o tema disseminando informações mentirosas de pessoas que veem a causa autista como oportunidade de lucrar com a data. Pedro Favera faz parte da equipe do Laboratório de Comunicação, Cidade e Consumo (Lacon/Uerj), concorda com o manual e complementa: “Não compare às pessoas. Nem todo mundo é igual, por isso que é um espectro. As pessoas são diferentes dentro desse espectro. Elas estão unidas dentro de algumas características, mas é um espectro”.

 

Fontes:

https://revistas.pucsp.br/index.php/cintec/article/view/66012?utm_source=c 

https://mwpt.com.br/como-fazer-seu-processo-seletivo-digital-ser-mais-inclusivo-para-pessoas-neuroatipicas/?utm_source=chatgpt.com

https://revistatopicos.com.br/artigos/acessibilidade-e-inclusao-de-estudantes-com-transtorno-do-espectro-autista-no-ensino-superior?utm_source=chatgpt.com

https://www.canalautismo.com.br/noticia/retratos-do-autismo-no-brasil-em-2023/

https://www.instagram.com/lucas_atipico/ 

https://genialcare.com.br/materiais-ricos/retratos-do-autismo-brasil-2023/?_hsmi=283514384&_hsenc=p2ANqtz-8z1zY8bUa2GBtmj_bA6XZmKYfMigtkck_Nks0z_W7umZ1O4szZ41oc3z6w3ISweCUFK0xFQKOFvqK79c907vyy2Kghwg

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12447031/ 

Representatividade autista importa