23/01/2025

Por que Donald Trump voltou a ser eleito nos EUA mesmo após ter atentado contra a democracia, declarar ódio ao estrangeiro (xenofobia), sobretudo latinos e de descendência africana, ódio a mulheres, ser acusado de importunação sexual e tanto outros desmandos?

Não existe resposta única. É uma complexa rede de fatores. Em primeiro lugar, Trump sempre se coloca como alguém que não faz parte da elite política e econômica, embora ele seja um bilionário. Ele trabalha muito bem a comunicação para se colocar como o outsider, alguém de fora da política que chega para mudar o que está errado por dentro. Se existe insatisfação com a forma que se vive, a oposição ganha argumento para alimentar a própria narrativa. Com a insuficiência da situação, a população tende a acreditar naquele que diz não fazer parte do problema, sendo ele a solução.

Os excessos, os xingamentos, o discurso de ódio, o ataque à imprensa e a grupos minorizados se tornam a legitimidade de alguém que não tem tato com a política. Seria uma comprovação de que realmente não faz parte do mundo certinho da política.

Em segundo lugar, Trump faz parte de uma rede mundial da extrema-direita, que possui nomes como Erdogan, da Turquia; Orban, da Hungria; Bolsonaro; Javier Milei, da Argentina; entre outros. Cada país tem a sua realidade com o seu chefe de estado. Porém, a/o extrema-direita/fascismo possui táticas semelhantes em qualquer lugar do mundo, como a irrealidade, hierarquização social, o ataque à ciência, a autovitimização etc.

A autovitimização surge quando mulheres, negros, LGBTQIAPN+ e outros grupos minorizados garantem direitos. A extrema-direita, em sua maioria, é composta no poder por homens brancos, héteros, classes média e alta que valorizam um suposto passado mítico no qual só eles detinham o poder. Por que Trump, então, consegue votos de negros, latinos, LGBTQIAPN+, mulheres e outros? Com a ascensão de grupos minorizados, Trump ajusta o discurso com pânico moral e social sempre contra algum suposto inimigo e problema. Porém, apoio de grupos minorizados a Trump é um tiro no próprio pé: no retorno à Casa Branca, o político republicano voltou a atacar imigrantes e políticas para a diversidade e a inclusão de grupos minorizados na administração pública, que acarreta mudanças também no mundo privado, como tem sido anunciado por McDonald’s e pelas bigtchs em relação ao controle do discurso de ódio e da desinformação nas redes sociais. Capitalismo e Fascismo se retroalimentam.

Na pauta da imigração, Trump instrumentaliza o pânico moral e social para dizer que os legítimos cidadãos dos EUA estão sendo atacados por imigrantes, pela China ou pelo suposto adversário da vez. Mesmo sem apresentar provas legítimas, como o Canal do Panamá, cuja desinformação trumpista afirmou que os EUA estariam pagando tarifas mais caras que outros países, diante de um falso controle chinês da região. Trump se apresenta como alguém que tornará os EUA grandiosos novamente, mesmo que economicamente o país estivesse bem na gestão de Joe Biden. O adversário e o discurso ajustado da vez atravessam os diferentes modos de pensar do eleitor. Diante de uma sucessão de erros dos democratas, Trump voltou à presidência.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Bom, todo mundo sabe que Bolsonaro “é o Trump dos trópicos”. Age igualzinho. Só que aqui a justiça brasileira usou a constituição para tornar Bolsonaro inelegível por abuso de poder político. Outros crimes continuam sendo investigados que podem colocar Bolsonaro na cadeia.

Apesar disso, a eleição de Trump dá argumentos à extrema-direita brasileira para mover a sua base, até para reverter uma possível inelegibilidade ou a provável prisão de Bolsonaro, que afirmou durante esta semana que sonha com a Polícia Federal batendo em sua porta. Com ou sem Bolsonaro, outras vertentes políticas precisarão se mexer para não permitir a volta da extrema-direita, que já está normalizada, ao poder em 2026. Isso vale para o PT, para a esquerda, para outros grupos de direita que não concordam com o bolsonarismo.

Dialogar com o brasileiro com políticas públicas visíveis no dia a dia que façam a diferença na vida do trabalhador, sem cortes no bolso dos brasileiros pobres ou medidas de ajuste fiscal que só pesam para quem ganha pouco, seria meio caminho andado.

É muito fácil dizer que “o povo está mais conservador”, sem olhar os próprios defeitos e o que pode ser corrigido, especialmente no que diz respeito à comunicação. Existe uma conjuntura que precisa ser disputada narrativamente. Se a extrema-direita criou seus meios de chegar ao povo, como a desinformação (a famosa fake news), outros grupos políticos precisam fazer o mesmo: tem que estar nas redes, tem que bater perna, tem que correr atrás, repensar o que tem sido feito e lutar por mobilização social para evitar a justificativa fácil de “o povo está mais conservador” em caso de derrota nas urnas.

Acesse a dissertação de mestrado que trata da ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo, com a temática da politização da camisa verde e amarela da seleção brasileira de futebol como mote: clique aqui.

Marcelo Alves de Resende, doutorando, mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Bolsista Qualitec do LACON. Jornalista.

Por que Trump voltou à presidência dos EUA?