Por Ricardo Ferreira Freitas | Março 2022

Com o objetivo de discutir o tema diversidade, apresentamos algumas problematizações e dados que apontam as dificuldades que atravessam a comunidade LGBTQIAP+.

Cada corpo apresenta suas verdades e contradições com diferentes estatutos de emancipação. Carregam marcas da vida e do mercado de produtos, reclamando seus sonhos e o direito à cidade. No Brasil, sobretudo fora dos períodos eleitorais, alguns corpos são excluídos do pleno exercício de seus direitos pelos poderes públicos.

O direito à cidade ainda não é pleno para todos os citadinos, apesar de sua paisagem natural ou construída ser de usufruto de quase todos. Qualquer pessoa pode ser fotografada com o Pão de Açúcar ao fundo ou ao pé do bondinho, mas, para chegar ao segundo morro e usufruir de uma paisagem com beleza singular, é preciso pagar um ingresso caro. Em outro exemplo, ao adentrarmos em restaurantes sofisticados da zona sul do Rio de Janeiro, veremos clientes brancos na sua quase totalidade e, em alguns estabelecimentos, nem funcionários pretos participam do cenário.

A própria escola ainda estabelece e reproduz padrões em que os corpos educados e preparados para as mais renomadas funções profissionais são brancos e heteros, apesar de estarem misturados na sala de aula. Louro (2019) bem aponta o papel da escola nas referências de reconhecimento social e, portanto, quais corpos podem transitar à vontade pelas instituições e profissões mais valorizadas nas cidades.

Não pretendo atribuir à escola nem o poder nem a responsabilidade de explicar as identidades sociais, muito menos de determiná-las de forma definitiva. É preciso reconhecer, contudo, que suas proposições, suas imposições e proibições fazem sentido, têm “eleitos de verdade”, constituem parte significativa das histórias pessoais. É verdade que muitos indivíduos não passam pela instituição escolar e que essa instituição, resguardadas algumas características comuns, é diferenciada internamente. As sociedades urbanas, no entanto, ainda apostam muito na escola, criando mecanismos legais e morais para obrigar que todos enviem seus filhos e filhas à instituição e que esses ali permaneçam alguns anos. Essas imposições, mesmo quando irrealizadas, têm consequências. Afinal, passar ou não pela escola, muito ou pouco tempo, é uma das distinções sociais. Os corpos dos indivíduos devem, pois, apresentar marcas visíveis desse processo; marcas que, ao serem valorizadas por essas sociedades, tornam-se referência para todos (LOURO, 2019, p.13).

Nas escolas, os corpos LGBTQIAP+ lidam, muitas vezes, com estranhamento e preconceito que os afastam da educação formal ou os estigmatizam como corpos a serem insultados e abusados.

Nos Estados Unidos, país-laboratório para discussões queer no ocidente, os debates sobre diversidade ganham amplitude mundialmente após a Segunda Guerra Mundial, motivados por quatro mudanças sociais:

a presença maciça e permanente das mulheres no mercado de trabalho; a mistura demográfica causada pelos movimentos migratórios e pela globalização econômica; a coexistência de várias gerações, em função do aumento da expectativa de vida; e uma cultura mais tolerante e liberal em relação às diferenças (CHANLAT et al, 2013, online).

A conquista dos direitos civis no Brasil ocorreu de forma mais lenta em relação aos EUA e a alguns países europeus. O direito de voto das mulheres e dos analfabetos, por exemplo, foi reconhecido apenas em 1932 e 1978, respectivamente. O movimento LGBTQIAP+ começa a se desenvolver no país a partir da década de 1970, em meio à ditadura civil-militar – período político marcado pelo conservadorismo, repreensão e censura.

Apesar de avanços legais recentes, como a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero pelo Supremo Tribunal Federal em 20191, os dados em relação à violência contra a comunidade LGBTQIA+ no país continuam muito relevantes. Segundo o “Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil”2, realizado pelas ONGs Acontece LGBTI+, ANTRA e ABGLT, foram documentadas 207 mortes entre janeiro e agosto de 2021. Os grupos mais vulneráveis foram os homens gays (102 mortes; 49,28% do total) e as mulheres trans e travestis (86 mortes; 41,55% do total).

A expectativa de vida das pessoas transexuais e não-cisgênero é de apenas 35 anos, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)3, menos da metade do restante da população, estimada em 75,5 anos pelo IBGE4. Observamos, dessa forma, que apesar dos direitos adquiridos ao longo do tempo e de parte expressiva da sociedade, das marcas e da mídia reclamarem respeito e conscientização, a comunidade LGBTQIAP+, em grande medida, sofre preconceitos, discriminação e violência na cidade.

Referências bibliográficas

CHANLAT, Jean-François; DAMERON, Stéphanie; FREITAS, Maria Ester de;

LOURO, Guacira Lopes (org). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

PERUZZO, Cicilia. Igualdade e direitos humanos nas organizações empresariais e

cidadania. In: LEMOS, Lemos; SALVATORI, Patrícia (Orgs.). Comunicação,

diversidades e organizações: pensamento e ação. São Paulo: Abrapcorp, 2019.

1 Enquadrada na Lei de Racismo (Lei 7716/89).

3Disponível em: <https://antrabrasil.org/>. Acesso em: 8 maio 2018.

Diversidade e direito à cidade