Tatiana Cioni Couto | Junho 2020

De repente, fomos parados por uma epidemia. Os corpos quentes em movimento, que antes atravessavam a cidade correndo, foram obrigados a desacelerar. Não podiam mais estar no asfalto, atravessando ruas e bairros. Mas rapidamente surgiram modos para o corpo não parar. Cuidados com o corpo físico foram estimulados em diferentes mídias digitais. Como o corpo teve um papel de representação grande desde a Idade Média, vemos que existem inúmeros modos de discipliná-lo, controlá-lo e modificá-lo. Se estamos isolados por conta da pandemia, podemos fazer inúmeros treinamentos e condicionamentos físicos através do Youtube, Instagram e Facebook.

Lembramos que o corpo serve como instrumento de comunicação: ele inicia interações sociais. Para Le Breton (2013a), o corpo é usado para ser um mediador das relações, já que se fala através dele. De modo que os investimentos no corpo acabam sendo sinalizadores de uma “estilização da vida”. Le Breton (2013b) afirma que a gestão do corpo é um meio de vigilância.

Neste sentido, cirurgias, modificações, próteses, implantes garantem a formação de um novo nascimento, de uma identidade ostentada. Um “novo corpo” pode ser fabricado com dietas, regimes e exercícios. Quando o corpo passa a ser exibido e mostrado como uma mercadoria, ele é valorizado através da sua constante modificação e transformação. Posto em evidência, o corpo chama atenção.

A corrida é um modo de colocar o corpo como um “capital” , já que é colocada como um investimento para obter bem-estar corporal, perder peso e melhorar a disposição. E sem poder sair de casa, como investir no capital do corpo? Surgem então as corridas e treinamentos dentro de casa, de modo a não precisar sair, respeitando as regras de isolamento social. Grupos de corredores no Facebook bolam estratégias melhores para se preparar e manter o condicionamento físico.

Para Mauss (2003), a corrida possui magia e um jogo corporal. As técnicas do esporte envolvem posição do pé, respiração e resistência. Mas as técnicas de corrida podem mudar conforme as interações coletivas. Ele afirma que movimentos e técnicas podem ser alterados através da observação e da imitação, na chamada “Imitação Prestigiosa”. Para ele, nesse sentido, não há um “movimento natural”, e sim um assimilado através das técnicas. Mauss exemplifica que a corrida mudou o estilo de passada a partir da imitação dos corredores profissionais de 1890.

Agora, com a corrida passando para o ambiente interno e não externo da cidade, as imitações surgem dos grupos de referência, como no caso do Adidas Runners Rio de Janeiro. Com cerca de 58 mil inscritos, a Adidas vem publicando em sua página uma série de treinamentos e condicionamentos para serem feitos em casa.

Imagem 1 – Programação de exercícios para serem feitos em casa. Fonte: Adidas Runners.

As lives trazem o aprendizado e a “imitação prestigiosa” e permitem a magia da corrida e as interações coletivas entre corredores.

Imagem 2 – “Educativos de corrida”. Fonte: Adidas Runners.

Ao mesmo tempo, indicam técnicas “corretas”, como Mauss pontua. Envolvem posição do pé, respiração e resistência, como mostra a segunda imagem, que oferece “educativos de corrida”, movimentos a serem assimilados.

O importante é administrar o corpo, como ressalta Le Breton. Afinal, o corpo não pode parar.

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Tatiana Cioni Couto é doutoranda em Comunicação na UERJ e professora do curso de Jornalismo da Faculdade Pinheiro Guimarães.

 

Referências:

LE BRETON, David . Antropologia do corpo e modernidade. Tradução de Fábio dos Santos Creder Lopes. Petrópolis: Vozes, 2013a.
__________________ Adeus ao Corpo: Antropologia e Sociedade. Campinas, SP: Papirus, 2013b.

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: __________________. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

Quando os corpos não podem parar